Depois da família da engenheira Laura Fernandes Costa, de 31 anos, denunciar o médico que realizou a implantação de um balão gástrico que acabou tirando a vida da moradora de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, dezenas de ex-pacientes do gastroenterologista procuraram O TEMPO, relatando que também tiveram problemas com o profissional, que atende em clínicas na região do Barreiro e, também, na Savassi, Centro-Sul da capital mineira.
Um destes ex-pacientes é um comunicador de 40 anos, que colocou um balão na clínica do profissional no final de 2022. Segundo ele, o tratamento dado após o procedimento seria "desumano". "Na hora de vender eles tratam a gente super bem, mas, depois que o balão já está dentro de você, não dá para ter acesso a eles de forma correta. Se você falar que está sentindo dores nos primeiros cinco dias, eles só falam que é normal, não pedem para voltar e avaliar para ver se, por exemplo, é um caso mais grave como o dessa moça que morreu. Tenho prints das respostas, parece que você está conversando com uma inteligência artificial. Perguntava sobre preparação, e respondiam com o valor. Tudo é dinheiro ali", denuncia o ex-paciente do médico.
Ainda conforme o homem, a clínica trata o procedimento de saúde como uma indústria. "É uma parada para ganhar grana, não tem um critério, não tem atendimento humanizado. Essa é uma reclamação de todo mundo que passou por lá. Depois de um ano, que era o prazo estipulado para eu retirar o balão, me avisaram que ele estava viajando e que teria que esperar mais um mês. Eu tive vários problemas de saúde, no fígado, nos rins, provavelmente por retenção de líquido. E nesse tempo não tive nenhum apoio deles (clínica)", lembra.
Também paciente do gastroenterologista denunciado pela morte de Laura, uma consultora de vendas de 38 anos, conta que chegou até o profissional por meio da internet. Na época, ela pretendia perder 12 kg e logo na primeira consulta com o médico acabou fechando pelo procedimento do balão gástrico. "Eles fazem de tudo para você fechar. Se você não tiver condição financeira, eles fazem boleto dividindo em não sei quantas vezes. Foi terrível, fiquei apenas três meses com o balão, pois passei muito mal", detalha.
Entretanto, segundo a mulher, o que mais assusta é a dimensão do local, que ela chamou de "máfia de dinheiro". "Não sei quanto está hoje, mas na minha época era R$ 12 mil. E eles fazem uma lavagem cerebral e você acaba colocando e retirando o balão lá, mas, se acontecer alguma coisa de errado, você morre, pois o atendimento depois é péssimo. Na Savassi, são várias salas onde um cara te dopa para colocar o balão", denuncia.
A reportagem de O TEMPO voltou a procurar o médico nesta segunda-feira (13 de maio) após as denúncias de novos pacientes. Ele informou que o seu advogado iria procurar, porém, até a publicação da matéria, nenhum posicionamento sobre as novas denúncias foi recebido.
Morte é investigada pela Polícia Civil
Após o registro de um boletim policial pelos familiares de Laura, a Polícia Civil informou que instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da morte da mulher de 31 anos. Entretanto, conforme a instituição, como a vítima estava hospitalizada na hora da morte, o corpo não chegou a ser encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML).
"A instituição irá realizar as oitivas de testemunhas e envolvidos, solicitar os prontuários médicos da paciente, bem como, realizar todas as diligências necessárias visando a completa elucidação do caso. Outras informações poderão ser repassadas com o avanço dos trabalhos de polícia judiciária", completou a Polícia Civil.
Relembre o caso
Ansiosa para se casar em setembro deste ano, a moradora de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, procurou um médico na capital mineira para colocação de um balão intragástrico - dispositivo de emagrecimento - para perder 8 kg até a cerimônia. Porém, no último dia 7 de maio, Laura morreu após ser constatada uma perfuração no estômago seguida de uma série de outras complicações.
Indignados após a partida precoce da mulher, a família de Laura registrou um Boletim de Ocorrência contra o gastroenterologista, que tem mais de 120 mil seguidores nas redes sociais e conta, inclusive, com publicidades feitas por uma famosa influencer de BH com mais de 4 milhões de seguidores.
Cunhada da engenheira, Ana Júlia Turchete Aranda, de 22 anos, conta que o procedimento foi realizado no último dia 26 de abril em uma clínica do profissional localizada na região do Barreiro, em BH. "Desde a colocação do balão ela estava se sentindo mal, mas, como avisaram que seria normal algum mal estar, ela só voltou na clínica três dias depois, após ela vomitar sangue. Mas, ainda assim, mesmo ela implorando para retirar o balão, o médico e sua equipe se recusaram, falando que era normal sentir dores, náuseas e ter vômitos", lembra a familiar.
Ainda conforme a família, a principal revolta é pelo fato do médico ter aceitado a colocação do balão em uma pessoa que não teria a indicação para este tipo de procedimento. Segundo eles, antes do procedimento endoscópico Laura pesava 70 kg e tinha 1,63 metros, o que indica para um Índice de Massa Corporal (IMC) de aproximadamente 26,3.
Segundo a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed-MG), que inicialmente informou que a indicação do dispositivo seria para pessoas com IMC acima de 27, a entidade informou que atualmente há um consenso entre os profissionais no Brasil com a recomendação do dispositivo para pessoas com IMC acima de 25.
O TEMPO teve acesso ao estudo com o consenso dos gastroenterologistas do país, porém, no documento a implantação do balão nesta faixa (considerado o início da faixa de IMC de "sobrepeso") está condicionada ao "ganho de peso progressivo" e ao fracasso em tratamentos clínicos para emagrecimento, o que, segundo a família, não seria o caso de Laura, que tentava perder peso pela primeira vez e exclusivamente para o casamento.
Entretanto, este não teria sido o único problema, já que, conforme os familiares, o médico também teria sido negligente no pós-operatório. "Quando ela estava mal, após sofrer um vazamento de fezes na cavidade abdominal e uma sepse, tentamos buscar informações com a clínica e não tivemos respostas. Só tivemos contato com uma pessoa que dizia ser enfermeira, pelo WhatsApp, e, mesmo assim, com horas de atraso e dizendo que o médico não poderia falar por estar em procedimento. Desde a morte da Laura, não conseguimos falar com ele. Deixamos vários recados e mensagens, fomos na clínica para buscar o prontuário e ainda assim não nos entregaram", denuncia Ana Júlia.
"A família está arrasada, o noivo devastado, a mãe sem chão. Toda a família e amigos estão muito tristes, pois a Laura era uma menina muito doce, sorridente, carinhosa. Gostava de ouvir, ajudar, e estava sempre por perto. A Laura era como um sol na vida das pessoas. Acompanhava o noivo nos jogos do Atlético, amava estar com a família reunida para tomar um bom vinho. Foi uma perda muito repentina", lamenta a cunhada da engenheira.
Médico se defende
Procurado pela reportagem e questionado sobre as denúncias da família acerca da morte de Laura, o gastroenterologista disse estar sendo ameaçado e alegou, por nota, que "todos os requisitos para o procedimento foram atendidos no caso", afirmando, inclusive, que o Termo de Consentimento assinado pela paciente e pelo acompanhante trazia todas os riscos existentes.
Em seguida, o texto diz que a colocação do balão ocorreu sem qualquer "intercorrência" e com agendamento de retorno para o dia seguinte, sendo que, conforme o profissional, a paciente não teria comparecido. "Após, a pedido da paciente, o balão intragástrico foi retirado, em 02/05/2024, também sem qualquer intercorrência. A paciente deveria retornar à Clínica no dia seguinte, 03/05/2024, conforme retorno agendado, mas não retornou", continua a nota do médico.
Ainda conforme o texto divulgado pelo gastroenterologista, cinco dias depois eles souberam que a jovem passou por uma cirurgia no Hospital de Nova Lima e, em seguida, foram informados de sua morte. "A Clínica e os seus profissionais estão à disposição da família ou autoridades para prestar todo esclarecimento e apresentar toda documentação necessária, a fim de comprovar a inexistência de erro médico, omissão de socorro ou qualquer ato que desabone a conduta ilibada da Clínica e do seu corpo médico", conclui.
O médico informou ainda que foi procurado pela família da paciente na sexta-feira e, após solicitar os prontuários médicos nas duas clínicas onde ela foi atendida, a família ficou de retornar na terça-feira (14) para buscar os documentos. A nota completa pode ser lida ao final da reportagem.
Como funciona o balão gástrico
Ouvido por O TEMPO, o coordenador da comissão científica da Sobed-MG, Luiz Alberti, explica que o balão intragástrico é, literalmente, um balão que é introduzido no estômago do paciente e preenchido com uma substância, geralmente azul, para que, em caso de algum "vazamento" isso seja percebido pela pessoa.
"Esse balão vai ocupar um espaço e, com isso, vai reduzir o volume disponível no estômago. Essa presença vai provocar um retardamento no esvaziamento gástrico, dando aquela sensação de saciedade por mais tempo. Além disso, há a ação na parede do estômago, que vai estimular alguns neurotransmissores que também dão essa sensação de saciedade", explica.
O médico detalha ainda que o procedimento é normalmente utilizado para pessoas com IMC muito alto, acima de 50. Devido ao risco maior dos procedimentos mais invasivos, como a redução de estômago, coloca-se o balão - que é temporário - para que estas pessoas percam algum peso antes da cirurgia, que é definitiva. Entretanto, o procedimento já é indicado para qualquer pessoa com IMC acima de 27, número que indica para o sobrepeso.
"A perfuração gástrica é uma complicação muito rara, mas que pode acontecer nos primeiros dias, na primeira semana. O procedimento tem uma adaptação que é muito desconfortável. A pessoa sente dor, vontade de vomitar, náuseas. Ela não consegue se alimentar, tanto é que sempre há um esquema de remédios para vômito e para tirar cólicas", detalha Alberti.
Porém, ainda segundo o médico da Sobed-MG, é importante falar sobre a importância desse procedimento, já que a obesidade é uma doença crônica e que leva a vários problemas de saúde que também causam a morte. "Todos os tratamentos para obesidade, quando bem indicados, são válidos. Dentre eles, o tratamento endoscópico é uma opção segura e que tem um resultado interessante. Mas, como todo procedimento invasivo, tem seus riscos.
Leia a nota do médico na íntegra:
"Primeiramente, a Clínica e os profissionais solidarizam-se com a dor da família.
Em relação aos fatos, cumpre esclarecer que o procedimento de colocação de balão intragástrico é indicado para pacientes com sobrepeso ou obesidade, conforme literatura médica, sendo que todos os requisitos para tal procedimento foram atendidos no caso em questão.
Houve a contratação da Clínica para realização do referido procedimento, realizado em 26/04/2024, por médico especialista em endoscopia e cirurgia há mais de 20 anos, sendo referência profissional na área.
Importante esclarecer, que no Termo de Consentimento assinado deste procedimento são descritos os possíveis riscos constantes da literatura médica como complicações, sendo que todas as orientações e esclarecimentos foram informados à paciente.
O procedimento ocorreu sem qualquer intercorrência, sendo a paciente liberada com acompanhante, sem sintomas, com agendamento de retorno para o dia seguinte, para fins de acompanhamento, mas sem comparecimento da paciente.
A paciente não atendeu aos chamados da Clínica para retorno.
Após, a pedido da paciente, o balão intragástrico foi retirado, em 02/05/2024, também sem qualquer intercorrência. A paciente deveria retornar à Clínica no dia seguinte, 03/05/2024, conforme retorno agendado, mas não retornou.
Ocorre que, apesar da insistência por comunicação, a paciente não retornou contato, tampouco compareceu na Clínica.
Após 05 dias, houve informação sobre o procedimento cirúrgico a qual a paciente foi submetida, junto ao Hospital de Nova Lima, e, mais tarde, no mesmo dia, houve informação sobre o falecimento da paciente.
Segundo consta, houve aspiração pulmonar na entubação oro traqueal (IOT).
A Clínica e os seus profissionais não obtiveram ciência do estado de saúde da paciente, apesar da insistência, pois não houve comunicação, e, infelizmente, não foi possível auxílio, apesar da disponibilidade da Clínica e seus profissionais.
Ocorre que pessoas estão manifestando inverdades em redes sociais, acusando a Clínica e seus profissionais do crime de omissão de socorro, bem como erro médico, o que inexiste no presente caso.
Existem pessoas que estão afirmando que a Clínica negou a retirada do balão, o que é inverdade, pois o mesmo foi retirado em 02/05/2024, sem intercorrência.
Toda conduta médica resta registrada no prontuário da paciente.
A Clínica e os seus profissionais estão à disposição da família ou autoridades para prestar todo esclarecimento e apresentar toda documentação necessária, a fim de comprovar a inexistência de erro médico, omissão de socorro ou qualquer ato que desabone a conduta ilibada da Clínica e do seu corpo médico."