De um lado, foliões compram fantasias e traçam a rota dos bloquinhos. Do outro, um verdadeiro “exército” de ambulantes corre para montar estoques de bebidas e comprar, ou alugar, equipamentos de trabalho. Essa luta, no entanto, não é individual. No ambiente online, grupos de homens e mulheres indicam as distribuidoras com os melhores preços, tiram dúvidas e trocam dicas sobre estratégias de vendas. Somente um grupo de WhatsApp conta com mais de 800 participantes, que esperam faturar um dinheiro extra e garantir o “décimo terceiro” do ano. Alguns, mais otimistas, esperam lucrar até R$ 10 mil no período. 

Produtor de vasos de cerâmica na fábrica em que trabalha com o pai, Walisson Oliveira será ambulante pelo segundo ano e tem expectativas um pouco mais modestas. Ele espera lucrar cerca de R$ 5 mil com as vendas - número cinco vezes maior que o ano passado. Segundo ele, as expectativas só não são maiores por conta da alta concorrência, que aumentou após a PBH autorizar o comércio a vender bebidas durante a folia. 

“Também tem a questão de só poder comercializar cervejas da Ambev em alguns pontos da cidade, o que impede a venda da Heineken, por exemplo. É uma cerveja querida pelos clientes e eu poderia lucrar mais se não fosse essa regra”, aponta. 

Diante dos desafios, ele traça suas estratégias de “guerra” para gastar menos e maximizar os lucros. Uma delas é ficar de olho no grupo de WhatsApp, onde os companheiros compartilham promoções e indicam lugares com produtos mais em conta.

"Poderia lucrar mais caso a PBH não autorizasse o comércio a vender bebidas no Carnaval", lamenta Walisson Oliveira. Foto: Alex de Jesus/O Tempo 

“Também vou mirar em blocos onde posso praticar preços maiores e investir em produtos da moda. O Xeque Mate, por exemplo, tem bastante saída. Vendo três para cada lata de cerveja”, diz. 

Quitar as dívidas

Dona de casa e proprietária de um espaço de beleza, Ângela Borges é estreante no mundo dos ambulantes e vai encarar o desafio para gerar renda extra e pagar parte da faculdade de enfermagem. Sem experiência, ela diz que ainda está “um pouco perdida” e que conta com as dicas do grupo virtual para se tornar mais estratégica nas vendas. 

“Meu maior desafio era saber onde comprar a mercadoria, já estou fazendo uma lista com os lugares e preços que os colegas mandam no WhatsApp. Também estou descobrindo bebidas que eu nem sabia que existiam, como Xeque Mate e Lambe Lambe. Em tempos tão individualistas, é bom contar com esse grupo de apoio”, afirma. 

A empreendedora, que pegou R$ 1.500 emprestados com um conhecido para investir nas vendas, conta que também já traçou suas estratégias para lucrar. “Um parente que tem restaurante vai me fornecer o gelo, o que já diminui bastante os gastos, e também vou contar com a ajuda da minha irmã nos dias mais intensos da festa. Ainda não sei quanto vou lucrar, por ser minha primeira vez, mas quero arregaçar as mangas e fazer muito dinheiro”, garante. 

Plano B

Em meio a tantas expectativas, há quem lamente por ficar fora da festa. É o caso da bartender Adrielle Magalhães, que foi ambulante nos últimos dois carnavais e já havia investido cerca de R$ 2 mil em produtos. Após seu carro apresentar problemas, desistiu de faturar no Carnaval e, agora, usa o grupo do WhatsApp para tentar recuperar o prejuízo. 

“Já consegui vender quase tudo, a única cerveja que ainda está encalhada é a Heineken, acho que a galera está um pouco receosa por conta da decisão da Ambev. A vantagem é que comprei tudo ao longo do último ano e aproveitando promoções, então não tem sido difícil repassar o material por um preço atrativo”, conta. 

Ela, que lucrou mais de R$ 4 mil no ano passado, lamenta não poder sair às ruas com seu carrinho neste ano - uma vez que as expectativas eram boas. “Como o número de ambulantes diminuiu neste ano, eu esperava um resultado melhor em 2025. Ano que vem estarei de volta, vale a pena.”

Segundo a PBH, o número de vendedores autorizados diminuiu de 21 mil para 11.600 do ano passado para esse. 

Vendendo para vendedores 

Enquanto os ambulantes miram nos foliões, eles próprios se tornam público-alvo de empresas que enxergam nesse “exército” uma oportunidade de lucrar mais. Entre elas está a Coco Leve, que produz gelo saborizado para bebidas, como cerveja, gin tônica e whisky. Acostumada a fornecer para comércios e distribuidoras, a empresa conta que também passa a ser procurada pelos ambulantes no Carnaval. 

“Já temos uma alta nas vendas de forma geral nesta época do ano e, com os ambulantes, estimamos um faturamento até 15% maior. Como estratégia, também investimos em parcerias com as marcas que bombam na folia. Ano passado tivemos o gelo de Xeque Mate e, neste ano, lançamos três sabores em parceria com a Beats”, explica o representante comercial Paulo Maciel. 

Para atrair os empreendedores carnavalescos, a marca também fez uma parceria com a Associação dos Trabalhadores Ambulantes de Belo Horizonte no ano passado e promete repetir a dose em 2025. “Fornecemos sombrinhas, cartazes e isopores para os ambulantes armazenarem os produtos, uma vez que eles não podem se misturar com os gelos comuns. É uma forma de incentivarmos e nos aproximarmos desses trabalhadores”, diz. 

Restrição à Heineken está dentro da lei

No Carnaval de 2025, a Ambev retoma o patrocínio em Belo Horizonte e investe R$ 5,9 milhões na festa. Parte do acordo da empresa com a prefeitura determina que, em alguns pontos da cidade, as únicas cervejas que poderão ser vendidas serão as da patrocinadora. Ambulantes flagrados com produtos irregulares poderão ter a credencial cassada imediatamente e ter produtos e equipamentos apreendidos.

O Sindicato das Indústrias de Bebidas do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas MG) pressiona a prefeitura para que haja uma revisão da exclusividade da venda e cogita acionar a Justiça contra essa cláusula do contrato.

Mas a advogada Núbia de Paula, vice-presidente da Ordem dos Advogados dos Brasil - Minas Gerais (OAB/MG) e advogada especialista em Direito Administrativo, explica que não há irregularidades nas regras estabelecidas pela prefeitura para os ambulantes.

“A prefeitura ou qualquer entidade pública pode fazer contratação sob regime de exclusividade. Houve um contratação da Ambev com cláusula no contrato para que só fossem comercializados produtos da marca e o órgão público pode repassar isso aos autorizatários”, explica a advogada. “Quando os ambulantes foram credenciados, mostraram que estavam cientes do requisito”. 

Mas a prefeitura não pode aplicar multa a quem for flagrado vendendo outras marcas de cerveja. “O poder de polícia da prefeitura só abrange a concessão do ato, ou seja, só pode retirar a credencial do ambulante”, conclui.

*Com colaboração de Cinthya Oliveira