Aprovada em outubro do ano passado, a Lei 25.003/2024, que estabelece a criação do ‘Botão do Pânico’ em carros de aplicativos para uso de motoristas e passageiros, entra 2025 sem regulamentação e ainda deixa muitas dúvidas para o setor. De um lado, há a demanda por mais segurança nesse tipo de transporte, sobretudo após o caso de estupro de uma jovem deixada desacordada na calçada por um condutor em Belo Horizonte, em julho de 2023, e vários furtos aos motoristas. De outro, o questionamento sobre quem vai arcar com os custos inerentes à medida, como e quando ela se tornará realidade. O governo do Estado foi procurado para dar uma previsibilidade sobre a regra e, até a publicação desta reportagem, não respondeu.
A lei determina que o Botão do Pânico seja constituído por dois acionadores físicos: um instalado próximo ao volante e outro na coluna da porta traseira, de qualquer um dos lados, que podem ser acionados pelo motorista e pelo passageiro em situações de emergência. As empresas de transporte de aplicativo deverão manter uma central própria para monitoramento, em tempo real, das ocorrências relacionadas aos dispositivos de segurança dos veículos cadastrados em sua plataforma.
O mecanismo, quando acionado, compartilhará diversas informações como a localização do veículo em tempo real, origem e destino da corrida, identificação completa do condutor e do passageiro.
Além dos dispositivos de segurança, a lei determina que o motorista tem a obrigação de acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) ou a polícia em casos de necessidade do passageiro, além de prestar assistência a ele. O responsável pelo veículo teria o direito de negar o serviço se o passageiro se mostrasse muito embriagado.
Procurado, o deputado estadual Thiago Cota (PDT), autor da lei, se pronunciou por meio da assessoria de imprensa, dizendo que as empresas do setor têm se mostrado dispostas a dialogar sobre a implantação das medidas previstas, como a criação da central de monitoramento e do botão de pânico. Porém, até o momento, não houve um posicionamento definitivo do Estado sobre os prazos para cumprimento integral dessas exigências. A efetivação da regra e a fiscalização vão ocorrer apenas após a regulamentação feita pelo governo do Estado.
Caso grave em BH serviu como base
A medida começou a ser debatida após o caso de uma jovem de 22 anos que foi deixada desacordada na rua por um motorista e foi vítima de um estupro em Belo Horizonte, em julho de 2023.
O motorista de aplicativo que deixou a mulher foi inocentado. Ele havia sido acusado de estupro de vulnerável por omissão imprópria. A empresa de transporte por aplicativo em que o condutor trabalhava informou que ele foi desligado e bloqueado permanentemente.
Já o acusado de ter cometido o estupro, Wemberson Carvalho da Silva, de 47 anos, foi condenado a 10 anos, 8 meses e 10 dias de prisão em fevereiro do ano passado.
A família da jovem considera a pena curta para o criminoso e contesta o fato de o motorista ter sido inocentado.
“Achamos as duas condenações ridículas, tanto a do estuprador quanto a do motorista do aplicativo. É revoltante o fato de o motorista não ter recebido uma punição da mesma magnitude do que a do estuprador. Se ele não tivesse colocado as mãos dele e tirado a minha irmã desacordada do carro, essa barbaridade nunca teria acontecido. Esse é um peso que nós vamos carregar nas costas o resto de nossa vida. E é por isso que nós pedimos revisão dessa condenação”, afirma a irmã da jovem, que pediu anonimato.
Motoristas também são vítimas de violências: Estado tem mais de 2 mil denúncias
A garantia de um canal para pedir ajuda em momentos de vulnerabilidade pode garantir segurança para os passageiros, mas também para os condutores. De janeiro a setembro de 2024, ao todo 2.322 motoristas de aplicativos foram vítimas de algum tipo de infração — ou seja, a cada dia, oito condutores sofreram com algum tipo de delito. O número de infrações registradas nesse período é 0,96% maior do que na mesma base de comparação de 2023 (quando foram relatados 2.300 delitos). Em todos os 12 meses de 2023, foram registrados 3.067 casos. Em 2022, o número foi de 2.876 infrações. Os dados são de Boletins de Ocorrência da Polícia Militar (BOs) e incluem crimes como violações contra patrimônio, dignidade sexual e tráfico de drogas, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Justiça de Minas Gerais (Sejusp).
Para Warley Leite, presidente da Associação dos Prestadores de Serviço que Utilizam Plataformas Web e Aplicativos De Economia (Appec), a nova medida é um avanço, porém ainda existem vários obstáculos para que a lei seja aplicada em sua integridade.
“Um dos desafios que nós vemos nesta medida é a questão do custo da instalação dos rastreadores, pois quanto o equipamento do motorista quanto o do passageiro, ficam sob a responsabilidade do motorista comprar. Hoje, temos uma dificuldade financeira perante a plataforma, uma vez que desde 2017 não existe nenhum tipo de reajuste nas tarifas. Muito pelo contrário: os insumos que são necessários para o desenvolvimento da atividade, como combustível e pneu, aumentaram bastante”, afirma Warley.
Apesar de toda a discussão sobre o assunto, alguns motoristas de aplicativo em Belo Horizonte sequer conhecem a lei do ‘Botão do Pânico’. Um deles, que pediu para não ser identificado, afirmou que, “caso a iniciativa seja regulamentada, ela pode inibir a ocorrência de assaltos”. Por outro lado, outro condutor, que também solicitou anonimato, afirmou que o acionamento do botão do pânico pode ser arriscado pois, “caso algum indivíduo esteja armado e anuncie um assalto, o movimento de acionar o dispositivo pode ser um motivo do assaltante efetuar algum disparo para neutralizar o motorista”.
Intimidação
Especialista em segurança pública, Arnaldo Conde afirma que a iniciativa pode ser bastante efetiva. Ele lembra que a medida não só contribui para combater crimes praticados contra passageiros e motoristas, mas também para evitá-los. A partir do momento que o recurso se tornar bastante conhecido, diz ele, pessoas mal intencionadas pensarão duas vezes antes de tentar algo.
“O botão do pânico vai inibir os criminosos. Quando as pessoas foram comunicadas que essa ferramenta existe, elas ficarão inibidas. É preciso divulgar de todas as formas quando o serviço passar a valer”, diz ele.
Conforme o especialista em segurança, a polícia está plenamente preparada para lidar com esse tipo de chamada e ocorrência. “Temos uma capacidade de resposta rápida”, avalia.
Conde lembra que os serviços por aplicativo são relativamente novos e, como tudo que é novidade, precisam passar por modificações para, de fato, garantir a segurança.
“Quando aparece uma tecnologia nova, em geral não há muitas leis que a regulam. É preciso sempre correr atrás de boas modificações. Há coisas que vieram para ficar, e precisamos aprender a conviver com isso”, diz.
Conde destaca que é provável que vários novos serviços surjam daqui para a frente graças aos avanços da tecnologia. “Por isso, é preciso pensar em como garantir a segurança em todos os casos”, finaliza.
Em nota, as empresas (Uber e 99) associadas à Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) ressaltam que a segurança de motoristas parceiros e usuários é uma prioridade em suas operações. "Nesse sentido, as plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção nas milhões de viagens que ocorrem diariamente por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada viagem.
A Amobitec considera que as exigências impostas pela Lei 25.003/2024, instituída em Minas Gerais, causa insegurança jurídica e traz obrigações arbitrárias. As empresas colaboram com as autoridades de segurança pública para discutir alternativas e soluções que visam gerar ainda mais segurança. As plataformas têm buscado parcerias com a Polícia Militar para inibir ações criminosas por meio da integração ao sistema 190, que permite ao motorista acionar uma ferramenta de emergência que envia os dados da viagem em tempo real para as centrais de atendimento da Polícia Militar, e que já é realidade nos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, Amazonas e Pará. As empresas reforçam, ainda, que já se colocaram à disposição do Governo de Minas Gerais para discutir a implementação da integração no estado", disse a entidade.
De acordo com a Amobitec, especialistas em segurança alertam que a adoção de um botão físico emergencial, uma das medidas da lei em questão, aumenta o risco para motoristas, pois seu acionamento pode levar a retaliação por parte de criminosos. Além disso, segundo a associação, nem todos os condutores possuem veículos próprios, o que impede uma solução física unificada.
"As empresas se mantêm em diálogo constante com o Poder Público, de forma transparente e colaborativa, colocando-se à disposição para contribuir com iniciativas que busquem avanços na segurança para os motoristas dos aplicativos e usuários", pontuou a Amobitec.
Transporte coletivo
O botão de assédio já é usado no transporte coletivo da capital desde 2018. O recurso fica no painel do veículo e deve ser acionado pelo motorista em casos de importunação sexual registrados no veículo.
Conforme dados da Guarda Municipal, o botão de assédio foi acionado 120 vezes nos ônibus de Belo Horizonte.
A pena para o crime de importunação sexual é de até cinco anos de prisão.