Uma mineradora tenta autorização para minerar área de 450 hectares que inclui Área de Proteção Ambiental (APA), nascentes, duas grutas e uma casa com mais de 150 anos tombada pelo município de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte. Na área de Requerimento de Servidão Mineral, que é pretendida pela empresa Mineração Fazenda dos Borges (MFB) — também chamada de Britadora Borges Ltda (BBL), há terrenos particulares e um trecho onde antes já havia sido embargada a construção de uma cervejaria em função dos riscos ambientais.  

Moradores da região questionam a possibilidade de uso da área antes vetada para outro perfil de empreendimento e a agilidade dos trâmites usados na aprovação do processo. Em 2021, uma cervejaria teve embargada a obra de uma fábrica por conta dos impactos ambientais em um terreno que está dentro do trecho que pode ser minerado. Agora, a mineradora segue com os trâmites para explorar brita no local.   

"Esse empreendimento engloba a área onde seria a fábrica de cerveja e outras adjacentes. Na época da implantação da cervejaria, houve toda uma discussão acerca dos impactos, o que acabou culminando na desistência da empresa. O que me parece estranho é, mesmo com todas as questões discutidas na época, agora essa empresa ter pretensão de minerar no local enquanto não foi permitido construir a fábrica, que tinha impactos ambientais bem menores", pontuou um advogado especializado em meio ambiente que acompanha o processo, mas preferiu não ser identificado.   

Dentro do espaço existem a Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sol Nascente, além de nascentes, duas grutas e, até mesmo, uma casa com mais de 150 anos que foi tombada recentemente pelo município por sua importância histórica e cultural para a região. 

Procurada, a BBL explicou que adquiriu, em 2021, a Intercement (antiga Cimentos Cauê). Essa empresa, inaugurada em 1953, produzia cimento no terreno (ao lado do local onde seria instalada a cervejaria). Ainda segundo a mineradora, ela teria notificado os proprietários do terreno que não pertence a ela, mas que está dentro do perímetro com "direito minerário em fase de concessão de lavra” para que não sejam feitos investimentos no local. "A BBL advertiu os responsáveis pelo empreendimento (uma destilaria que está em processo de implantação na área), informando que a área estaria inserida em área de concessão de lavra, solicitando aos representantes legais do novo empreendimento a abstenção de realizar qualquer implantação industrial no local”, diz em nota. A servidão minerária é regulamentada no Decreto-Lei 227, de 1967 (artigos 59 a 62) e no Decreto 9.406, de 2018, artigo 41. Em resumo: as mineradoras pedem direito de minerar uma área e, se concedida, indeniza os proprietários das terras ao redor.  

Aprovação 

O processo de análise do Requerimento de Servidão Mineral é questionado por moradores da região também por ter sido coordenado por dois servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM) que acabaram afastados após a Polícia Federal (PF) apontar um esquema quase bilionário de facilitação de exploração indevida de minerais no Estado.  

De acordo com informações públicas do sistema da ANM, em março de 2020, quando a área ainda era de propriedade da Intercement e antes da polêmica envolvendo a cervejaria, o órgão federal recebeu um requerimento de servidão para extrair britas em um terreno menor da mesma área, com cerca de 325 hectares. A expectativa era obter autorização para expandir a mineração no entorno do empreendimento já existente no local desde a década de 70. A vistoria para análise do pedido da então proprietária do local foi aprovada pela ANM mais de dois anos após a abertura do processo, em julho de 2022.  

Já no dia 28 de agosto de 2024, um novo requerimento de servidão foi apresentado pela MFB, com a pretensão de minerar na área de 450 hectares. Entretanto, diferentemente do primeiro pedido feito em 2022, que levou mais de 2 anos para ser atendido, desta vez a resposta da ANM determinando nova vistoria veio já no dia 11 de fevereiro de 2025, pouco mais de 5 meses após a instauração do requerimento pela empresa. 

Conforme os documentos da autarquia, o pedido para que a vistoria ocorresse foi assinado pelo Gerente Regional da ANM em Minas Gerais, Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, afastado do cargo desde 28 de março deste ano. O servidor determinou ainda que a vistoria fosse realizada por Claudinei Oliveira Cruz, que é o outro trabalhador da agência exonerado após a operação da Polícia Federal (PF).    

"Demandas da mesma natureza e complexidade costumam levar muito mais tempo para tramitar. Se a gente considerar a deficiência de pessoal que este órgão (ANM) tem, cinco meses foi um prazo bem rápido. Não que seja irregular, quem dera todos tramitassem assim, mas, na prática, demora muito mais. Acontece que, se esse pedido for aprovado tal qual consta no requerimento inicial, para além dos danos ao meio ambiente e às áreas protegidas, outros empreendimentos comerciais menores e terrenos particulares poderão ser prejudicados", completa o advogado ouvido por O TEMPO.   

A exoneração dos dois servidores da ANM trouxe “tranquilidade” para proprietários de terrenos na região. "Quando eles (servidores) estavam envolvidos, eu estava preocupado. Mas, agora, com a exoneração, eu fiquei mais tranquilo, pois sabemos que estamos muito bem fundamentados. A área que eles querem minerar tem muita coisa boa, tem área de proteção, grutas, nascente, e a ANM não pediu nada, mandaram seguir o rito e apresentar os estudos, deixando passar uma série de questões", disse um deles também em anonimato.   

A mineradora destacou ainda que a vistoria feita pela ANM fiscalizou a Pilha de Estéril e o pedido de alteração da servidão. "Em face da vistoria, foram realizadas diversas exigências, todas publicadas junto ao DOU (Diário Oficial da União) em março de 2025. Atualmente, a BBL encontra-se em fase de elaboração de documentação, em conformidade com o prazo estipulado pela ANM, para cumprimento das exigências solicitadas", completou.  

"Por fim, importante destacar que a BBL, em conjunto com outras empresas que integram seu grupo econômico, exercem atividade minerária na região desde a década de setenta, sempre lidando com todos os órgãos, entidades, agências reguladoras e a comunidade de forma estritamente legal e profissional", concluiu. 

A ANM foi questionada sobre o processo, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Citada pela mineradora, a destilaria foi procurada e informou, por nota, que o empreendimento em construção no terreno onde uma cervejaria seria implantada é uma destilaria familiar “com foco na validade e inovação dos seus produtos”. 

“Ademais, é de conhecimento que a BBL pretende instituir servidão mineral sobre o referido imóvel, perante a Agência Nacional de Mineração (ANM), com vistas à exploração de atividades minerárias de alto potencial poluidor e com impactos ambientais significativos e irreversíveis. O ponto central a ser destacado, contudo, é que, ao contrário do que tenta fazer crer a BBL, o empreendimento atualmente em implantação na área possui também o caráter turístico e gastronômico, voltado à promoção do turismo local, com objetivos culturais, ambientais e sociais bem delineados”, completou a empresa. Leia o posicionamento da destilaria na íntegra ao final do texto.

A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que, até o momento, não se manifestou se a ampliação do empreendimento minerário possui licença ambiental. A Prefeitura de Pedro Leopoldo também foi procurada e não respondeu antes da publicação do material.  

Leia o posicionamento da mineradora na íntegra:  

"A Britadora Borges Ltda (“BBL”) esclarece que, no ano de 2021, adquiriu os ativos da Intercement (antiga Cimentos Cauê). Portanto, necessário elucidar não se tratar um empreendimento novo, visto que foi inaugurado em junho de 1953, onde esteve presente o então Governador de Minas Gerais o Sr. Juscelino Kubitscheck. O referido empreendimento forneceu inclusive material para a construção de Brasília (dia 21.04.2025 completará 65 anos), o Estádio Mineirão (em setembro de 2025 completará 60 anos), Campus da UFMG dentre outros. Dentro do imóvel Fazenda Manoel Carlos, consta Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN Sol Nascente) que foi instituída há mais de 20 anos, contribuindo para a preservação ambiental da região estando preservada, sendo vedada qual tipo de extração em seu interior, nos termos da legislação ambiental. 

Em relação a ANM (Agência Nacional de Mineração), a BBL possui grupamento minerário contendo 7 poligonais minerarias em fase de concessão de lavra, tendo servidão minerária expedida no ano de 2013, em uma área em torno de 620 hectares. Em março de 2020 e em agosto de 2024, foram formalizados requerimentos junto a ANM solicitando a alteração da servidão minerária, visando a redução da área de servidão minerária atual de 620 hectares para 450 hectares (pedido atual).   

Em fevereiro de 2025, a ANM realizou vistoria na Mina de Manoel Carlos, inserida dentro do grupamento mineiro da BBL, onde foi vistoriada a Pilha Estéril e o Pedido de alteração da Servidão minerária vigente de 620 hectares desde 2013.  Em face da vistoria, foram realizadas diversas exigências, todas publicadas junto ao DOU (Diário Oficial da União) em março de 2025. Atualmente, a BBL encontra-se em fase de elaboração de documentação, em conformidade com o prazo estipulado pela ANM, para cumprimento das exigências solicitadas. 

A BBL informa que não tem nenhuma relação com o novo empreendimento na região onde seria implantada a Heineken, sendo que o imóvel em referência não é de sua propriedade. Trata-se da implantação de uma gigantesca destilaria industrial, podendo ser claramente identificada em imagens do google Earth. A Britadora Borges, no ano de 2023, notificou os representantes legais deste novo empreendimento, tendo em vista que a área está localizada dentro do direito minerário em fase de concessão de lavra. Em razão disto, anteriormente a implantação efetiva deste empreendimento, a BBL advertiu os responsáveis pelo empreendimento, informando que a área estaria inserida em área de concessão de lavra, solicitando aos representantes legais do novo empreendimento a abstenção de realizar qualquer implantação industrial no local. O mencionado novo empreendimento desconsiderou a notificação realizada e está implantando o projeto industrial na área de propriedade da empresa Heineken, área esta inserida dentro da área da poligonal mineraria com concessão de lavra há mais de 50 anos.   

A BBL esclarece que não há nenhuma formalização de ampliação de seu empreendimento junto ao órgão licenciador. E, caso futuramente seja formalizada a ampliação do seu empreendimento minerário, todos os estudos ambientais serão apresentados junto ao órgão licenciador, em estrita observância à legislação vigente. 

Por fim, importante destacar que a BBL, em conjunto com outras empresas que integram seu grupo econômico, exercem atividade minerária na região desde a década de setenta, sempre lidando com todos os órgãos, entidades, agências reguladoras e a comunidade de forma estritamente legal e profissional".

Confira a nota da destilaria na íntegra:

“De início, cumpre esclarecer que, da leitura da nota à imprensa divulgada pela Britadora Borges Ltda. (“BBL”), depreende-se a equivocada afirmação de que estaria sendo implantada uma “gigantesca destilaria industrial” no imóvel anteriormente destinado à instalação da fábrica da Heineken. Trata- se de uma destilaria familiar com foco na qualidade e inovação de seus produtos. Ademais, é de conhecimento que a BBL pretende instituir servidão mineral sobre o referido imóvel, perante a Agência Nacional de Mineração (ANM), com vistas à exploração de atividades minerárias de alto potencial poluidor e com impactos ambientais significativos e irreversíveis.

O ponto central a ser destacado, contudo, é que, ao contrário do que tenta fazer crer a BBL, o empreendimento atualmente em implantação na área possui também o caráter turístico e gastronômico, voltado à promoção do turismo local, com objetivos culturais, ambientais e sociais bem delineados. O empreendimento visa atrair visitantes e impulsionar a economia regional por meio da valorização da culinária local e da oferta de experiências gastronômicas qualificadas, inserindo-se no contexto contemporâneo do turismo de experiência — segmento em franca expansão no Brasil e no exterior.

Tal vocação é demonstrada de forma inequívoca pela concepção do projeto, que contempla ações voltadas à preservação ambiental, bem como à proteção e valorização do patrimônio histórico e cultural da região. Destaca-se, nesse sentido, a restauração da sede da Fazenda Manoel Carlos — bem tombado pelo Município de Pedro Leopoldo/ MG, nos termos do Decreto Municipal nº 2.344/2024 —, cuja revitalização permitirá sua integração ao circuito turístico-cultural do empreendimento, transformando-o em espaço de visitação, memória e celebração das tradições locais.

Importa ressaltar, ainda, que a implantação do referido projeto vem sendo conduzida em estrita observância às normas técnicas, ambientais e de uso e ocupação do solo, não havendo qualquer violação aos marcos regulatórios aplicáveis. Trata-se, portanto, de empreendimento plenamente compatível com as diretrizes de desenvolvimento sustentável, cujos impactos ambientais são mínimos — sobretudo se comparados à magnitude dos efeitos negativos decorrentes da atividade minerária pretendida pela BBL na mesma localidade.
Por fim, impende informar que o empreendimento conta com todas as autorizações legais necessárias ao seu pleno desenvolvimento, tendo sido objeto de fiscalização por diversos órgãos de controle ambiental e regulatório, sem que tenha sido identificado qualquer indício de irregularidade.

Destarte, a BBL menciona ter notificado os responsáveis pelo empreendimento em implantação, sob o argumento de que a área estaria inserida em polígono objeto de concessão de lavra, requerendo, com isso, a abstenção de quaisquer intervenções no local. Ocorre que tal alegação não se sustenta, na medida em que a mencionada concessão de lavra representa mera expectativa de direito, sendo sua viabilidade condicionada à obtenção das licenças e autorizações ambientais cabíveis, bem como à efetiva demonstração da viabilidade ambiental do exercício da atividade minerária pretendida — o que, manifestamente, não se verifica no caso concreto, já que a BBL sequer possui estudo de impacto ambiental referente à exploração almejada.

Dessa forma, revela-se absolutamente incabível qualquer pretensão da BBL de obstar a continuidade das atividades de implantação do empreendimento turístico e gastronômico, sob o pretexto de deter suposto direito de lavra sobre a área. Tal conduta configura tentativa indevida de limitar o uso legítimo da propriedade por terceiro, em flagrante descompasso com os princípios que regem a função socioambiental da propriedade e a compatibilidade do uso do solo com as normas urbanísticas e ambientais vigentes”.