O nó provocado no trânsito do Hipercentro de Belo Horizonte na manhã desta quarta-feira (5 de junho) surpreendeu até o comerciante Lee Disney Pena Mansur, de 69 anos, que, como morador do bairro Funcionários, na região Centro-Sul da capital, está mais do que habituado aos congestionamentos. "Mas hoje foi demais", ressalta.
O tráfego já pesado do horário de pico ficou ainda pior devido a defeitos em semáforos no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Getúlio Vargas, entre os bairros Savassi e Funcionários. Além de tumultuar o trânsito no local, o problema refletiu em bairros do entorno e evidenciou a dificuldade dos motoristas em encontrar alternativas para fugir dos engarrafamentos em BH.
"Na Savassi, o sistema viário é o mesmo desde o Aarão Reis, quando automóvel nem existia", destaca o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade, citando o engenheiro e urbanista responsável pela construção da capital mineira, na década de 1890.
"Quando há uma malha viária densa com vários cruzamentos importantes e ocorre um problema em um deles, isso se espalha. Às vezes, você resolve o problema, mas o reflexo fica por muito tempo, porque já chegou longe", explica Andrade.
Uma solução óbvia é se desviar dos pontos de lentidão. O problema é que, em horários de pico, isso se torna praticamente impossível. "Hoje em dia, com esses aplicativos que mostram rotas, é fácil descobrir caminhos alternativos. Só que eles aparecem para você e para todo o restante da cidade. Esses caminhos também acabam congestionados por esse volume de veículos maior do que eles suportam."
Dentre os motoristas que não conseguiram fugir do trânsito caótico desta quarta-feira está o comerciante Johnson Campos Machado, de 60 anos. "Cheguei atrasado ao dentista do meu filho. Estava marcado para as 7h15 e cheguei às 7h40. Só consegui manter a consulta porque avisei que estava agarrado no trânsito".
Johnson Machado quase perdeu compromisso importante devido ao trânsito ruim no bairro Funcionários. Foto:Bruno Daniel/O Tempo
Apesar de acentuado pelo defeito nos semáforos, o problema no trânsito da região é uma tônica. Lee Disney, o morador do Funcionários que se espantou com o congestionamento desta quarta-feira, não teve a sorte de Johnson e, no mês passado, perdeu uma consulta médica devido a um engarrafamento.
"Saí de casa às 7h30, porque minha consulta (na mesma região da cidade onde ele mora) era às 8h30, mas cheguei às 9h30 e, como era por ordem de chegada, não fui atendido", afirma. Segundo Lee, qualquer anormalidade na região atrapalha o tráfego. "Sempre que acontece algo e falta assistência rápida dá esse trânsito caótico, mas hoje foi demais."
Lee Disney perdeu consulta médica por causa de um congestionamento. Foto: Bruno Daniel/O Tempo
Impacto na economia
Além de testar a paciência de motoristas e passageiros, o embaraço no trânsito impacta negativamente a economia do município, segundo o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcos Innecco Correa. "Isso afeta o PIB da cidade. Toda vez que negócios deixam de acontecer ou são prejudicados por algum motivo, como a mobilidade, a cidade deixa de arrecadar."
Correa destaca, ainda, que o problema pode espantar clientes e atrapalha a logística do comércio. "Há, por exemplo, o atraso de funcionários para chegar às empresas e a desistência de possíveis consumidores quando se deparam com engarrafamentos. Isso funciona como um desincentivador do consumo. O cliente pode desviar e deixar de fazer a compra que estava interessado", afirma.
"Há, também, a dificuldade de abastecimento das empresas, pois existem horários determinados para a entrada de caminhões em certos pontos da cidade e isso pode afetar ou comprometer a entrega de mercadorias", completa.
Soluções
Segundo o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade, há medidas a serem tomadas a curto e a longo prazo para melhorar a fluidez do trânsito. "Há soluções de engenharia de tráfego, normalmente de baixo custo e de ação mais imediata, mas com fôlego curto, resolvendo o problema apenas por determinado período", explica.
"Quando há problemas recorrentes, é preciso fazer um estudo amplo de tráfego que pode, eventualmente, fazer mudanças de mão, fechamentos de rua ou recirculações. A cidade fez algumas mudanças dessas ao longo do tempo", lembra o especialista.
Ele aponta, também, soluções que demandam maior planejamento. "Precisamos de ações estruturais com, eventualmente, caminhos alternativos, investimento em transporte público de qualidade e criação de novos centros regionais, para que as pessoas não precisem de grandes deslocamentos no dia a dia e os bairros fiquem autossuficientes em várias atividades."
Para Andrade, é preciso colocar em prática ações que mudem o perfil da cidade, repensando a valorização do pedestre e do ciclista, por exemplo. "Para que não se resolva tudo de automóvel, porque não há vias para todos eles e você não vai desapropriar a cidade toda para construir uma via ou colocar um viaduto no meio da área central. Isso já não faz mais sentido hoje. É algo complexo de resolver. É necessário solucionar os problemas do dia a dia, mas também apontar na direção de uma mudança estrutural."