No hospital que foi referência por décadas no atendimento de casos graves de pacientes com doenças mentais, restou o cenário de desassistência que se estende por todo o Estado. Em outubro de 2020, o governo decidiu encerrar as atividades do Hospital Galba Velloso, no bairro Gameleira, na região Oeste de BH, para a psiquiatria. E, seis meses depois, as portas do espaço foram fechadas em definitivo, após um período de atuação como retaguarda para casos clínicos que deixaram de ser atendidos em outras unidades por conta da pandemia.
O fim das atividades gerou grandes problemas na saúde pública do Estado. É o que conta o diretor da Associação Médica de Minas Gerais e membro da Associação Mineira de Psiquiatria, Paulo Repsold. “Reduzimos o pouquíssimo número de vagas de internação hospitalar especializada para atendimentos psiquiátricos no SUS em Minas Gerais. E, quando o governo fechou o Galba Velloso, isso foi reduzido pela metade”, explicou. Com a mudança, os casos passaram a ser encaminhados para o Instituto Raul Soares, que conta com cerca de cem leitos.
"A situação ficou ainda mais precária. A doença mental não desaparece por decreto, principalmente hoje em dia, quando temos, além das doenças tradicionais, o advento da dependência ao crack, que em vários momentos precisa de internação, como quando a pessoa está no período de síndrome de abstinência. Ainda tem o fator social em uma época de pandemia, que desestabilizou mais pessoas com doenças mentais que podem necessitar de uma internação”, enfatizou o especialista.
De acordo com a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), os demais casos são atendidos pela rede de saúde mental dos municípios, como os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams). Essas unidades, conforme Repsold, prestam serviços ambulatoriais especializados, mas não são hospitais. “Não existe um plantão presencial de médicos ou enfermeiros, aqueles cuidados para casos gravíssimos. Pacientes que necessitam de internação são pessoas em estado muito grave”, ponderou.
Novo complexo
Em novembro de 2021, o governo anunciou uma nova destinação para o terreno que a unidade ocupava: nele, vai ser construído o novo complexo hospitalar Eduardo de Menezes, que será transferido do Barreiro para a Gameleira. Em nota, a Fhemig informou que o Galba Velloso foi revocacionado em outubro de 2020 como Unidade Alternativa de Assistência à Saúde (UAAS-GV) de forma temporária, “inicialmente com previsão de funcionamento por 90 dias e possibilidade de ser prorrogado mediante necessidade motivada pelo comportamento da pandemia”.
O objetivo da UAAS-GV, ainda segundo o texto, “era atender casos clínicos, não Covid-19, atuando como retaguarda às unidades dedicadas exclusivamente aos pacientes da Covid-19” – Eduardo de Menezes (HEM) e Júlia Kubitschek (HJK). Com a redução dos casos na região metropolitana e estabilidade dos leitos clínicos, a unidade foi desmobilizada, e servidores que seguiam no local foram remanejados.
Alta de muitos foi dada às pressas
Com 130 leitos, o Hospital Galba Velloso tinha capacidade operacional para 119 internados. Na maioria das vezes, a ocupação ficava perto de 90%, segundo uma técnica de enfermagem que trabalhou no local por mais de nove anos. “Era um atendimento multidisciplinar, porque ali fazia parte uma equipe de terapeuta, psicólogo, médico assistencial, plantonista, médicos clínicos, enfermeiros, além do pessoal da limpeza e cozinha. Tinha todo o aparato de um hospital psiquiátrico de grande porte”, contou, sem querer ter o nome revelado.
Ela relatou que não houve diálogo com os trabalhadores sobre o fechamento e que os rumores sobre a decisão aumentaram ao longo de 2020. “Simplesmente sabiam de tudo, mas fomos os últimos a sermos informados. Não foi uma coisa organizada, pensada para o bem-estar do paciente. Muitos tiveram a alta adiantada, porque o processo tinha que correr”, revelou a técnica.
Já a diretora executiva do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais, Neuza Freitas, lembrou que o hospital era “de excelência” e atendia pacientes de todo o Estado. Ela acrescentou que a medida provocou desassistência e que o Instituto Raul Soares está sempre superlotado.
Neuza observou que os trabalhadores do antigo hospital eram especializados em psiquiatria e foram obrigados a atuar em outros setores, inclusive UTI. “A população perde, já que há ainda pacientes com doenças mentais sendo atendidos em enfermarias de hospitais comuns, que não têm treinamento específico”, completou. E enfatizou: “Não tem como fazer uma especialização do dia para a noite de uma pessoa que sempre atendeu pacientes da saúde mental”.
Usuários não defenderam local
A vice-presidente da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG), Laura Fusaro Camey, disse ser favorável ao fechamento de hospitais como o Galba Velloso. Para ela, a atuação da Rede de Atenção Psicossocial, que não promove internações involuntárias, tem melhores resultados que as “violentas” unidades psiquiátricas.
“Não houve movimento dos usuários no sentido de reivindicação da manutenção daquele espaço, o que contrasta enormemente com a reação imediata e calorosa dos usuários frente à interdição do trabalho dos médicos nos Cersams”, disse.
Laura acrescentou: “Hospital psiquiátrico e instituições de internação não são moradia, e intervenções involuntárias para fins que não o socorro a um risco iminente de morte violam leis e a própria Constituição”.
'Argumentos não convencem"
Professor da UFMG e preceptor da residência de psiquiatria do Instituto Raul Soares, Hélio Lauar lembrou que no Brasil, desde a década de 1970, o modelo hospitalar vem sendo trocado pelos ambulatoriais, como Cersams, para reduzir danos.
No entanto, ele enfatizou que a mudança significa construir novas entidades, juntamente com usuários e famílias. “Em saúde, não se desveste um santo para vestir outro. Os argumentos (para desativar o serviço do Galba) não convencem”, frisou o especialista.