No último dia 7 de setembro, a engenheira Laura Fernandes Costa, de 31 anos, moradora de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, realizaria o sonho de se casar. Em busca de um corpo "perfeito", ela procurou a clínica de um famoso médico de Belo Horizonte, com mais de 140 mil seguidores nas redes sociais, para a colocação de um balão gástrico. O objetivo era perder 8 kg até a cerimônia, que não aconteceu após ela morrer em decorrência de complicações do procedimento de emagrecimento. Após a necrópsia determinar que a morte aconteceu em decorrência de uma perfuração no estômago, ansiando por Justiça, a família de Laura agora espera a conclusão de um novo laudo solicitado pelo delegado do caso. 

A reportagem de O TEMPO teve acesso ao laudo da necrópsia, documento em que a Polícia Civil aponta que Laura passou pelo procedimento endoscópico no dia 26 de abril e, menos de uma semana depois, removeu o balão na mesma clínica onde ele foi colocado. 

Para além da "lesão gástrica suturada cirurgicamente", os exames do médico-legista apontaram para uma peritonite difusa — uma inflamação do revestimento do abdômen e dos órgãos abdominais —, e, também, para um choque séptico. "Considerando todos os elementos acima indicados, fica determinada parcialmente a causa médica da morte como sendo choque séptico com foco abdominal (peritonite difusa por perfuração gástrica) associado a broncopneumonia multifocal por aspiração", conclui o laudo da necrópsia. 

Novo laudo é aguardado

De acordo com a família de Laura, após a conclusão da necrópsia, o que teria ocorrido em julho deste ano, o delegado responsável pela investigação teria solicitado um novo laudo, que poderia apontar quando exatamente aconteceu a perfuração estomacal. 

Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que a investigação está em andamento e segue todos trâmites legais "com cumprimento de diligências necessárias para a elucidação dos fatos". 

"O inquérito policial foi remetido à Justiça e a PCMG aguarda o parecer para cumprir novas diligências, caso sejam necessárias, para a conclusão da investigação", conclui o texto da instituição policial.

"Estamos buscando Justiça", diz familiar

Ouvida nesta terça-feira (1º de outubro), uma parente de Laura que preferiu não ser identificada destacou que, passados quase cinco meses da morte, a família segue emocionalmente abalada e ansiosa "com o andamento da investigação". 

"A expectativa principal é que o novo laudo traga clareza sobre o que exatamente aconteceu durante o procedimento e o período pós-operatório. Ele (novo laudo) deve confirmar a negligência médica e ajudar a responsabilizar o médico e a equipe envolvida. Minha família está buscando Justiça, que os responsáveis sejam responsabilizados, e que situações como essa não se repitam", disse a mulher.

A família também relata a indignação por saber que, enquanto a investigação acontece, o médico continua trabalhando normalmente. "Isso é extremamente frustrante e revoltante para a família e amigos, especialmente quando há indícios claros de negligência", protestou. 

No relato da familiar, o noivo de Laura está em um estado de "luto imenso" e "desolação" após passar pela data que seria do casamento sem a presença da companheira. "Foi uma dor indescritível. O luto em situações como essa é difícil de processar, já que envolve não apenas a perda de uma pessoa amada, mas, também, de todo um futuro que foi planejado e agora não se concretizará", concluiu a parente. 

Na época da morte, a principal revolta da família era pelo fato do médico ter aceitado a colocação do balão em uma pessoa que não teria, segundo eles, a indicação para este tipo de procedimento. Antes do procedimento endoscópico Laura pesava 70 kg e tinha 1,63 metros, o que indica para um Índice de Massa Corporal (IMC) de aproximadamente 26,3. 

Entretanto, segundo a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed-MG), que inicialmente informou que a indicação do dispositivo seria para pessoas com IMC acima de 27, atualmente existe um consenso entre os profissionais no Brasil com a recomendação do dispositivo para pessoas com IMC acima de 25. Entretanto, o estudo usado para justificar o consenso condiciona o uso do dispositivo nesta faixa de IMC ao "ganho de peso progressivo" e ao fracasso em tratamentos clínicos para emagrecimento, o que, segundo a família, não seria o caso de Laura, que tentava perder peso pela primeira vez e exclusivamente para o casamento.

Após a divulgação da morte da engenheira, O TEMPO foi procurado por diversos outros pacientes que, assim com a família de Laura, denunciam a negligência do médico e da clínica, especialmente durante o período depois da colocação do balão gástrico, quando, normalmente, acontecem as complicações. 

O gastroenterologista responsável pela colocação do balão gástrico foi procurado por O TEMPO, mas, até a publicação da reportagem, ainda não tinha se manifestado.

Relembre o caso

Laura morreu no dia 7 de maio de 2024, aos 31 anos, após uma série de complicações decorrentes do procedimento de emagrecimento. Indignados após a partida precoce da mulher, a família de Laura registrou um Boletim de Ocorrência contra o gastroenterologista. Na época, o médico tinha 120 mil seguidores, quase 30 mil a menos do que tem agora, cinco meses após a morte. 

Na época, segundo uma cunhada da engenheira, desde a colocação do dispositivo a mulher passou a se sentir mal, mas só procurou a clínica três dias depois, após vomitar sangue. "Mesmo ela implorando para retirar o balão, o médico e sua equipe se recusaram, falando que era normal sentir dores, náuseas e ter vômitos", lembra a familiar. 

Procurado na ocasião pela reportagem e questionado sobre as denúncias da família acerca da morte de Laura, o gastroenterologista disse estar sendo ameaçado e alegou, por nota, que "todos os requisitos para o procedimento foram atendidos no caso", afirmando, inclusive, que o Termo de Consentimento assinado pela paciente e pelo acompanhante trazia todas os riscos existentes. 

Em seguida, a nota divulgada pelo médico diz que a colocação do balão ocorreu sem qualquer "intercorrência" e com agendamento de retorno para o dia seguinte, sendo que, conforme o profissional, a paciente não teria comparecido. "Após, a pedido da paciente, o balão intragástrico foi retirado, em 02/05/2024, também sem qualquer intercorrência. A paciente deveria retornar à Clínica no dia seguinte, 03/05/2024, conforme retorno agendado, mas não retornou", continua a nota do médico. 

Como funciona o balão gástrico

Ouvido por O TEMPO, o coordenador da comissão científica da Sobed-MG, Luiz Alberti, explica que o balão intragástrico é, literalmente, um balão que é introduzido no estômago do paciente e preenchido com uma substância, geralmente azul, para que, em caso de algum "vazamento" isso seja percebido pela pessoa.

"Esse balão vai ocupar um espaço e, com isso, vai reduzir o volume disponível no estômago. Essa presença vai provocar um retardamento no esvaziamento gástrico, dando aquela sensação de saciedade por mais tempo. Além disso, há a ação na parede do estômago, que vai estimular alguns neurotransmissores que também dão essa sensação de saciedade", explica. 

O médico detalha ainda que o procedimento é normalmente utilizado para pessoas com IMC muito alto, acima de 50. Devido ao risco maior dos procedimentos mais invasivos, como a redução de estômago, coloca-se o balão - que é temporário - para que estas pessoas percam algum peso antes da cirurgia, que é definitiva. Entretanto, o procedimento já é indicado para qualquer pessoa com IMC acima de 27, número que indica para o sobrepeso. 

"A perfuração gástrica é uma complicação muito rara, mas que pode acontecer nos primeiros dias, na primeira semana. O procedimento tem uma adaptação que é muito desconfortável. A pessoa sente dor, vontade de vomitar, náuseas. Ela não consegue se alimentar, tanto é que sempre há um esquema de remédios para vômito e para tirar cólicas", detalha Alberti. 

Porém, ainda segundo o médico da Sobed-MG, é importante falar sobre a importância desse procedimento, já que a obesidade é uma doença crônica e que leva a vários problemas de saúde que também causam a morte. "Todos os tratamentos para obesidade, quando bem indicados, são válidos. Dentre eles, o tratamento endoscópico é uma opção segura e que tem um resultado interessante. Mas, como todo procedimento invasivo, tem seus riscos", concluiu.