O suposto esquema de fraudes de uma rede de drogarias em Belo Horizonte mirava pessoas em situação de vulnerabilidade. A informação foi repassada pela Polícia Civil de Minas Gerais, que investiga a prática desde o início do ano na rede Droga Clara. A rede nega qualquer irregularidade em suas atividades comerciais.

A primeira vítima de que a Polícia Civil de Minas Gerais tem registro é um homem de 80 anos, que foi a uma filial da rede comprar um medicamento comum. Chegando ao local, ele teria sido abordado por funcionários e convidado a fazer, de forma gratuita, aferição de pressão arterial e glicemia. Após os exames, conforme a PCMG, começou o golpe. 

"Após as medições, disseram que ele estava gravemente doente, prestes a sofrer um ataque cardíaco. Ele ficou assustado, pois não tem histórico de doenças do tipo. Ele é humilde, mora em Esmeraldas, na Grande BH. Disseram a ele que um suplemento da marca da própria drogaria seria a solução de todos os problemas", detalha a delegada Elyenni Celida, titular da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor. 

Em seguida, diz a PCMG, os funcionários da Droga Clara teriam dado ao idoso um "conjunto" de medicamentos com o suposto suplemento. O homem também foi induzido a passar dados como identidade e biometria facial, o que, conforme a Polícia Civil, o homem não entendeu. "Não falaram o valor do medicamento, só disseram a ele que iriam parcelar em quatro vezes e que seria um valor baixo. Eles também não deram a cópia do contrato", diz Elyenni.

Foi na volta para casa, já no ônibus, que o homem descobriu que havia sido vítima de um golpe, pois começou a receber mensagens por SMS que informavam que ele tinha uma dívida entre R$ 1.000 e R$ 1.200. Ao chegar em Esmeraldas, a vítima procurou a Câmara Municipal da cidade, que acionou o Procon Assembleia. O órgão, por sua vez, notificou a Polícia Civil de Minas gerais, que iniciou a investigação. 

Conforme a PCMG, a vulnerabilidade dos clientes era a isca para que os suspeitos praticassem o golpe. “Na maioria dos casos eram pessoas idosas, vulneráveis, sem instrução. Ouvimos algumas testemunhas que disseram que tinham baixa visão, ou que não sabiam ler ou assinar o próprio nome”, revela a delegada Elyenni Celida, que também conta que o método variava um pouco entre as vítimas, mas tinha sempre o objetivo da venda do suplemento.  

“Eles sempre criavam alguma história, dependendo do perfil da vítima. Em alguns casos diziam que se o cliente comprasse mais frascos, o valor seria menor e teria desconto. Para cada cliente, era uma história diferente, mas sempre com o objetivo da venda desse suplemento, e em algumas vezes com a criação desse cartão de crédito, que os clientes nem sabiam que estavam aderindo ao assinar aqueles papéis”, detalha. 

Na última segunda-feira (15), quatro unidades da rede que ficam no centro de Belo Horizonte foram alvos de mandados de busca e apreensão. Uma residência dos proprietários também foi alvo de diligências. Foram apreendidos eletrônicos, computadores e celulares. A PCMG também recolheu algumas unidades do suplemento que estaria sendo vendido no esquema. 

A princípio, a Polícia Civil de Minas Gerais identificou os crimes de constrangimento ilegal – por meio de xingamentos e ameaça de inclusão do nome dos clientes no SPC e Serasa, exercício irregular da medicina (já que o suplemento era vendido sem prescrição médica), estelionato e desrespeito ao código do consumidor.  

“Precisamos terminar o inquérito, individualizar condutas e encaminhar ao Ministério Público. A PCMG trabalha com a questão criminal, portanto só podemos indiciar criminalmente pessoas. Para sanções contra a empresa, há outros órgãos, como a Prefeitura e o Procon”, afirma Elyenni Celida.

Desde 2022 

A investigação da Polícia Civil de Minas Gerais ainda busca se aprofundar mais no esquema, mas pelos boletins de ocorrência já registrados por vítimas, a instituição afirma que ao menos 40 pessoas teriam sido vítimas do golpe, com prejuízo mínimo de R$ 40 mil. Segundo a PCMG, ao menos sete lojas da Droga Clara na capital mineira já tiveram funcionários identificados como participantes da prática, que estaria ocorrendo pelo menos desde 2022. 

Porém, o fato de a rede ter cerca de 30 lojas na Grande BH faz a instituição acreditar que podem haver mais vítimas. "Podem ser milhares de pessoas lesadas, já que são muitas lojas. Quem se sentir lesado pode procurar o Procon-MG para pedir ressarcimento e pode também ajuizar ação no Juizado Especial Cível para cobrar por danos morais", diz a delegada Elyenni.

O que diz a Droga Clara

Questionada pela reportagem, a Droga Clara disse que suas atividades são regulares e mantêm o "mais absoluto respeito aos clientes", e que repudia qualquer prática comercial que atente contra os princípios do Código de Defesa do Consumidor.

"A empresa segue prestando serviços com absoluta qualidade e colaborando com as autoridades de forma irrestrita, a fim de esclarecer quaisquer fatos de interesse das investigações", afirma a empresa, em nota enviada a O TEMPO. Confira abaixo o posicionamento da Droga Clara na íntegra:

"A Droga Clara reafirma a regularidade de suas atividades e o seu mais absoluto respeito aos clientes, repudiando qualquer prática comercial que possa atentar contra os princípios do Código de Defesa do Consumidor.

A empresa segue prestando serviços com absoluta qualidade e colaborando com as autoridades de forma irrestrita, a fim de esclarecer quaisquer fatos de interesse das investigações".