Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 783/24 que proíbe o descarte de pintos machos por meio de métodos cruéis como trituração, eletrocussão e sufocamento. A prática é muito comum na produção de ovos no Brasil e em boa parte do mundo. Isso ocorre porque as aves não possuem utilidade para a avicultura de postura brasileira, tampouco para o consumo humano, pois apresentam baixo desempenho quando comparadas com as linhagens especializadas em ganho de músculo.

A proposta, da deputada Professora Luciene Cavalcante (PSOL/SP), já foi aprovada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e aguarda análise das comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. 

Outro meio usado para o descarte de pintinhos é a gaseificação com dióxido de carbono (CO2). No entanto, a trituração — em que se utiliza um equipamento mecânico para exterminar as aves ainda vivas — é a mais comum. Na indústria de ovos, os pintinhos machos são considerados indesejados ou subprodutos, por isso são mortos logo após a eclosão, com apenas um dia de vida. Entretanto, nos últimos anos, estes métodos começaram a ser questionados por ativistas e organizações ligadas à defesa da causa animal por colocar em risco o bem-estar dos filhotes e também por comprometer o meio ambiente, uma vez que o material gerado após a trituração é comumente depositado em aterros sanitários.

Um relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) identificou diversos riscos associados à trituração de pintinhos machos de um dia. Esses perigos incluem rotação lenta das lâminas ou rolos das máquinas, sobrecarga e uso de rolos excessivamente largos. Estes fatores podem fazer com que as aves não morram instantaneamente e recuperem a consciência, estando com ferimentos graves, após passarem pelo triturador. Em alguns casos, os pintinhos permanecem vivos por minutos ou até horas. 

Entidades de proteção animal estimam que 84 milhões de pintinhos machos sejam descartados vivos anualmente no Brasil, e no mundo, aproximadamente sete bilhões de aves são mortas por ano. Há ainda uma teoria de que nuggets seriam produzidos a partir de pintinhos triturados, o que não procede, uma vez que o produto costuma ser feito, em sua maioria, com partes do frango que geralmente são rejeitados pelo consumidor, como pele, cartilagens, cabeça, pescoço, pés, dentre outras. 

De acordo com a Animal Equality, organização internacional dedicada à proteção de animais de produção, o tratamento dos pintinhos machos antes da matança é frequentemente negligenciado. “Eles são submetidos a tratamento cruel desde o momento em que eclodem. Isso inclui ser manuseado sem cuidado, causando ferimentos e fraturas. Também é comum que os pintinhos fiquem em caixas superlotadas, fazendo com que os mais fracos e debilitados sufoquem sob dezenas de outros animais. Além disso, estão conscientes do que os rodeia e são capazes de sentir fome, sede, oscilações de temperatura e ruído excessivo.”

Ainda de acordo com a organização, “além de cruel, o descarte desses animais pode gerar impactos ambientais graves, como contaminação do solo, da água e do ar, além de aumentar o risco de proliferação de microrganismos nocivos, que podem afetar tanto animais quanto humanos.”

Há alternativas

Para defender a mudança da prática, a entidade elaborou, no ano passado, o relatório "Alternativas para o descarte de pintinhos machos: tecnologias de sexagem in ovo.” No documento, sugere possibilidades ao descarte de pintinhos machos, como a utilização dos machos de linhagens especializadas em produção de ovos para a produção de carne; desenvolvimento de raças de dupla finalidade/aptidão, o que significa que as fêmeas seriam utilizadas para a produção de ovos e os machos para a produção de carne; e a sexagem in ovo - processo de identificação do sexo dos embriões antes da eclosão dos ovos e, preferencialmente, antes que os animais possam sentir dor.

Vânia Plaza Nunes, médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, enfatiza que atualmente já existe tecnologia para que numa determinada fase da vida dos pintinhos se faça a ovoscopia, para saber se a ave é macho ou fêmea. “Ela tem um pouco mais de sofisticação, mas já está disponível, por exemplo, na Europa, e em outros países mais desenvolvidos. Então, um técnico habilitado, quando o pintinho ainda está em formação, ele consegue saber o sexo do animal. Se for macho, ele pode descartar aquele ovo. E detalhe, a ciência já trouxe para nós que se você fizer a ovoscopia na idade certinha, vai conseguir separar o macho da fêmea sem que o animal tenha a capacidade cognitiva exposta ao sofrimento.” 

Um dos argumentos apontados pela indústria para a opção da trituração é que o método seria mais economicamente viável. No entanto, Vânia sugere que a nova tecnologia citada pode atender aos anseios de custos da indústria. “Estou falando em empresas que só trabalham com incubação de ovos, e não de todos os criadores. Então, mesmo que elas tenham que investir em pessoas treinadas para fazer isso, se fizerem a identificação no momento adequado, vão evitar um sofrimento para os animais e também um prejuízo econômico. Porque dentro de uma máquina, por exemplo, vamos dizer que tenha mil ovos sendo desenvolvidos numa chocadeira elétrica. A metade é provável que seja de machos. Então, para fazer com que a máquina funcione, a empresa precisa gastar energia e criar uma expectativa quando, na verdade, já podia ter separado esses ovos lá atrás,” explica a diretora.

O que dizem os envolvidos 

A reportagem acionou o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para saber se há normas que estabelecem o método a ser usado no Brasil, bem como se existe possibilidade de alteração na forma de descarte, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno. Também questionou a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) a respeito de alternativas para minimizar os impactos deste processo, mas ainda não recebeu respostas. 

Já o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) afirma que, “sobre a prática de descarte de pintinhos machos na avicultura de postura, informamos que a regulamentação desse processo é de competência do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), por meio de suas normativas técnicas e sanitárias. O Conselho Federal de Medicina Veterinária acompanha com atenção os avanços científicos e tecnológicos relacionados ao bem-estar animal e está sempre aberto ao diálogo com instituições públicas, setor produtivo e entidades da sociedade civil.” 

Onde já mudou 

A Alemanha foi uma das primeiras nações a aprovar uma legislação contra a eliminação de pintinhos. O anúncio oficial ocorreu em janeiro de 2021 e, em 20 de maio do mesmo ano, o Parlamento alemão apresentou a lei elaborada pelo Ministério Federal de Alimentação e Agricultura, que passou a proibir o descarte de pintinhos a partir de 2022. Com a nova norma, a Alemanha se tornou o primeiro país a adotar tecnologias de sexagem in ovo, prevendo ainda uma segunda fase da lei que exige que a sexagem ocorra até o sexto dia de vida do embrião, conforme o consenso científico vigente à época.

Já a Suíça havia proibido a trituração de pintinhos em 2019. Na época, um representante da Associação Suíça de Produtores de Ovos declarou que a medida era bem-vinda, visto que a prática já era considerada obsoleta e os quatro maiores incubatórios do país haviam deixado de usá-la. No entanto, o uso de gás dióxido de carbono para descarte ainda é permitido no país.