O Carnaval de Belo Horizonte é alegre, diverso e seguro. Pelo menos, é o que demonstram as fotos de foliões sorrindo nas ruas, que estampam uma campanha nacional do governo de Minas para convencer turistas de outros Estados a virem para a capital mineira. Em um dos anúncios, que pode ser visto em aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, um grupo se diverte na praça da Estação e, em primeiro plano, um homem negro sorri para a câmera. Só há um porém: nenhum destes foliões existe de verdade.

A cena é criação de inteligência artificial (IA). O fundo, que mostra a Estação Central, é uma foto de fato. Mas cada uma das pessoas que aparece na imagem, inclusive o homem à frente, foi inventada por um computador. Isto não é sequer um mistério: no canto direito do outdoor, em letras menores que os outros dizeres, vem o aviso de que as imagens são geradas por IA.

“A Lápis Raro já usou inteligência artificial em outras campanhas. Para o governo, é a primeira vez. Passar verdade para quem está em outros Estados só seria possível se colocássemos um bloco na rua e tirássemos uma foto”, introduz Raquel Moreira, responsável pela conta do governo de Minas na Lápis Raro, agência de publicidade mineira. Ela explica que, para utilizar fotos dos Carnavais passados para fins publicitários, seria necessário ter autorização de todas as pessoas que aparecessem nas imagens.

“A criação com inteligência artificial é um processo demorado, com muito tratamento de imagem e um diretor de arte sênior com capacidade de chegar a uma alta qualidade. Há um programa específico para gerar as imagens, mas a pessoa é que vai tratando elas”, continua Moreira.

Em uma tentativa de atrair turistas e concorrer com os maiores Carnavais do país, o governo de Minas investiu R$ 6 milhões em publicidade específica para outros Estados. São 20 mil inserções publicitárias nos túneis de embarque e desembarque dos aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, outras 500 nas rodoviárias e mais de um milhão em bancas de revistas, por exemplo, além de impulsionamento no TikTok e em outras redes sociais. O objetivo combinado com a agência é aumentar em 30% o número de turistas de fora em BH.

Peça da campanha do Carnaval de Minas 2024

É necessário avisar quando a inteligência artificial é utilizada na publicidade?

A própria campanha avisa que utilizou inteligência artificial. Não existe uma norma que obrigue os anunciantes a informar que utilizaram IA, mas foi uma escolha deixar isso claro na publicidade de Carnaval, segundo Raquel Moreira. “Achamos importante ser honestos, então deixamos isso informado para não mentir sobre o que a pessoa está vendo”, diz ela.

Doutor em comunicação social e autor do livro “Cr(ia)ção – Criatividade e inteligência artificial”, Renato Gonçalves pondera que a discussão sobre os limites da manipulação de imagens na publicidade é antiga — e sem conclusão. “Quando o Photoshop surgiu, possibilitou a manipulação digital e padrões irreais de beleza. Isso gerou discussão e não deu em nada, porque se entendeu que o Photoshop é uma ferramenta e depende de quem e como está usando”, diz. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) debaterá, até março, normas de uso da IA para a publicidade eleitoral.

“Uma das ideias é indicar quando tem IA em campanha política, o que realmente tem sentido, devido às fake news. Mas a publicidade em si é o reino da fantasia, de mil possibilidades criativas que não envolvem necessariamente fake news ou má intencionalidade”, argumenta o pesquisador.

Peça da campanha do Carnaval de Minas 2024

O uso da IA na publicidade gera debates acalorados e esbarra em emoções, limites éticos e memórias, como no caso do uso da imagem de Elis Regina, morta em 1982, em um comercial divulgado em 2023 pela Volkswagen.

Ainda que veja a IA como mais uma ferramenta no arsenal da máquina publicitária, Gonçalves reconhece os riscos de seu uso irresponsável para o próprio mercado. “Às vezes, a IA é utilizada por questão de rapidez, porque ela facilita o trabalho criativo. Aí é que mora o perigo, porque ela é usada sob a lógica da mais-valia, de fazer mais com menos, e pode ser um perigo para as pessoas perderem o emprego”, avalia.

Outro perigo é o esvaziamento da criatividade das campanhas: “o sonho de todo anunciante é fazer a publicidade mais barata possível. Podemos usar a IA para baratear o processo e, quanto mais barato, menos valorizado e mais tudo fica igual. A maioria usa a IA generativa só na superfície, o básico dela, então tudo está ficando igual”, conclui.