O Sistema Único de Saúde (SUS) de Minas Gerais tem passado por mudanças estruturais significativas desde que o Estado começou a transformar propostas de parcerias público-privadas (PPPs) e terceirizações hospitalares em realidade. O contexto que antecede o anúncio, nesta sexta-feira (7 de março), da transferência da gestão do Hospital Maria Amélia Lins, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, para uma entidade privada ou consórcio de saúde, reflete a estratégia da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) em desafogar custos a partir da aliança com entidades privadas. A principal aposta do governo nesse sentido é a construção de um novo complexo hospitalar de PPP, com um investimento superior a R$ 1 bilhão, que abrigará, em um único imóvel, quatro dos oito hospitais da rede da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) em Belo Horizonte. Segundo o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, a licitação está prevista para ocorrer ainda este ano, com início das obras em 2026.

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O complexo será construído no lote onde funcionava o antigo hospital Galba Velloso, no bairro Gameleira, na região Oeste de BH, e vai reunir a assistência dos hospitais Maternidade Odete Valadares, Infantil João Paulo II, Eduardo de Menezes e Alberto Cavalcanti. Ou seja, os pacientes do SUS de oncologia, infectologia, pediatria e maternidade serão encaminhados para um mesmo estabelecimento. Algo que foi apresentado pelo secretário Baccheretti como tática para economia de gastos e agilidade dos serviços.

"Começamos a mensurar e aprimorar alguns processos. Sempre que temos mais de um hospital realizando as mesmas funções, estamos duplicando custos. Hospitais separados precisam ter duas farmácias, dois laboratórios... Não é à toa que o novo hospital de PPP vai reunir quatro unidades, o que permitirá um setor de imagem único, um laboratório único, e isso contribui para uma gestão mais eficiente e aumenta a eficácia do hospital", justifica. 

Neste tipo de PPP, a empresa que vencer o leilão ficará responsável por construir o complexo hospitalar e gerir os serviços não assistenciais (como limpeza e segurança), enquanto o Estado mantém o controle dos atendimentos de saúde do SUS. A proposta é que o conjunto tenha três prédios com um total de 532 leitos, distribuídos entre as especialidades. “Os quatro hospitais que vão entrar no complexo de PPP são prédios antigos, de mais de 70 anos, com várias inconformidades. Esses serviços vão passar a operar no complexo mais moderno que teremos no país”, continua Baccheretti. 

Na avaliação do ex-secretário de saúde de Belo Horizonte, Jackson Machado, a criação da nova estrutura é um passo importante para aprimorar o setor na capital. Para ele, “não faz sentido” que os hospitais da Fhemig funcionem separadamente, sendo esse, portanto, um passo estratégico na condução da saúde na capital mineira. Além disso, a maneira como a PPP deverá funcionar — com os investimentos privados sendo apenas para questões estruturais —  não deverá trazer nenhum desafio ou declínio nos atendimentos, segundo ele. Isso porque o serviço médico não será privatizado.

“O Hospital Metropolitano Célio de Castro é uma PPP e funciona maravilhosamente bem. A infraestrutura de manutenção, de equipamentos, entre outros, ser feita com capital privado pode ser algo bom. O que não pode fazer é destruir ou diminuir a atenção médica. E isso não acredito que vai acontecer”, afirma ele.

Conforme Machado, Belo Horizonte é responsável por pelo menos 40% dos atendimentos de saúde do Estado, e essa realidade não deverá mudar com a nova iniciativa, pelo contrário. “Temos poucos centros de complexidade em Minas Gerais. A viabilização desse empreendimento vai melhorar a qualidade da assistência à saúde”, conclui ele.

A transferência do funcionamento dos quatro hospitais para o complexo será feita de forma gradual, assim que as novas instalações tiverem condições de receber pacientes – a expectativa é que isso ocorra em 2029. Enquanto as estruturas da Maternidade Odete Valadares e dos hospitais Eduardo de Menezes e Alberto Cavalcanti serão repassadas aos governos federal ou municipal, o Infantil João Paulo II será usado como expansão do João XXIII. 

“Para o fortalecimento do João XXIII, todo o prédio do João Paulo II se transformará em uma ampliação do pronto-socorro”, afirma o secretário de saúde Fábio Baccheretti. Apesar de entregar a gestão do Amélia Lins, o gestor defende não abrir mão do pronto-socorro: “O João XXIII é público, é nosso. Aquela pérola não se pode perder de jeito nenhum”. 

No Amélia Lins, no entanto, parceiro do Estado vai gerir o hospital 

Diferentemente do complexo hospitalar de PPP, no caso da terceirização do Hospital Maria Amélia Lins – que será transformado em uma unidade 100% cirúrgica para demandas eletivas –, o novo gestor será responsável não apenas pela administração do prédio e serviços de apoio, mas também pela contratação de profissionais de saúde e gestão dos atendimentos dos pacientes encaminhados pela rede SUS-MG.

No anúncio feito pelo secretário de saúde Fábio Baccheretti, ele apontou como vantagem a flexibilidade de contratação pelas empresas ou consórcios parceiros. "Essas entidades parceiras conseguem fazer mais com muito menos do que a Fhemig. Elas têm alguns incentivos fiscais, por exemplo, que pagam menos impostos trabalhistas", afirmou.

Um gestor da área de saúde, que pediu para não ser identificado, porém, acredita que a decisão de colocar o atendimento médico nas mãos da iniciativa privada pode não ser algo positivo. “Fazer isso é diminuir a assistência do SUS. Acredito que o atendimento médico deve permanecer público”, diz ele, que destacou que é importante que sejam divulgados mais detalhes sobre as novas contratações e os parâmetros que deverão ser estabelecidos para uma melhor análise da situação.

Em meio a polêmicas sobre corrupção, Estado defende as parcerias por OS

A forma como o governo de Minas Gerais tem permitido que hospitais e serviços da Fundação Hospitalar do Estado (Fhemig) sejam administrados por organizações privadas foi tema de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, no início de fevereiro. O STF analisou os editais de contratação para a gestão hospitalar na Fhemig pelas chamadas Organizações Sociais (OSs) – instituições privadas sem fins lucrativos que executam políticas públicas – e decidiu que o programa pode ser mantido, desde que seja conduzido com transparência, objetividade, impessoalidade e fiscalização do Ministério Público e do Tribunal de Contas. 

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A nível nacional, um levantamento do Tribunal de Contas da União, de 2022, identificou 78 eventos de ameaça na participação de Organizações Sociais no SUS, como leis desenhadas para facilitar fraude na seleção da entidade privada e na execução dos contratos; editais com itens já direcionados a determinadas instituições; acertos que fraudam o chamamento e venda de CNPJ de entidades, e taxa de rateio (administração geral) cobrada em duplicidade. 

Sobre o tema, o secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Fábio Baccheretti, assegurou que o processo de terceirização do Hospital Maria Amélia Lins será conduzido com integridade. "Nós acreditamos nas parcerias com OSs. O Piauí está descentralizando mais de 30 hospitais, o mesmo acontece na Bahia e no Ceará. Em Minas, até agora, temos apenas um caso, em Patos de Minas, que é um sucesso. A corrupção pode ocorrer, sim, e o Rio de Janeiro é um péssimo exemplo. A grande vantagem de Minas é que temos uma lei moderna, de 2018, diferente da federal e das de outros Estados, que exige a qualificação de todos os interessados em concorrer ao edital. Todos passam por verificação, e somos muito rigorosos nisso", afirmou.