Morador do Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, pai de uma menininha que completou 1 aninho no último fim de semana e muito, mas muito trabalhador. A rotina como entregador começa às 7h20 e se estende até 00h, todos os dias, para garantir o sustento de sua família. Esse é Jocimar Lucas Santana Martins, de 24 anos, o motoboy que, na tarde da última quarta-feira (14 de agosto), acabou agredido e chamado de lixo por um advogado, no bairro Santa Inês, na região Leste da capital mineira.
Em entrevista por telefone nesta quinta-feira (15), o trabalhador — que tem o costume de tratar todos com quem conversa, incluindo o repórter, como "chefe" —, contou que tirou carteira de moto e atua nas ruas da capital há cerca de três anos, trabalhando fixo para pizzarias, restaurantes e outros comércios. Nesse período, nunca tinha passado por nenhuma situação parecida.
"Eu saio de casa às 7h20 e volto só meia-noite, e preciso passar por isso? Eu só não fiz nada, não reagi, por causa da minha filha. Ela acabou de fazer 1 aninho, no sábado. Eu pensei muito antes de fazer alguma coisa por causa dela", diz. Ele conta que, após o carro bater em sua moto, não brigou, mas apenas questionou se o motorista "não tinha retrovisor". "Eu falei: 'moto, carro, caminhão, tudo tem retrovisor, chefe!", lembra o trabalhador.
Perguntado sobre como se sentiu naquele momento, o entregador afirma que se sentiu impotente. "Ele estava falando o tempo todo que o carro dele custa R$ 1 milhão. Senti impotência, meio sem chão, sabe? Roubaram a minha moto, que eu financiei, o seguro pagou e estou com essa há cinco meses só. E ver o cara falando que minha moto é um lixo. Isso é revoltante chefe", continua.
Após ser derrubada pelo advogado, a moto ficou com o guidão e a "canela" empenados, mas, até agora, ele não conseguiu levar em nenhum local para fazer os reparos. "Minha esposa chorou muito quando contei, eu sou estressado, mas, às vezes, a gente tem que usar a inteligência ao invés da força física, entendeu, chefe?", pergunta Martins.
O motociclista admite que errou por ter parado em frente à garagem, mas que, de toda forma, não poderia ter ocorrido da forma como aconteceu. "Ele derrubou a moto, me bateu, me xingou na frente de todo mundo. Tinhas umas 50 pessoas lá, muita gente mesmo. Eu vou procurar meus direitos, ele não vai sair dessa não", finalizou.
A reportagem de O TEMPO também tentou contato por telefone com o advogado, mas, até a publicação da reportagem, ele não tinha se posicionado.
Veja o vídeo das agressões:
“Você é um lixo, meu carro custa R$ 1 milhão”. A frase foi dita por um morador do bairro Santa Inês, na região Leste de Belo Horizonte, instantes após ele bater com seu Porsche na motocicleta de um entregador de aplicativos e, em seguida, agredir o trabalhador, na tarde da última… pic.twitter.com/TFOew5RAbJ
— O Tempo (@otempo) August 15, 2024
Testemunha diz que este não seria primeiro "problema" com advogado
Ouvida pela reportagem de O TEMPO nesta quinta-feira (15), uma testemunha da ocorrência, de 41 anos, contou que, após o registro do boletim na PM, foi possível ver que esta não seria a primeira vez que o advogado se envolveu em "confusões" no trânsito.
"Ele já tinha outras ocorrências da mesma coisa, de encostar o carro, arrancar saindo dos lugares de qualquer jeito. Aí eu falei com o motociclista para fazer o registro pois teve o prejuízo da moto e também o emocional, né? Apanhar daquele jeito, um trabalhador sendo julgado como lixo? Eu fiquei indignada", disse a mulher.
Entenda o caso
Durante a briga, ele teria chegado a falar: "você é um lixo, sua moto é um lixo! Meu carro custa R$ 1 milhão". O acidente de trânsito, que pode ter sido seguido pelos crimes de agressão e dano, aconteceu por volta das 14h na rua Carmésia, em frente à casa do suspeito. O motociclista, de 24 anos, tinha acabado de estacionar o veículo e foi até a porta da cliente. Logo em seguida, o motorista saiu da garagem de ré.
Conforme a Polícia Militar (PM), a vítima relatou que, depois de descer do carro já exaltado, o motorista derrubou a sua moto no momento em que ele se aproximou para ver as condições dos veículos após a batida. Em seguida, o dono do carro de luxo passou a arrastar a moto, além de golpeou o trabalhado com socos e chutes
As agressões só pararam depois de moradores do bairro avisarem que estavam filmando tudo, porém, em seguida, ele tomou o celular do entregador para que ele não chamasse a polícia. A ocorrência foi encerrada na 3ª Delegacia de Polícia Civil Leste, que ficará responsável pela investigação dos crimes.
Leia posicionamento do motorista
Em primeiro lugar, em respeito à sociedade e ao motociclista entregador, peço desculpas pelo ocorrido. Apesar da distorção dos fatos noticiados, lamento o episódio e esclareço que houve excesso de ambas as partes. Os eventuais prejuízos do motociclista entregador serão devidamente ressarcidos e quaisquer outras informações serão prestadas diretamente às autoridades competentes.