Apartamento em prédio de oito andares localizado na rua dos Caetés, a poucos metros da praça da Estação e do metrô. O “anúncio” chamaria a atenção de muita gente que não se importaria em pagar altos valores para viver no coração da Centro-Sul de Belo Horizonte, região que abriga em 2025 oito dos dez bairros com o metro quadrado mais caro da capital mineira. Apesar da cobiça da especulação imobiliária, o antigo prédio do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que fica em frente ao “BH Resolve”, será reformado com um investimento de mais de R$ 21 milhões para se tornar o lar de 88 famílias carentes integrantes de quatro movimentos sociais que há décadas lutam por habitação. 

Palco das ocupações Zezéu Ribeiro e Norma Lúcia desde 2015, a edificação está passando pelos últimos trâmites para que as famílias, que hoje vivem ali sem qualquer estrutura, possam dar início ao chamado Retrofit — reforma de prédios antigos desocupados — com financiamento do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Maria Eliseth é moradora da ocupação e coordenadora do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM), que é uma das quatro entidades que dividirão os 88 apartamentos do local. Ela comemora o avanço no processo. 

“No dia 10 de abril deste ano a gente completa 10 anos, e celebraremos a data com esta boa notícia de que o presidente Lula está sendo um ‘avalista’ para que os próprios movimentos construam suas moradias. Neste período enfrentamos muitas dificuldades, lidar com o ser humano não é fácil, é necessário ter muito diálogo pois são mais de 40 famílias morando lá ao mesmo tempo”, lembra. 

Ela explica que, graças ao Minha Casa, Minha Vida - Entidades, a reforma do prédio, com financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), será gerenciada pelos próprios movimentos sociais, sem envolver grandes empreiteiras. “Será uma autogestão, nós mesmos vamos gerenciar. Todos estão contribuindo, na discussão do tamanho dos apartamentos, de como será a obra, como cada família quer. E foi dada a possibilidade inclusive dos próprios moradores colocarem a mão na massa e fazer as reformas das nossas moradias”, conta, orgulhosa, a moradora do prédio. 

“É uma responsabilidade muito grande, mas temos certeza que vamos prestar um bom trabalho e fazer a prestação de contas como é devido. Fomos aprovados em junho de 2024, mas, por se tratar de um processo muito moroso, burocrático, ainda estamos com alguns documentos para apresentar. Por isso, soubemos na última segunda (dia 3 de fevereiro) que o prazo foi prorrogado pelo governo Federal por 90 dias para entregarmos tudo e assinarmos o contrato”, garante Eliseth. 

Por conta da localização do edifício, que conta uma grande infraestrutura, cada um dos 88 apartamentos do local terá à disposição um valor de aproximadamente R$ 240 mil para a reforma. A quantia é cerca de 40% superior ao destinado às unidades alvo do programa de moradia popular em outros bairros.

A reforma só foi possível graças à chamada Lei do Retrofit, apresentada pelo prefeito Fuad Noman (PSD) e aprovada, em setembro do ano passado, pela Câmara Municipal de Belo Horizonte.  A legislação alterou as regras de licenciamento, regularização, modificação e reconversão de edificações e de projetos no hipercentro, além de propor incentivo fiscal para fortalecer a construção civil na região.

A notícia foi motivo de alegria para a cuidadora de idosos e moradora do prédio, Andreia Oliveira Souza, de 54 anos. A mulher, que chegou a ser despejada, agora vive um sonho. “Atrasamos o aluguel, e os donos do imóvel nos colocaram para fora. É muito triste ter que sair às pressas, sem ter onde colocar as coisas. Meu marido e eu estávamos desempregados, com filhos pequenos, e foi muito difícil. Meu marido fazia bicos em jogo do bicho, além de realizar carretos com veículos emprestados para termos o que comer”, conta. Há dez anos nas ocupações Zezéu Ribeiro e Norma Lúcia, a cuidadora mal pode esperar para ter acesso à casa própria. “A alegria é muito grande, é uma satisfação, a realização de um sonho que eu achava que não iria acontecer, e agora estou quase com a chave na mão”, celebra.

A artista Margarete Rasta, de 49 anos, passou por uma situação semelhante e foi morar no prédio do INSS por não ter condições de arcar com o aluguel. “Eu trabalhava como consultora de vendas, mas tive um problema na coluna e precisei parar de trabalhar com peso. O aluguel foi ficando muito caro, estava difícil. Como eu já participava dos movimentos por moradia, em 2015, vim para cá (ocupações Zezéu Ribeiro e Norma Lúcia)”, relembra. Ela é de São Paulo, mas se mudou para Minas Gerais com o filho, que havia ganhado uma bolsa de estudos para cursar Direito no Estado.“Estou feliz, pois meu sonho era ter uma casa de novo, para o meu filho e para mim. Ele mora no Rio de Janeiro, mas depois vai vir para cá”, comemora.

A artista Margarete Rasta, de 49 anos, no prédio do INSS - Foto: Videopress Produtora

Prefeitura pagará auxílio-moradia durante obras, que devem durar até 2 anos

Em entrevista a O TEMPO, o diretor-presidente da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Claudius Vinícius Leite, conta que estas obras normalmente duram de 18 a 24 meses (entre 1 ano e meio e 2 anos), sendo que, neste período, as mais de 40 famílias que vivem na ocupação receberão um auxílio-moradia do município. A expectativa é que estas obras comecem no meio deste ano.

“A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) vai disponibilizar o Bolsa Moradia para saída dessas famílias até que a obra seja concluída e eles possam então ocupar os apartamentos. Este auxílio tem o valor de R$ 800 por família, sendo que já temos o cadastro de 46 famílias que hoje habitam o edifício”, conta. 

Ainda conforme o diretor-presidente da Urbel, as famílias que viverão nos apartamentos reformados precisam atender a uma série de critérios, como, por exemplo, estarem no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). “Nesse nível do Minha Casa, Minha Vida, a renda familiar é de até R$ 2.800. E o pagamento pelo empréstimo será com as parcelas em um valor máximo de R$ 240 mensais, em 60 prestações, ou cerca de 5 anos. Temos um grande subsídio”, aponta Leite. 

Financiamento se dará por meio do programa Minha Casa, Minha Vida e entidades, e a obra será executada pelos movimentos sociais. Foto: Videopress Produtora


Projeto pode inspirar e levar a reformas em outros prédios do Centro

Por se tratar do primeiro Retrofit para habitação popular no centro de Belo Horizonte, a obra das ocupações Zezéu Ribeiro e Norma Lúcia poderá inspirar outras moradias populares em prédios abandonados na região central da capital mineira. “A Prefeitura abriu um chamamento de aquisição de prédios que estão subutilizados no centro da cidade, mas, até agora, estamos estudando alguns que se dispuseram a negociar com o município”, garante o diretor-presidente da Urbel. 

Entretanto, segundo Leite, até o momento, as edificações apresentadas possuem um preço muito alto, mesmo sendo construções abandonadas. “Se não houver um preço baixo, compatível com o padrão popular, essa moradia acaba ficando fora dos valores. Alguns dos casos que já estudamos, ficariam com um valor aproximado de R$ 350 mil. Mas nós (prefeitura) permanecemos atentos a essas possibilidades de retrofit no centro da cidade, porque nós achamos isso, de ter habitação popular no centro da cidade, virtuoso, no sentido de aproveitar a infraestrutura instalada”, concluiu. 

O que diz a Caixa

A Caixa esclarece que a entidade organizadora União Metropolitana por Moradia Popular de Belo Horizonte (UMMPBH) apresentou uma proposta de revitalização do prédio que foi sede do INSS, localizado na rua Caetés, em Belo Horizonte (MG), com a finalidade de transformá-lo em moradia social.

O projeto foi selecionado em portaria do Ministério das Cidades MCID Nº 355, de 9 de abril de 2024, na modalidade Retrofit, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), integrante do Programa Minha Casa, Minha Vida - MCMV-Entidades. A contratação foi autorizada conforme portaria MCID N° 1.218, de 25 de outubro de 2024.

O valor total do investimento é de R$ 20.946.094,61 para a reforma do edifício, que abrigará 88 novas unidades habitacionais. Foi finalizada a análise de engenharia com viabilidade para contratação da Fase 1 (desenvolvimento de projetos pela entidade organizadora) com previsão de seis meses, conforme cronograma apresentado.

O Retrofit é um modelo para a recuperação de prédios, privados e públicos, antigos e inutilizados, com o objetivo de atualizar os espaços seguindo a legislação vigente e transformá-los em moradia. A promoção da sustentabilidade é outro aspecto do Retrofit, pois reduz a necessidade de novos recursos naturais e o descarte de materiais.