Publicada nessa quarta-feira (6) no “Diário Oficial da União”, a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que libera consultas e outros atendimentos a distância gerou uma série de manifestações e críticas de conselhos regionais de medicina. Representantes das entidades de pelo menos nove Estados – incluindo Minas – publicaram nota em que afirmam não ter participado da discussão, apontam fragilidades no texto e dizem temer que a avaliação a distância atrase ou dificulte diagnósticos.

Porém, o principal questionamento é que a resolução pode provocar o distanciamento entre profissional e paciente.

“Além de não termos sido consultados para a formulação dos procedimentos autorizados, fico com receio de a relação com meu paciente ficar sucateada. Tenho medo de não oferecermos bons diagnósticos e tratamentos por falta de informações que somente a consulta presencial pode oferecer”, afirma o dermatologista Lucas Miranda, membro do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG).

Em nota, a entidade informou que encaminharia “imediatamente, junto com outros conselhos regionais, o pedido de adiamento da resolução”, prevista para entrar em vigor em 90 dias, até que “amplo debate” seja feito.

Atualmente, a telemedicina só é autorizada quando médicos realizam contato – por videoconferência, por exemplo – com colegas especialistas em outros locais durante o atendimento, em uma espécie de segunda opinião.

Agora, a resolução do CFM prevê que esse tipo de atendimento online possa ser realizado também entre médicos e pacientes que já tiveram ao menos uma consulta prévia anterior. O documento estabelece ainda normas para outros serviços, como telediagnósticos e telecirurgias.

“Em que pese estarmos cientes da importância dos avanços tecnológicos, consideramos que a resolução em muitos aspectos vulnerabiliza os médicos, a medicina e, principalmente, os pacientes”, afirma o Conselho Regional de Medicina da Bahia, em nota.

O conselho de São Paulo também é contra a resolução. “O Cremesp manifesta discordância em relação ao mérito e aos procedimentos, pouco transparentes, envolvendo a divulgação da resolução” e diz ver com apreensão “a possibilidade de mercantilização da medicina”.

Questionado, o CFM afirma que a previsão é que possíveis ajustes devem ser discutidos até que a medida entre em vigor. Também em comunicado, o conselho qualifica as críticas como “infundadas” e diz lamentar “ataques repletos de inverdades”.

E prossegue: “Ao estabelecer tais critérios, o CFM contribuiu decisivamente para que a qualidade e a segurança da atividade médica sejam preservadas”.

Ferramenta. Para o clínico geral Oacir Ferreira, membro do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), a liberação dos atendimentos online pode facilitar o acesso à saúde e ser uma ferramenta útil em locais com carência de médicos, mas com ressalvas.

“A consulta presencial jamais pode ser substituída, mas tecnologias como a telemedicina poderiam ajudar muito pacientes que não têm acesso ao serviço de saúde”, afirma. Ele defende, no entanto, que haja mais debates sobre o tema antes de a resolução entrar em vigor.

Elo com empresa gera suspeita

Reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S.Paulo” aborda o conflito de interesses que envolveria a edição da polêmica resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Segundo a matéria, o filho do relator da resolução, Aldemir Soares, é funcionário de uma empresa de telemedicina. Questionado, o CFM afirmou apenas que o relator não é sócio de empresas de telemedicina, mas não esclareceu qual a participação do filho de Soares na instituição.

A utilização da telemedicina no país é antiga. Ela chegou em 1985, como disciplina de informática médica na Faculdade de Medicina da USP. No ano seguinte, uma empresa particular passou a fazer diagnósticos de eletrocardiograma por fax.

Empresas já oferecem o serviço para quem tem plano de saúde, como é o caso da Saúde Concierge. Uma equipe entra em contato com o paciente para entender sua necessidade, agenda uma visita presencial do médico de acordo com a patologia e acompanha, ao longo das semanas, sua evolução clínica.

As informações colhidas vão para um sistema que, por meio de big data, inteligência artificial e aplicativo, monitora o indivíduo.

Em caso de urgência, um alerta é emitido ao médico, que usa os dados registrados para tratar e até mesmo indicar as melhores atuações clínicas para outros pacientes com perfil semelhante.