Junio Romualdo Martins, o Tiocapone, tem 41 anos, é músico e ativista social. Ele nasceu em Rio Casca, na Zona da Mata mineira, e, em busca de melhores condições de vida, se mudou ainda pequeno com a família para Belo Horizonte. Mais especificamente, para a Vila Apolônia, na região de Venda Nova, onde viveu momentos difíceis: passou fome, foi aviãozinho do tráfico de drogas, perdeu um irmão assassinado e foi abusado sexualmente.

Mas, apesar de tantos desafios que a vida lhe impôs, Tiocapone guarda na memória e leva como estímulo um momento de alegria que viveu em uma véspera de Natal: “Eu tinha 9 anos e rolou uma ação de doação na favela onde eu morava. Recebi um carrinho de plástico e sem as rodas, mas que estava embalado em papel de presente. Me senti querido”, conta o ativista, hoje à frente do Instituto SôUai, que, além de solidariedade, busca o desenvolvimento de pessoas.

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O SôUai atende mensalmente cerca de 90 famílias em BH – número que sobe para aproximadamente 300 no Natal –, doando alimentos e brinquedos em datas especiais e oferecendo cursos. “Hoje, cada vez que ajudo alguém, sinto que estou espalhando aquele mesmo carinho que recebi”, conta Tiocapone, emocionado, a O TEMPO.

Aquele gesto simples, vindo de pessoas que eu nem conhecia, me mostrou o poder da empatia e da solidariedade; me senti querido. Essa experiência me fez perceber que pequenas ações podem ter um grande impacto na vida de alguém.”
Junio Martins, fundador do SôUai

O sentimento do ativista, que se transformou em solidariedade, é comum a milhares de pessoas e ganha ainda mais força na época do Natal. E são muitas as ações espalhadas pelo Brasil de pessoas que buscam retribuir o que receberam entregando a outras pessoas gratidão, atitude que, para a psicóloga e pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Maria Simões dos Reis, pode mudar a realidade de crianças e jovens em vulnerabilidade.

“Ao serem incluídas em ações solidárias, essas crianças passam a vivenciar sentimentos de pertencimento e valorização, o que aumenta sua autoestima e pode, sim, ajudar na construção de esperança”, afirma Maria. A especialista explica que essas emoções, muitas vezes, se refletem no adulto que aquela criança se tornará. “Crianças que recebem ajuda e vivenciam atos de solidariedade tendem a internalizar esses valores e replicá-los na vida adulta, sendo mais empáticas e comprometidas com o bem-estar coletivo”, ressalta.

Sem parar. Antropólogo do Centro Universitário Una, Wander Moreira da Costa completa que, apesar de a solidariedade ficar mais aflorada na época do Natal, ela pode ser praticada no ano todo. “Ser solidário não é dar esmola. Ser solidário é se colocar no lugar do outro e ajudá-lo, para que ele se coloque bem na sociedade, com todos os direitos e deveres. É muito importante criar dentro de nós o espírito permanente de solidariedade. Abrir os olhos para situações que nos cercam e questionar como podemos ajudar, como podemos ser úteis. Isso vai fazer bem para nós mesmos”, afirma o professor. 

‘É uma forma de retribuir à comunidade’

Nascidas e criadas no aglomerado da Serra – maior favela de Minas Gerais –, que fica na região Centro-Sul de BH, as amigas Simone Silva, de 44 anos, Sandra Sawilza, de 43, e Sheyla Bacelar, de 36, se uniram em 2018 para criar a Coletiva Mulheres da Quebrada. O grupo realiza ações educativas e assistenciais para 300 moradoras locais durante todo o ano, com atividades sobre violência doméstica, atendimento psicológico, rodas de conversa, além de entrega de alimentos, absorventes e brinquedos, que aumenta no período próximo ao Natal.

Simone, Sandra e Sheyla ajudam mulheres do aglomerado da Serra, em BH. Crédito: Aline Carolina de Oliveira/divulgação

“Todas nós, fundadoras, recebemos ajuda na infância no aglomerado, com alimentos, roupas, brinquedos e também bolsas de estudos, que foram muito importantes para nós. Hoje, conseguimos ajudar porque um dia fomos ajudadas. É uma forma de retribuir à comunidade”, afirma Simone, que é produtora cultural. Sandra é administradora, e Sheyla, educadora. Ela conta que a Coletiva sobrevive de doações e, neste Natal, a meta é arrecadar frango e caixas de bombom para as famílias carentes. “A gente ouve muitos relatos de não ter algo diferente para comer no Natal”, conta Simone. Até 18 de dezembro, o grupo havia arrecadado apenas 19% do necessário.

Bom para todos. Segundo a psicóloga e pesquisadora da Universidade de Brasília Maria Simões dos Reis, estudos mostram que atos altruístas favorecem não apenas quem recebe a ação, mas também quem entrega. “Há benefícios para quem doa, promovendo bem-estar e senso de propósito; então todos saem ganhando”, destaca Maria.

“Sinto uma felicidade extrema”

Há duas semanas, Patrícia Prudencini, de 45 anos, arrecadou brinquedos e lanches e distribuiu para 48 crianças no aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de BH. A iniciativa é comum na vida da monitora escolar, que um dia também foi ajudada por dona Nadir, hoje falecida, mas de quem ela se lembra com carinho.

Patrícia arrecadou brinquedos e lanches para entregar a crianças. Crédito: Patrícia Prudencini/arquivo pessoal

Segundo Patrícia, quando ficou grávida da primeira das quatro filhas, a família vivia um momento financeiro ruim. E foi Nadir, que distribuía cestas básicas em uma igreja católica no Cafezal, uma das oito vilas do aglomerado, quem ajudou o trio por um ano. Atualmente, o marido é porteiro e todas as filhas estudam ou já se formaram.

“As coisas eram muito difíceis, o dinheiro era pouco. O tempo passou, e dentro de mim surgiu essa necessidade de ajudar como fui ajudada”, conta a monitora escolar. “Sinto uma felicidade extrema em saber que posso ajudar alguém”, destaca.