Dezenas de vendedores ambulantes protestaram, na manhã desta quinta-feira (20 de fevereiro), contra a exclusividade de venda de algumas bebidas incluída no contrato firmado entre a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a gigante das bebidas Ambev para o patrocínio do Carnaval de 2025. Durante a manifestação, realizada na porta da sede do Executivo municipal, os trabalhadores denunciaram que a presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), Bárbara Menucci, trabalhava para a fabricante de bebidas brasileira. A Ambev pertence à Anheuser-Busch InBev, que é a maior fabricante de cervejas do mundo.
A atual presidente da Belotur, que é responsável pela organização da festa na capital mineira, assumiu a empresa em abril de 2024 — cerca de dois meses após o fim do Carnaval daquele ano. Antes, ela trabalhou no marketing da Ambev, entre fevereiro de 2020 e março de 2024, conforme o seu próprio perfil no Linked In.
"Acredito na 'tecnologia de gente', em movimentos criativos que acontecem de 'gente pra gente'. Sou especialista em Marketing e consultora em Estratégia Criativa e ESG (...) Em 2023, comiserei iniciativas do âmbito ESG na Ambev, como o Fundo Bora Cultura Preta, em parceria com a Pretahub. E participei da cocriação do Business Model (RE) Generation, um roadmap para acelerar a virada ESG de marcas e negócios", escreveu Bárbara na rede social.
Anunciado no dia 16 de janeiro deste ano, o contrato de patrocínio master da folia na capital mineira prevê um investimento de R$ 5,9 milhões. Segundo André Camelô, do Centro de Apoio ao Trabalho Ambulante (CATA), os trabalhadores foram surpreendidos com a notícia da exclusividade de algumas cervejas, uma vez que já tinham adquirido itens de outras marcas há cerca de três meses.
"Muitos já fizeram o investimento há mais 3 meses atrás, só para chegar na época do Carnaval e ter um dinheiro mais seguro, sem dívida, sem nada. E isso (exclusividade) só foi anunciado agora, faltando pouco tempo. Isso não pode acontecer, a cidade não é do prefeito e ela não pode ser de uma empresa. A cidade é nossa, o Carnaval é nosso", disse o ambulante.
Paula Cristina conta que trabalha há 13 anos como ambulante na folia e afirma que a forma como a Prefeitura está atuando é "criminosa". "Estão colocando fiscais para revistar a caixa atrás das bebidas de outras marcas. Isso é criminoso. Esse não deveria ser o trabalho do fiscal, que deveria sim verificar se os ambulantes são credenciados ou não. E hoje (quinta), estamos aqui desde 8h e até agora, meio-dia, ninguém do município nos recebeu para conversar", reclama.
A advogada popular responsável pela ação que contesta o contrato firmado pela PBH, Thais Ferreira Console, também critica a atuação do município. "A prefeitura, que deveria atender o interesse público, está se utilizando, inclusive, do poder de polícia para atender o interesse econômico de uma empresa dominante do mercado. Essa exclusividade é flagrantemente ilegal, uma infração à orgem econômica que compromete a venda e toda circulação de mercadoria dos ambulantes na cidade", diz.
Conforme a defensora, outro ponto que é contestado é o fato de que o edital de convocação para credenciamento dos ambulantes, não citava qualquer questão envolvendo a Ambev. "Eles (trabalhadores) também não fazem parte desse contrato da Belotur com a marca. Eles são credenciados para exercer atividade fora de evento exclusivo do Carnaval, e estão sofrendo retaliações e os danos dessa ação de monopólio", finaliza Thais.
Em dezembro, edital já previa exclusividade, diz PBH
A assessoria de imprensa da PBH informou, por nota, que o Edital de Patrocínio do Carnaval 2025, publicado em 18 de dezembro de 2024,já mencionava a exclusividade comercial em 10 vias da cidade para a marca que obtivesse a chancela "Apresenta".
"Vale reforçar que a exclusividade diz respeito apenas a cervejas, estando liberada a comercialização de qualquer marca das demais bebidas, sejam elas alcoólicas ou não, nas 10 vias. Os ambulantes que compraram cervejas de outras marcas terão a liberdade de vender os produtos que desejarem em quaisquer outros pontos do Carnaval, celebração que acontece em toda a cidade", continua o município.
Ainda segundo a PBH, a Ambev foi selecionada por meio de um chamamento público que respeitou todos os princípios constitucionais da Administração Pública, "especialmente os de Publicidade, Impessoalidade e Isonomia". "O procedimento permitiu a participação de empresas de diversos setores, não se limitando apenas ao ramo de cervejarias. No entanto, a única interessada na cota de Patrocínio Master, sob a chancela 'Apresenta', foi a Ambev", continua.
Por fim, a PBH informa que a presidente da Belotur, Bárbara Menucci, foi nomeada para o cargo no dia 22 de abril de 2024. "Cabe destacar que não é a primeira vez que a Ambev patrocina o Carnaval de Belo Horizonte. A empresa já esteve presente em edições anteriores, como em 2018, quando a Belotur contava com uma gestão diferente da atual na presidência", concluiu a PBH.
O que diz a Ambev
"A Ambev está presente há décadas nos carnavais ao redor do Brasil, viabilizando a festa em diversas cidades, como com o patrocínio ao Carnaval de Belo Horizonte. O investimento feito está indo para além do previsto no edital, como as ativações durante a folia, a estrutura para o credenciamento dos ambulantes e os kits para apoiá-los durante o trabalho. Vale destacar que o processo de licitação é público e aberto a todos os interessadas em patrocinar a festa, mas fomos a única a realizar uma proposta, reforçando nosso desejo de estarmos presentes no Carnaval mineiro, que tem crescido e ganhado cada vez mais relevância. Em relação à exclusividade, reforçamos que seguimos a política de exclusividade de vendas nos trajetos definidos pelas regras estabelecidas no edital".
Entenda a polêmica
No Carnaval de 2025, a Ambev retoma o patrocínio em Belo Horizonte — abandonado em 2023 e 2024 — e investe R$ 5,9 milhões na folia da capital. Parte do acordo da empresa com a prefeitura determina que, em alguns pontos da cidade, as únicas cervejas que poderão ser vendidas serão as da patrocinadora, como ocorreu em outros Carnavais.
A medida não inclui outras bebidas já populares ou que tentam a sorte na festa, como Xeque Mate, Lambe Lambe, Xá de Cana, Stone Light, Gingibre, Rubra e Veneta, que podem ser vendidas. Mas, segundo fabricantes mineiros, o anúncio da exclusividade tem causado confusão entre ambulantes e ameaçado as vendas.
A maior parte das cervejas populares pertence à Ambev — Brahma, Skol, Antarctica, Budweiser, Spaten, Stella Artois, Patagonia e Corona. A Heineken, portanto, fica de fora, assim como marcas artesanais. A Krug Bier, por exemplo, aposta no Carnaval para até dobrar a venda de suas versões enlatadas, segundo o dono, Herwig Gangl. “Esperávamos vender bem mais do que em outras épocas”, pontua.
O patrocínio da Ambev não impõe qualquer restrição à venda de drinks prontos, um mercado que aposta milhões de reais no Carnaval de BH. Mas, confusos sobre a medida, ambulantes têm ficado receosos em comprar latinhas dessa categoria, segundo fabricantes.
Confira os pontos de exclusividade das cervejas da Ambev no Carnaval de BH
- avenida Amazonas entre rua São Paulo e rua da Bahia;
- avenida Afonso Pena entre avenida Amazonas e avenida Álvares Cabral;
- avenida Brasil entre a avenida Afonso Pena e avenida Francisco Sales;
- avenida Getúlio Vargas entre rua Alagoas e rua Professor Moraes;
- rua Mármore entre rua Gabro e rua Tenente Durval;
- avenida dos Andradas entre rua Alphonsus de Guimarães e rua Pirite;
- avenida dos Andradas entre avenida do Contorno e rua dos Carijós;
- avenida Coronel Oscar Paschoal entre a avenida Antônio Abrahão Caram e avenida Presidente Carlos Luz;
- avenida dos Bandeirantes entre praça da Bandeira e rua Professor Mello Cançado;
- avenida Assis Chateaubriand entre rua Sapucaí e rua Silva Ortiz.
A prefeitura mobilizará 650 profissionais para fiscalizar o cumprimento das normas durante o Carnaval, inclusive a exclusividade de venda de cervejas da Ambev. Ambulantes flagrados com produtos irregulares poderão ter a credencial cassada imediatamente e ter produtos e equipamentos apreendidos.