Eram por volta das 15h de domingo, 14 de julho deste ano. Com a tranquilidade de um morador, dois jovens entram em um prédio de luxo do bairro Belvedere, um dos mais ricos de Belo Horizonte, invadem um apartamento e fazem uma “limpa”. Eles furtam dinheiro e joias avaliadas em R$ 200 mil. Tudo foi registrado pelas câmeras de vigilância do imóvel, que revelaram mais uma ousada ação de uma quadrilha que a Polícia Civil de Minas Gerais aponta ser especializada no crime.
O grupo vem causando prejuízo milionário há oito anos e tem tirado o sono de autoridades policiais em vários Estados do país pelo modo de agir: o “Bonde dos Menores”, como é conhecida a organização, sempre coloca adolescentes na linha de frente para evitar prisões com penas maiores.
O furto ocorrido em Belo Horizonte é só um dos cinco casos que constam em inquéritos que investigam o grupo criminoso. A polícia acredita que possa haver mais vítimas. O Super teve acesso, com exclusividade, às investigações feitas pela Polícia Civil de Minas Gerais, em parceria com a corporação de São Paulo, que apontam a participação de cerca de 300 integrantes – com idades entre 11 e 32 anos – na organização criminosa.
O bando começou a agir em 2016, na capital paulista, antes de se espalhar pelo Brasil. Só em Minas, os bandidos agem em quatro grupos com cinco integrantes cada, em média. “Esses ladrões são extremamente organizados. As ações deles são planejadas e eles conseguem escapar com facilidade. Como colocam, geralmente, adolescentes para cometer os furtos, quando são apreendidos, logo conseguem ser soltos e voltam a agir, sempre buscando um lugar diferente”, afirma o delegado Gustavo Barletta, do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio (Depatri-MG), que investiga a ação do bando em Minas.
Barletta explica que o grupo teve origem em 2016, quando, em busca do lucro fácil, começou a invadir residências de atacadistas chineses em São Paulo. A organização mirava dinheiro e joias, que esses comerciantes tinham por hábito guardar em casa, em valores que chegavam a R$ 1 milhão. As investigações apontam que, após diversos furtos, os chineses passaram a se proteger, e os bandidos migraram seus ataques para prédios de luxo.
“Já conhecido pela polícia paulista, o bando, mais uma vez, renovou sua atuação. Eles começaram a sair de São Paulo e a cometer os crimes em outros Estados, em locais em que eles ainda não eram conhecidos, e em cidades onde a segurança em prédios de luxo ainda não é tão sofisticada”, afirma o delegado Barletta.
Em Minas Gerais, segundo as investigações, o bando começou a agir em meados de 2019. Mas foi no auge da pandemia, em 2021, com o uso de máscaras de proteção, bonés e óculos escuros como “escudos”, que os ladrões passaram a burlar facilmente os esquemas de segurança.
“Infelizmente, em BH, ter acesso a prédios de luxo ainda é muito fácil. Não existe em todos os lugares o uso de métodos como o reconhecimento facial ou até mesmo a apresentação de documento com foto”, destacou o delegado do Depatri-MG.
Bons de ‘lábia’ e bem vestidos
Bons de lábia, bem vestidos e aparentando muita tranquilidade. As ações do “Bonde dos Menores” já flagradas por câmeras de vigilância de prédios e apartamentos atacados e às quais a Polícia Civil teve acesso revelam a ousadia do grupo criminoso.
Além da boa aparência, os suspeitos obtêm informações privilegiadas dos moradores do imóvel que vão invadir e conseguem se passar por um familiar ou amigo da vítima para ter acesso ao prédio. Sem arrombar portas, os bandidos usam chaves mixas para acessar os apartamentos.
“Esses garotos se vestem bem, como se pertencessem àquele meio social, estão muito bem ‘decorados’, com os nomes e o número do apartamento do alvo escolhido na ponta da língua. Eles, na verdade, se fantasiam de pessoas livres de qualquer suspeita. Desse modo, o funcionário do prédio acredita estar lidando com adolescentes ‘comuns’, mas, na verdade, está frente a frente com criminosos”, conta o delegado da Depatri-MG, Gustavo Barletta.
As investigações da Polícia Civil apontam que os bandidos privilegiam furtar dinheiro e joias por serem bens fáceis de repassar. “Geralmente, após invadirem um imóvel em BH, o grupo volta para São Paulo. Os materiais preciosos são rapidamente repassados a receptadores paulistas e revendidos. Os criminosos dividem o lucro, e o dinheiro é rapidamente gasto com viagens, roupas de grife e até passeios de helicóptero”, conta Barletta.
Polícia de MG já tem oito suspeitos identificados
Em Belo Horizonte, a Polícia Civil já reconheceu oito criminosos envolvidos no “Bonde dos Menores”. Todos são adolescentes e residem na região central de São Paulo, em especial no bairro da Aclimação. O último grande furto foi realizado em BH, no dia 14 de julho, no bairro Belvedere, na região Centro-Sul.
A dupla, de 17 anos, se passou por parente de um morador do prédio, teve acesso a um dos apartamentos, que estava sem ninguém no momento da ação, e levou cerca de R$ 200 mil em dinheiro e joias. Eles ficaram por aproximadamente 40 minutos no local. Na saída, o porteiro do edifício, desconfiado, ainda tentou impedir a fuga, mas eles quebraram a portaria e conseguiram escapar. Um terceiro comparsa ajudou.
“Essa é a quarta vez que esses bandidos vêm para furtar em BH. Ainda é impossível precisar quanto eles conseguiram levar de todas as ações que fizeram nesses prédios. Contudo, o que sabemos é que, em outubro, esses bandidos vão completar a maioridade e, por isso, estão aproveitando para furtar muito em diferentes localidades. Eles sabem que, se apreendidos como menores, a pena será muito branda”, disse o delegado Gustavo Barletta.
Pelo Brasil
Segundo a Polícia Civil, há indícios de que, além de Belo Horizonte – nos bairros Buritis, Belvedere e Luxemburgo –, a organização criminosa já tenha feito vítimas nas cidades de Juiz de Fora e Uberlândia, além de São Paulo, Florianópolis, em Santa Catarina, e em Estados do Nordeste.