Passados três meses desde a primeira confirmação de um caso da Covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro, a doença atinge todos os Estados do país de forma desigual. A diferença na incidência da doença a cada 100 mil habitantes chega a ser de quase 27 vezes entre o estado com a maior taxa (Amapá, com 778,5 casos por 100 mil pessoas) e o Estado com a menor (o Paraná, com 29,1).
A aceleração da pandemia também é contrastante entre as regiões. Na última semana, o número de casos em todo o território nacional aumentou cerca de 47,5%, mas o valor oscilou entre 101%, no Acre, até 32% em São Paulo. Minas circulou ao redor da média, com taxa de crescimento da pandemia de 48%.
É uma taxa que o Estado mineiro seguiu durante este mês, variando entre 40% e 50%, segundo análise do médico e pesquisador José Rocha Faria Neto, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Olhar o Brasil como um todo não diz nada sobre a realidade dos Estados, que estão em pontos totalmente distintos entre si”, diz o pesquisador. Sua equipe está no início de uma análise sobre quais fatores de cada Estado explicam a dinâmica da epidemia nas regiões.
Acompanhando a evolução do número de casos por 100 mil habitantes desde o início de março, Minas Gerais tem figurado entre as regiões com menos ocorrências. Atualmente, são 32,9 doentes confirmados por 100 mil habitantes — número 5,4 vezes menor que a média nacional, de 178,4 casos a cada 100 mil habitantes.
Isso mantém Minas como segundo Estado com menos casos a cada 100 mil pessoas — ao longo de maio, a posição foi trocada com o Mato Grosso do Sul, enquanto o Paraná permanece com a menor taxa, de 29,1. A taxa de óbitos em Minas também é uma das menores do país, alcançando 1,1.
Por outro lado, se fossem países, os Estados do Amapá, Amazonas, Ceará, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro fariam parte das 20 nações com maior número de mortes por 100 mil habitantes no mundo. No Amazonas, a taxa atual é 43, quase quatro vezes maior que a nacional e pouco menos de 40 vezes a de Minas.
“Se quem vai determiná-las é o governo federal ou o estadual, não me cabe dizer, mas as políticas têm que ser regionalizadas”, defende Faria Neto. Agora, ele e a equipe vão se debruçar sobre dados como a economia de cada Estado e a taxa de isolamento social nas cidades para entender o que está por trás das diferenças.
Isolamento social precoce é hipótese para menor incidência da Covid-19 em Estados
O professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Henrique Duczmal, pesquisa a dinâmica da pandemia especialmente em diferentes cidades brasileiras. Sua hipótese é que decisões tomadas no início da pandemia ainda se refletem na dinâmica da doença. “As ações do começo estão fazendo uma diferença enorme. Em BH, tivemos ação muito rápida, com escolas fechando e redução de mobilidade social”, exemplifica. O decreto que estabelece medidas de isolamento na cidade começou a valer no dia 20 de março.
Ao mesmo tempo, o Estado do Amazonas decretou medidas de isolamento já no dia 16 de março, mas é hoje um dos com maior incidência da Covid-19. O professor José Rocha Faria Neto, da PUC-PR, aponta que adoção de medidas de distanciamento pelo governo não significa necessariamente cumprimento pela população. Sua equipe está analisando as taxas de isolamento em cada ponto para medir os efeitos do isolamento sobre os números dos Estados.
Ainda assim, ele não descarta que ações iniciais de combate à pandemia continuem interferindo nos números: “Avaliamos com muito interesse se o que aconteceu no começo é determinante para a evolução dos casos”.
Faria Neto também lembra que o desenrolar da pandemia aconteceu em momentos diferentes em cada local. O último Estado a confirmar casos foi Roraima, no dia 21 de março, quase um mês após a primeira confirmação do país, em São Paulo. De acordo com Faria Neto, isso não significa necessariamente que a dinâmica da pandemia nos municípios onde ela começou mais tarde vá ser “atrasada”, mas pode interferir na comparação entre eles.
“O que mais preocupa são os Estados onde o sistema de saúde já está saturado, independentemente do número de casos. O paciente que interna por Covid-19 não vai ficar internado dois ou três dias”, pontua Faria Neto.