O déficit de recursos para a operação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Pré-Hospitalar (Samu 192) em Minas Gerais é um problema que, apesar de colocar em risco o serviço de salvamento de vidas, com ameaça de greve instalada para 800 municípios do estado, ainda não tem solução. Atualmente, o governo federal repassa R$ 170 milhões para que o estado administre o atendimento de urgência, mas os consórcios denunciam que esse valor é insuficiente — faltariam R$ 28 milhões para cobrir os gastos atuais, conforme a norma que prevê que a União arque com 50% do custeio. Em entrevista exclusiva a O TEMPO, o secretário-adjunto da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Nilton Pereira, admitiu que o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é limitado. Ao não prever aumento nos repasses ao estado nos próximos meses, ele defende que cabe ao governo local “fazer uma melhor gestão com os menores custos possíveis”. Nos últimos anos, a administração estadual afirma estar destinando valores acima do pactuado, o que cobriria parte do rombo.

O governo de Minas Gerais informou que o custeio total do serviço do Samu 192 no estado é de mais de R$ 396 milhões anuais, divididos conforme as demandas de cada um dos dez consórcios. Esse valor é utilizado para a compra de insumos e equipamentos, manutenção das ambulâncias e pagamento dos salários dos socorristas, entre outros gastos. O custeio do Samu é tripartite, ou seja, compartilhado entre União, estado e municípios. A Portaria nº 1.010/2012 estabelece que o Ministério da Saúde é responsável por 50% da verba; o estado, por no mínimo 25%; e os municípios, por no máximo 25%. Ou seja, caberia ao MS cobrir ao menos R$ 198 milhões por ano, mas o repasse, reajustado pela última vez em 2023, está R$ 28 milhões abaixo desse valor. “Todos os fornecedores — de medicamento, de uniforme, combustível, manutenção mecânica das ambulâncias — reajustam os custos todos os anos. As contas estão chegando. Alguns consórcios estão em situação muito difícil”, denuncia o secretário do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Macrorregião do Sul de Minas (Cissul), Filipe Batista.

Na avaliação do secretário-adjunto da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Nilton Pereira, a norma dos repasses tripartites ao Samu 192 serve como referência de custeio para todo o país. No entanto, ele ressalta que pode apresentar variações conforme as especificidades de cada estado. Segundo os dados informados pelo governo estadual, o MS está assumindo 43% dos custos anuais do Samu mineiro. “O custo de cada serviço do Samu no Brasil varia de acordo com o município, o estado e a forma de contratação. Não há custo fixo, porque os valores dos insumos, do combustível, do seguro da ambulância, por exemplo, são variáveis. Essa portaria é uma referência. Por isso, não é correto afirmar que o Ministério não está repassando, ou que ele está repassando abaixo, porque não existe custo real”, afirma. Em todo o Brasil, não há essa queixa [de déficit generalizado], porque alguns estados recebem pouco mais de 50%, outros, pouco menos. Mas não há relato de atrasos nos pagamentos”, acrescenta. 

Pereira argumenta que a União não transfere recursos diretamente aos consórcios que operam o Samu 192 em Minas, e sim ao governo estadual. Segundo ele, o Samu mineiro recebe, além dos repasses federais pela habilitação dos serviços — hoje em R$ 170 milhões anuais —, também verbas do Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade (Teto MAC), destinadas ao custeio de serviços como o Samu, prontos-socorros e leitos de UTI. “Eu não tenho acesso aos custos de cada consórcio. Isso não é atribuição do governo federal. O que estamos fazendo é ampliar o teto da média e alta complexidade e a habilitação do Samu, para que o governo estadual ou os municípios façam a melhor gestão desses recursos, nos menores custos possíveis. Então, (eles precisam) comprar da melhor forma para que se barateiem os insumos, o combustível e garantam remuneração adequada aos profissionais, sem extrapolar o teto”, continuou. 

IMBRÓGLIO. A defasagem tem sido amenizada com um aporte maior por parte do governo de Minas, que se apoia na portaria para afirmar que, atualmente, “repassa, no mínimo, 50% dos custos informados pelos consórcios, superando o percentual mínimo estabelecido (25%)”. De acordo com Filipe Batista, secretário do Cissul — consórcio que atende 153 cidades do Sul de Minas e alcança cerca de 2,6 milhões de pessoas —, houve um acordo com o estado para compensar a falta de reajuste nacional, que se estendeu de 2013 a 2023.

“O último reajuste do repasse federal havia sido em 2012. Em 2021, o secretário de saúde do estado reajustou o valor em Minas, com o objetivo de compensar o que a União não estava pagando. Então, em 2023, o Ministério da Saúde fez um reajuste para o país inteiro. Mesmo assim, ainda falta. O estado já está arcando com mais de 50%, não tem como sobrecarregá-lo ainda mais. Os municípios, também não. Por isso, achamos que o governo federal precisa fazer mais”, avalia.

De fato, os serviços móveis de urgência habilitados pelo Ministério da Saúde ficaram dez anos sem reajuste nos repasses, de 2013 a 2023. O secretário-adjunto Nilton Pereira atribui essa defasagem às gestões anteriores.  Para se ter uma ideia, a variação do IPCA nesse período foi de 80,67%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, um produto que custava R$ 100 em 2013 passou a custar R$ 180,67 uma década depois. Uma correção que ainda exige jogo de cintura dos gestores e operadores do serviço.

“Agora, não se justifica discutir percentuais [de repasse de verba]. Existe uma realidade que precisa ser enfrentada com urgência. O movimento pela paralisação do Samu tem ganhado força. Além dos condutores, profissionais da enfermagem, da regulação e até do setor administrativo estão aderindo. É fundamental que o Ministério da Saúde e o governo de Minas apresentem respostas às nossas demandas”, cobra a diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG), Núbia Dias.

Apesar disso, ainda não há previsão para uma nova ampliação dos recursos destinados aos serviços habilitados do Samu, mesmo com a pressão da categoria no estado. “Temos limitações orçamentárias, como toda política pública. Há, sim, uma projeção de expansão do Teto MAC, da rede de urgência, dentro do orçamento deste ano. E, conforme a disponibilidade orçamentária, vamos ampliando a rede do Samu com a compra de ambulâncias e a habilitação de novos serviços. Não há uma data ou valor já pactuado e garantido para esse reajuste”, afirmou o secretário-adjunto do MS, Nilton Pereira.

Renovar frota de ambulâncias defasada é estratégia para desafogar custos 

Sem previsão de aumento no repasse, o Ministério da Saúde (MS) aposta na redução dos custos operacionais do Samu 192 por meio da renovação de 100% da frota de ambulâncias em Minas Gerais e em todo o país, que hoje está defasada. Segundo o secretário Nilton Pereira, a medida deve aliviar os gastos com manutenção e consertos dos veículos de urgência. “Houve uma reclamação dos estados e municípios, com razão. O governo federal é responsável por trocar as ambulâncias do Samu a cada cinco anos. De 2016 a 2022, o Ministério da Saúde reduziu drasticamente a compra de novos veículos, o que fez o custo da manutenção disparar. Os consórcios estão sentindo o impacto de oito anos sem renovação da frota”, afirmou.

Conforme dados do Ministério da Saúde, entre 2018 e 2022 o governo federal adquiriu 460 ambulâncias para o Samu 192 em todo o país. De 2023 até hoje, esse número saltou para mais de 2.400 ambulâncias, em um investimento de cerca de R$ 800 milhões. Somente em Minas Gerais, foram entregues 394 novos veículos nos últimos dois anos — todos doados ao Estado. “Já renovamos mais de 70% da frota de ambulâncias no Brasil. Isso significa que, além de ampliar o alcance do Samu, estamos substituindo veículos com 10 anos de uso, que geravam altos custos com oficina mecânica, seguro e troca de peças. O custo de manutenção caiu”, disse o secretário Nilton Pereira.

Mini-entrevista com o secretário-adjunto da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Nilton Pereira

  • Como funciona a habilitação de um serviço do SUS pelo Ministério da Saúde, dentro do pacto de gestão tripartite (União, Estado e município)?

O SUS conta com a Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Essa comissão é formada por representantes do governo estadual e dos municípios e se reúne todo mês. Resumidamente, se o município solicita um serviço de UTI, um pronto-socorro, uma UPA ou uma ambulância do Samu, ele pede a habilitação desse serviço à CIB. A comissão faz uma avaliação técnica e encaminha essa demanda para o Ministério da Saúde. Nós, então, fazemos outra avaliação técnica e, depois, orçamentária. Isso viabiliza o financiamento federal dos serviços pelo SUS.

  • E no caso do Samu, quais as habilitações do serviço são feitas pelo Ministério da Saúde?

O Samu tem três tipos de modalidades básicas. A central de regulação — onde ficam, por exemplo, médicos e enfermeiros, em plantão 24 horas, e é feito o atendimento da ligação e avaliação do caso — requer um valor de habilitação específico, que usamos de referência para fazer o repasse. A unidade de suporte avançado, que é a UTI móvel, também tem um valor de referência e é um custo maior, também incluindo médico e enfermeiro 24 horas. E a unidade de suporte básico, que é a ambulância mais básica do Samu. Além disso, motolância, helicóptero e outros veículos, cada um dentro da tabela de valores. Em Minas, há uma parceria com a Polícia Militar (PM) para usar o helicóptero da corporação para o Samu. Nós pagamos a habilitação, e o custeio da aeronave é dividido entre as forças de segurança e o Samu.

  • Além da renovação da frota das ambulâncias, há inovação recente no serviço do Samu?

Nós estamos trazendo novas tecnologias para dentro do Samu. Um exemplo: a pessoa que sofre um infarto precisa desobstruir as artérias coronárias, e esse é um procedimento que acontece dentro do hospital. Nós já estamos fazendo esse procedimento dentro das ambulâncias do Samu. Já existem estados que estão fazendo a trombólise [tratamento para infarto, AVC], que é um procedimento complexo, caro, hospitalar, e que o Ministério da Saúde está pagando integralmente o custo dessa medicação para dentro das ambulâncias de UTI móvel do Samu.

  • O orçamento para o Samu 192, hoje, é suficiente?

Nunca é suficiente o custo com o Sistema Único de Saúde, devido à super demanda que o SUS tem em todas as áreas, o que não é diferente na urgência e emergência. A população envelhece e tem mais problemas de saúde que precisam do atendimento de urgência e emergência. O orçamento do SUS não aumenta na velocidade do número de acidentes automobilísticos que ocorrem no Brasil. Então, não há dúvida de que o SUS precisa de mais recursos: recursos federais, recursos estaduais e recursos municipais. Mas o recurso que há hoje disponível para o Samu — que poderia ser melhor, como qualquer política pública — é satisfatório, e ele vem melhorando gradativamente. Sim, ele é satisfatório para que os estados e municípios possam ofertar à população brasileira um serviço de qualidade.

Divisão da frota do Samu 192 em Minas Gerais, por região: (2025)

Unidades de Suporte Básico: Centro (47), Centro Sul (18), Extremo Sul (11), Jequitinhonha (10), Leste (8), Leste do Sul (19), Nordeste (21), Noroeste (23), Norte (47), Oeste (24), Sudeste (31), Sudoeste (13), Sul (12), Triângulo do Norte (18), Triângulo do Sul (3) e Vale do Aço (7). 

Unidades de Suporte Avançado: Centro (12), Centro Sul (5), Extremo Sul (4), Jequitinhonha (3), Leste (1), Leste do Sul (4), Nordeste (4), Noroeste (7), Norte (12), Oeste (9), Sudeste (8), Sudoeste (3), Sul (3), Triângulo do Norte (5), Triângulo do Sul (1) e Vale do Aço (1).

Centrais de Regulação de Urgência divididas por macrorregiões: Centro (5), Centro Sul (1), Extremo Sul (1), Leste (1), Nordeste (1), Noroeste (1), Norte (1), Oeste (1), Sudeste (1), Sul (1), Triângulo do Norte (1), Triângulo do Sul (1) e Vale do Aço (1).

Fonte: Ministério da Saúde