Paris, França. O Ministério Público Financeiro da França encontrou indícios concretos de corrupção envolvendo a escolha do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Três dias antes da escolha, ocorrida em outubro de 2009, em Copenhague, transferências de US$ 2 milhões para a família de Lamine Diack, então presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) e membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) foram feitas por empresas do brasileiro Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, conhecido pelo apelido de Rei Arthur, que havia firmado contratos de prestação de serviços com o governo de Sérgio Cabral. As informações são do jornal francês “Le Monde”.
Uma primeira transferência de recursos de US$ 1,5 milhão foi realizada em 29 de setembro de 2009 entre a Matlock Capital Group, empresa de Arthur Soares com sede em Miami, nos Estados Unidos, e a Pamodzi Consulting, empresa de Papa Massata Diack, filho de Lamine Diack, então presidente da IAAF e membro do COI.
Uma segunda transferência, de US$ 500 mil, também proveniente da mesma empresa, beneficiou uma conta de Papa Diack na Rússia. As informações fazem parte de uma ampla investigação realizada pelo MP Financeiro em Paris sobre suspeitas de corrupção na atribuição de Jogos Olímpicos.
Segundo o jornal francês, o brasileiro Arthur Soares é um dos pivôs da apuração realizada sobre a atribuição dos Jogos ao Rio. O empresário é considerado grande amigo do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso pela Polícia Federal na Operação Lava Jato em 17 de novembro. Durante as gestões do ex-governador do PMDB, o Grupo Facility, então principal companhia de Arthur Soares, chegou a ser o maior prestador de serviços privados do Estado do Rio, somando contratos da ordem de R$ 3 bilhões.
Os documentos relativos às transferências entre as empresas de Arthur Soares e Papa Diack foram entregues ao MP Financeiro de Paris pela Justiça dos Estados Unidos. Papa Diack, que também foi consultor de marketing da IAAF, vive hoje no Senegal e não deixa o país por ser alvo de um mandado internacional de prisão da Interpol. Seu pai, Lamine Diack, está em prisão domiciliar na França, denunciado por crimes de corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro em outro escândalo envolvendo a IAAF: o de ter feito vistas grossas para o programa de doping massivo na federação de atletismo da Rússia.
Essa investigação acabou gerando uma segunda sobre suspeitas de corrupção na atribuição dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que acontecerão em 2020, e do Rio, em 2016. Na época em que foi selecionada, a cidade do Rio ficou em segundo no primeiro turno de votação, eliminando Chicago e Tóquio, mas ficando atrás de Madri. No segundo turno, o Rio venceu por 66 votos a favor, contra 32 da capital espanhola.
Quem é Rei Arthur, o homem que estaria por trás do esquema
Dono do Grupo Facility, o empresário Arthur Cesar Menezes Soares Filho é investigado pela operação Calicute, o braço fluminense da Lava Jato. Apelidado de Rei Arthur por sua relação com Sérgio Cabral, que era governador do Rio, Soares Filho recebeu quase R$ 3 bilhões por contratos assinados com o Estado durante os oito anos da gestão passada. Ele é apontado como o maior fornecedor de serviços terceirizados, como faxina e segurança, por meio de empresas ligadas ao Grupo Facility. Em janeiro, o empresário deu depoimento aos procuradores da Calicute e afirmou ser amigo pessoal do exgovernador.
Posição oficial
COI nega corrupção na escolha
Lausanne, Suíça. As revelações sobre uma suspeita de compra de votos por parte do Rio de Janeiro no processo de definição da sede dos Jogos Olímpicos de 2016 levaram o Comitê Olímpico Internacional (COI) a garantir que confia que um de seus colaboradores denunciados é “inocente”. O auditor dos votos da escolha da sede é acusado de ter recebido dinheiro no dia da eleição.
Nesta sexta-feira (3), em um comunicado, o porta-voz do COI, Mark Adams, informou que a entidade “toma nota das alegações sérias feitas no jornal ‘Le Monde’ relacionadas à votação para a escolha da sede dos Jogos de 2016”. “Continuamos totalmente comprometidos em esclarecer essa situação, trabalhando em cooperação com o procurador”, disse Adams, afirmando que a entidade pedirá à Justiça francesa informações sobre a investigação.
Apesar de garantir a cooperação, o COI informou que seu colaborador Frankie Fredericks já entrou em contato com o Comitê para explicar sua inocência. De acordo com os franceses, Papa Massata Diack transferiu US$ 299,3 mil pela empresa Pamodzi para a empresa offshore Yemli Limited, em 2 de outubro de 2009. A empresa tinha uma relação direta com Fredericks, que foi um dos monitores do COI no momento da votação.
Fredericks, que também é o presidente da comissão de avaliação dos Jogos de 2024, garantiu que o dinheiro não tinha qualquer relação com o Rio. O que o COI não explicou é o fato de que Fredericks estava há dois anos sem receber o pagamento de Diack e que acabou recebendo no mesmo dia da escolha da sede de 2016.
No ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou a sugerir que a escolha das sedes dos Jogos Olímpicos era manipulada. Em uma entrevista publicada na “New York Magazine”, ele não deixou dúvidas sobre o que pensa do COI. Seu ataque visava especificamente a escolha da sede de 2016, que acabou ficando com o Rio de Janeiro.
Obama foi um dos promotores da candidatura de Chicago, seu berço político e a cidade de sua mulher, Michelle. Segundo Obama, um “comitê muito eficiente foi para Copenhague para fazer sua apresentação” e que, “subsequentemente, fomos informados de que as decisões do COI são similares às da Fifa: um pouco arranjadas”, disse Obama.
“Não passamos da primeira fase, apesar de que, por todos os critérios objetivos, a candidatura americana era a melhor”, afirmou o ex-presidente dos Estados Unidos.
Resposta
Comitê diz que eleição foi “limpa”
Rio de Janeiro. O Comitê Organizador Rio 2016 assegura que a escolha da cidade foi “limpa”. “Temos certeza de que a eleição, de nosso ponto de vista, foi limpa. Não fizemos nenhuma ação ilegal. Todos os documentos relativos à campanha, as correspondências, estão abertos” ao público, declarou Mário Andrada, diretor de comunicação do comitê organizador.
“Esse escândalo é muito mais da Federação de Atletismo do que das eleições do COI. Mas como neste ano haverá uma eleição crucial para a França (que quer sediar os Jogos de 2024), imagino que há uma pressão muito grande para esclarecer este caso”, criticou, tentando vincular a investigação a um suposto interesse do governo francês em pressionar o Comitê Olímpico Internacional para a escolha da sede das Olimpíadas de 2024. E Andrada reforça:
“Nossa posição é de tranquilidade total. Não fizemos nada errado, foi uma eleição limpa, fizemos grandes Jogos, os brasileiros ficaram muito orgulhosos dos seus Jogos, e estamos trabalhando agora pelo legado”, garantiu Andrada, ressaltando que a “impressão que tenho é que os investigadores franceses estão cutucando para ver se sai alguma coisa do mato”.