Reunir pessoas para pensar um projeto de país que possibilite superar as polarizações. E que reflita sobre alguns caminhos a serem seguidos, contribuindo para a construção de uma nova visão de Brasil para o futuro. Essa é a proposta do Fórum do Amanhã, evento realizado anualmente desde 2016, e que termina neste domingo (25) na histórica cidade de Tiradentes, no Campo das Vertentes, em Minas Gerais.
O evento deste ano teve como tema “Riquezas brasileiras: reconhecer, gerar e distribuir” e contou, nos últimos quatro dias, com a presença de mais de 30 especialistas de áreas diversas.
“O Brasil precisa de um novo projeto de país que integre diferentes vertentes de pensamento e que nos faça superar o estado de perplexidade e fragmentação em que nos encontramos”, explica o site do Fórum do Amanhã. O ideário desta “nova via”, defende, deverá vir da sociedade civil, em movimentos democráticos, vivos, criativos e propositivos.
Inspirado pelo sociólogo italiano Domenico de Masi e pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti, o fórum partiu de movimentos democráticos da própria sociedade civil mobilizada. Os debates deste terceiro evento anual tiveram como ponto de partida a Carta do Amanhã, escrita com as conclusões dos dois primeiros fóruns – e que ganhará uma nova versão neste domingo.
A proposta é que a Carta do Amanhã seja uma síntese das ideias convergentes surgidas durante os debates realizados a cada ano. E que sirva como um instrumento para que essa visão seja tecida na sociedade brasileira.
Confira abaixo as entrevistas com dois participantes do fórum neste ano que apresentaram suas diferentes visões de um mesmo Brasil.
Cenário
Debate. Com 300 anos e 7.600 habitantes, Tiradentes, a 190 km de Belo Horizonte, tornou-se cenário da discussão sobre o modelo que o Brasil pode ser para o mundo.
Minientrevista
Domenico de Masi
Italiano criou o conceito de ócio criativo e é autor de inúmeros livros
Você costuma dizer que, no mundo hoje, não há um modelo teórico de referência. Durante o Fórum do Amanhã, muito se falou sobre o modelo brasileiro.
Todas as sociedades até hoje foram estruturadas com base em um modelo. Só a nossa sociedade, pós-industrial, nasceu sem modelo. É como uma casa sendo construída sem projeto. Para você ter um modelo novo, deve-se saber o que havia de bom nos outros modelos. No islâmico, por exemplo, posso assimilar o modelo de comunidade, mas não o de opressão do homem sobre a mulher.
Por que o senhor acha que o Brasil pode servir de modelo?
O modelo americano é excessivamente racional, e a questão emotiva interessa pouco. Já os africanos são muito emotivos e pouco racionais. Acho que o modelo brasileiro é equilibradamente emotivo e racional. A tendência é que o mundo se torne uma mistura de raças, brancos, negros, chineses, e o Brasil já tem esse modelo racial. Os EUA também têm esse modelo, mas lá as raças estão em forte conflito. Aqui, isso não é tão forte. O Brasil é mais alegre, e a alegria é uma relação construtiva com a vida. Somos propositivos, ao contrário dos americanos que, em geral, são destrutivos. E o Brasil é um país de paz. Ele tem 11 nações vizinhas, e não fizeram uma única guerra em 150 anos.
Pesquisa recente mostrou que o Brasil caiu no ranking de solidariedade. Além disso, ainda não conseguimos superar problemas básicos.
Esse é um problema que muitos países do mundo estão passando, mesmo a Itália também vive essa questão. É um sinal mais grave do que está acontecendo.
Foi lançado um projeto piloto aqui em Tiradentes em que você vai se dedicar a descobrir o sonho das crianças.
Esse é um caso único no mundo. O inconsciente das crianças pode ser um fator de progresso ou de regresso, e, conhecendo esse inconsciente, você pode canalizar para alguma coisa positiva. São 1.500 crianças da rede pública. Vamos começar em fevereiro de 2019, e a perspectiva é que no próximo fórum em novembro sejam divulgados os resultados.
Minientrevista
Roberto Gambini
Autor de “O Espelho Índio: Os Jesuítas e a Destruição da Alma Indígena (1988)
Uma pergunta presente no fórum foi qual modelo o Brasil pode ser para o mundo. O que o senhor pensa disso?
Acho um pouco pretensioso falar isso. Eu diria que não vamos querer ser modelo para ninguém, vamos querer ser modelo para nós. Ficar pensando nos outros...se sou modelo, os outros vão me admirar. É para a gente querer ser a realização das nossas verdadeiras características. Para mim a meta é essa. Se vira modelo ou não, não é problema meu, é dos outros que vão seguir. Estou preocupado em acharmos o fio da nossa meada, uma clareza de para onde a gente está indo, o que a gente deve evitar, o que deve consertar, quais feridas a gente tem que cuidar e o que a gente tem que incentivar porque isso está ajudando a gente a se tornar o que a gente é.
É possível construir um sonho para o Brasil como está sendo proposto no fórum?
Sonho não se constrói. O sonho ocorre, e ele é como que uma fotografia do que está acontecendo no mundo interior. Então, o sonho te deixa ver uma coisa que é um pouco inacessível. O que acontece no interior do teu ser. O sonho retrata isso. Então, é bom ver os sonhos do Brasil para enxergar o que está acontecendo no âmago. Mas um sonho como uma meta, um ideal, uma utopia, um desejo, não pode ser construído. Ninguém é dono do direito de dizer que o sonho do Brasil é este. Porque o sonho é uma coisa coletiva. O que eu digo é que ele está lá, e precisa ser desvelado. É tirar os véus que estão por cima dele. Ele está lá desde o começo. Antes de o Brasil ser Brasil, ele já estava lá.
Mas estamos ficando mais perto disso?
A gente está ficando mais perto por desespero, porque sem o sonho a gente vai dar com a cara na parede. Está se percebendo que o sonho do possível é o que motiva e orienta. É a estrela-guia. O sonho é a estrela que você segue. E nós estamos desesperados porque é como se nós estivéssemos andando à noite sem nenhuma estrela, com tudo escuro, não sabendo para onde vamos. Então, é pelo desespero de estar perdido que começamos a nos questionar cadê o sonho.