A vida do agora médico anestesista Henrique Papini, de 30 anos, nunca mais foi a mesma após a madrugada do dia 7 de setembro de 2016. Papini estava com os amigos em uma festa na extinta boate Hangar 677, no bairro Olhos d’Água, região Oeste de Belo Horizonte. Após deixar o estabelecimento, ele foi brutalmente agredido por um grupo. Depois de oito anos sem uma punição severa e diante do clamor por justiça por parte da família de Henrique, o julgamento de um dos envolvidos, em um caso que foi classificado pela Polícia Civil como tentativa de homicídio, está marcado para o dia 27 de março, no Fórum Lafayette, no Barro Preto, região Central da capital mineira.

Durante a agressão, Papini foi jogado no chão e recebeu diversos chutes na cabeça. O motivo teve relação com um encontro que o médico teve com a ex-namorada do agressor que será julgado. O médico teve sequelas graves após a agressão: surdez do ouvido esquerdo, paralisia facial, dificuldades em sentir cheiro e gosto, além de problemas na visão e no equilíbrio. Ele passou mais de 20 dias no hospital enfrentando uma meningite pós-traumática, um trauma de face e um traumatismo craniano grave.

Mesmo assim, o jovem, que em setembro de 2016 estudava medicina em Barbacena, no Campo das Vertentes, se formou, e, atualmente, trabalha em um hospital da rede particular em Belo Horizonte. Em conversa com a reportagem de O TEMPO, ele contou como lida com as sequelas do espancamento. “Convivo diariamente com as memórias do ocorrido por causa das sequelas físicas como a surdez e a paralisia facial do lado esquerdo. Além disso, tive sequelas emocionais e faço acompanhamento com profissionais para tratamento e acompanhamento frequente”, relata.

Esporte é suporte para superar o trauma

O anestesista afirma que o trauma alterou a função de seu labirinto, o que causa dificuldade de equilíbrio em determinadas situações. Mesmo com as limitações motoras, Papini diz que é praticante assíduo de atividades físicas. “Antes eu gostava mais dos esportes coletivos, mas como estes dependem mais de senso de localização e comunicação constante, deixei de lado devido à surdez. Atualmente, pratico esportes individuais como corrida, natação e bicicleta. É a minha terapia”, destaca.  

Corrida é terapia para Papini. Reprodução/Instagram @henriquepapini

E a corrida foi a atividade física em que Papini conseguiu conciliar melhor com a nova rotina. “Me fez conseguir distrair do meu dia-a-dia e das preocupações diárias, que são muitas. É um esporte que nos faz ter muito tempo com nós mesmos, a sós. Isso permite que a gente se conheça nos aspectos físicos e mental”, explica o médico. 

Sem espaço para mágoas ou rancor

Henrique afirma que não guarda raiva ou rancor dos agressores — que ele considera como covardes. “Três deles somente conheci pessoalmente após o ocorrido, durante as audiências. Meu sentimento por eles é de pena. Não devemos guardar raiva ou rancor de pessoas covardes, apenas guardamos dó”.  

Para finalizar, Papini afirma que a lição mais importante para ele após aquele 7 de setembro de 2016, é a respeito do valor que se deve dar às pessoas que buscam o bem do próximo, principalmente os familiares. “São eles quem estão do nosso lado, independentemente do que aconteça. Estou feliz, graças a Deus. Muito melhor em vista de tudo que passei. Muita coisa boa aconteceu na minha vida de lá para cá, e tenho certeza que ainda tem muita coisa boa para acontecer”, considera Henrique.

“Só a justiça pode nos trazer paz”, diz a mãe de Papini  

“Hoje a sensação é de impotência diante de um crime tão explícito que quase ceifou a vida do meu filho”. A afirmativa é da dentista Andréa Moraes, 62 anos, mãe de Henrique Papini. Entre a dor que seu coração de mãe sentiu em 2016 e o alívio por ter o filho saudável em 2025, ela considera que a justiça ainda não foi feita, e que este momento tem sido aguardado ansiosamente por toda a família e amigos.  

“Infelizmente esperávamos por uma justiça mais eficaz , menos morosa e que realmente pudesse servir de lição e exemplo para que estas barbáries não se repitam

Mas, infelizmente, apesar de tantas provas e testemunhas, apenas um entre os quatro agressores se sentará no banco dos réus”, declara. 

Para Andréa, o sentimento é de indignação e tristeza pelos agressores, que segundo ela,  nasceram em berço esplêndido e ainda são capazes de cometer atitudes tão monstruosas e cruéis contra um inocente. “Só a justiça pode nos trazer paz. E eu rogo a Deus para que ele me conceda a graça do perdão”, ressalta a mãe.

Milagre divino: “as injustiças da vida não devem modificar a verdadeira essência do bem”

A fé de uma mãe diante das batalhas e o amor da família e dos amigos foram essenciais para a recuperação de Henrique Papini. Andréa Moraes considera que a vida de seu filho é um milagre divino. “E temos certeza que além de Deus, foi o amor da família e dos amigos que o fizeram superar tantos momentos de dor e desafios, o tornando esse ser humano extraordinário e esse profissional brilhante. Ele é um exemplo para todos de resiliência, força, superação e dignidade. Além disso, nos ensina a cada dia que as injustiças da vida não devem modificar a verdadeira essência do bem”, pontua a mãe de Papini.

Julgamento

Depois de oito anos, o julgamento de um dos agressores foi marcado. Ainda na primeira fase do processo, dois dos envolvidos foram absolvidos, pois a Justiça entendeu que não havia provas suficientes de seu envolvimento nas agressões. O outro rapaz teve sua conduta desclassificada de tentativa de homicídio por lesão corporal, sob o argumento que “apesar de participar das agressões, sua conduta e intenção se limitou a este fim (agressões)”. 

O perfil ‘Justiça Por Henrique Papini’, criado nas redes sociais para prestar apoio a Henrique, pede por justiça. “Agora, passados oito anos após o fato, que deixou sequelas emocionais, físicas e sociais em Henrique, o ator principal das desumanas agressões será submetido ao plenário do júri, onde todos os amigos e familiares do Henrique esperam que ele (denunciado) seja condenado. Chega de impunidade. Queremos justiça”, declarou o perfil.

A reportagem de O TEMPO entrou em contato com a Resende Ribeiro e Reis Advogados que, conforme consta no processo, é responsável pela defesa de Rafael Bicalho. Porém, até o momento, o escritório não retornou.