Quem nasce mais ao sudoeste de Belo Horizonte ganha uma identidade além de belo-horizontino: é barreirense. Entre tantas praças, prefere a do Cristo Redentor, no Milionários. Em vez de subir Bahia e descer Floresta, aprende rápido os segredos das avenidas Sinfrônio Brochado e Visconde de Ibituruna. Em pouco tempo, já está dizendo: “No Barreiro tem tudo, cara!”, com a mesma empolgação de Ciro Ricardo, de 49 anos, vendedor no “Centrinho” da regional. Neste domingo (3/8), o Barreiro completa 170 anos — 43 a mais do que a capital —, em uma história que começou nos campos de plantações que abasteciam o entorno e evoluiu para uma micro-cidade, com intensa atividade industrial e comercial. Terra do cantor Vander Lee, a região é formada por 54 bairros e 18 vilas, com uma população superior a 300 mil habitantes, segundo a prefeitura. Ou seja, os barreirenses são tantos que, se a região fosse município, estaria entre os oito mais populosos de Minas Gerais.
“Quem é do Barreiro abraça a identidade do lugar de um jeito único. Não falamos ‘pampulhenses’, ‘oestenses’, mas, no Barreiro, talvez por ter uma história muito antiga, desde a época das fazendas, enraizou-se esse sentimento de pertencimento ao território. Isso é muito latente, e nada pejorativo. Ao contrário: é um orgulho”, afirma Helton Damasceno, assessor da regional do Barreiro da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), “nascido e criado” na região. O representante do executivo destaca que a participação ativa da comunidade é uma marca da região, seja por meio de lideranças comunitárias ou políticas. De fato, um levantamento feito por O TEMPO revelou que o Barreiro é a regional com maior representação na Câmara Municipal, com nove dos 41 vereadores.
Praça do Cristo Redentor, no Milionários I Foto: Fred Magno / O TEMPO
O historiador e também “cria” do Barreiro Ricardo Lúcio concorda que a conexão dos moradores com o território está ligada à memória. Ele volta ao século XIX para sustentar que a história da região começa como uma trajetória de luta. “O Barreiro nasce diante de um assassinato. Em 1855, é feito o registro das terras da fazenda Barreiro. O último dono, ainda escravizador, Cândido Brochado, nega a liberdade ao escravizado Matias e o vende — mesmo ele já sendo beneficiado pela Lei dos Sexagenários. Indignado, Matias jurou matá-lo e cumpriu a promessa. A família de Brochado, desgostosa, vende a fazenda, que é então repassada ao governo do Estado e, por causa disso, surgem na região as primeiras colônias de terra”, explica. À época, Matias foi preso e encontrado morto em uma prisão em Ouro Preto, na região Central de Minas. Um dos primeiros “barreirenses”, ele foi eternizado como o Alforriado Matias.
Segundo o historiador Ricardo Lúcio, as terras que hoje formam o Barreiro eram usadas para abastecer o Curral Del Rey, arraial que deu origem a Belo Horizonte. O cultivo era feito a várias mãos, com a venda de terras para colonos imigrantes — vindos, por exemplo, da Itália, de Portugal e da Alemanha. “Além disso, brasileiros de outros estados do Sudeste e do Nordeste vieram e começaram a massificar o Barreiro. Isso também é visto na identidade diversa da região até hoje”, afirma. A mudança do perfil rural para o de polo industrial e comercial ocorreu quando o Barreiro se tornou uma cidade satélite de BH. “A partir dali, o Barreiro passou por uma transformação muito grande. A região recebeu a Mannesmann, que impulsionou as indústrias e atraiu novos habitantes. No entorno, em Contagem, havia sido criada a Cidade Industrial, que também crescia junto”, acrescenta o assessor da PBH, Helton Damasceno.
Foto: Fred Magno / O TEMPO
‘Barreiro tem tudo’: pertencimento e força econômica na capital
O passado industrial do Barreiro impulsionou o que hoje é uma região marcada pelo setor produtivo e pela força do comércio. Segundo levantamento da plataforma Empresas Aqui, somente no bairro que leva o mesmo nome da regional, onde fica o “Centrinho” do Barreiro, há 78.036 empresas ativas, a maioria de Microempreendedores Individuais (MEI). Ao oferecer serviços diversos, oportunidades de emprego e centros de educação e saúde, como o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro (Hospital do Barreiro), os moradores tratam a regional como uma microcidade. “A gente não precisa ir ao Centro de Belo Horizonte para comprar nada, encontramos tudo aqui. O Barreiro é muito independente”, comenta a barreirense e promotora de vendas Ione de Oliveira, de 62 anos.
“O Barreiro tem uma importância econômica muito grande para Belo Horizonte, tanto pela função industrial quanto por ser uma regional com milhares de comércios. É uma regional viva. Os moradores trabalham, conseguem atendimento médico, acessam serviços e fazem compras sem precisar sair daqui. Todos os setores são bem abastecidos”, reforça o assessor da regional do Barreiro da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Helton Damasceno. Para a moradora Ione de Oliveira, a região em que vive é ainda mais gostosa por reunir algumas das melhores pizzarias de Belo Horizonte: “Aqui no Barreiro temos pizzarias maravilhosas. Não posso citar nomes... mas tenho a minha preferida”, brinca.
Já para a costureira Maria do Socorro, de 83 anos, pertencer ao Barreiro é fazer parte de uma família formada pelos vizinhos que se tornam amigos. Ela conta que a primeira impressão que teve da regional foi marcada pelo acolhimento, quando os filhos ainda eram crianças. “Vim com minha filha pequena, e em sofrimento. Eu não tinha nada, e foram as famílias daqui que me levantaram. Cheguei ao Barreiro e as pessoas me acolheram com amor”, lembra Maria. O barreirense e historiador Ricardo Lúcio, acrescenta: “O mineiro é apegado ao seu lugar de origem. Eu faço parte disso. Ser barreirense é dizer: ‘Cê é fi de quem?’, ‘Fica perto da mercearia do Bento?’”.
Viaduto das Artes, no Barreiro I Foto: Fred Magno / O TEMPO
Novo ano: desafios do crescimento populacional e a promessa do metrô
O assessor da Regional Barreiro da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Helton Damasceno, apontou como um dos desafios para os próximos anos o crescimento populacional da região. A preocupação recai, agora, sobre as 18 vilas e ocupações que se expandiram e exigem investimento em infraestrutura. “Há a necessidade de atuar na urbanização, pavimentação e saneamento básico, devido ao crescimento desordenado das ocupações, muitas delas próximas a encostas. Isso está sendo trabalhado com o aporte da Subsecretaria Municipal de Zeladoria Urbana e de outras áreas”, afirmou, sem detalhar o valor do investimento. A expectativa da regional, segundo Damasceno, está voltada para a entrega da Linha 2 do metrô, prevista para 2028. A estação Barreiro será interligada ao Terminal BHBUS e ao ViaShopping: “O metrô é uma realidade que está chegando”, disse.