Tendo como vizinhas nos últimos meses casas demolidas para as obras de expansão do metrô de Belo Horizonte, no bairro Nova Cintra, na região Oeste da capital mineira, Natalice Gomes da Silva, de 49 anos, não esperava que uma tentativa de atravessar os trilhos do trem mudaria para sempre a sua vida. Na última sexta-feira (20 de junho), a mulher escorregou em entulhos e acabou sendo atropelada por um trem, sofrendo uma fratura na coluna, um traumatismo craniano e, posteriormente, a amputação de uma das pernas. O caso foi denunciado nesta quinta-feira (26) pela deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), que levou o caso à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Uma audiência pública tratará sobre o tema na próxima quarta-feira (2 de julho).

O TEMPO conversou com Jéssica Gomes da Silva, de 33 anos, filha da mulher acidentada. Ela conta que a família vive na rua 2, bem próximo ao local onde acontecem as obras e parte dos vizinhos já foram indenizados e removidos. "O local não está cercado, não tem nenhuma sinalização. Minha mãe foi atravessar, mas acabou tropeçando e bateu no vagão, que passou em cima da perna dela. Ela caiu e foi se arrastando nos entulhos, para subir o barranco e pedir socorro aos vizinhos", detalhou. 

O trem que atropelou a vítima era da empresa de logística MRS, enquanto a linha usada pelo veículo é gerenciada pela VLI. Com risco de morte se continuasse no local, Natalice foi socorrida pelo Samu ao Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, onde, mais tarde, acabou tendo o membro amputado pelos médicos.

Depois da mãe ter alta médica, Jéssica conta que ela e as irmãs precisaram sair de casa, uma vez que o imóvel não teria estrutura para a mãe ficar durante a recuperação. Com isso, elas estão ficando temporariamente na casa de uma vizinha, de favor.

"Procuramos as empresas, para ver o que poderiam fazer por nós. Eu e minhas irmãs precisamos deixar os nossos empregos para ficar cuidando da nossa mãe. Precisamos de alguma assistência médica, uma cadeira de rodas, uma cadeira de banho. Procuramos para ver se ajudavam com alguma coisa, mas as empresas ficam com um empurra-empurra, ninguém quis saber da responsabilidade. Por isso, pedimos ajuda à deputada", disse a filha. 

Deputada visitou local

Na última quarta, Bella Gonçalves foi até o canteiro de obras para uma fiscalização, chegando a divulgar um vídeo questionando se o local, repleto de entulhos e bem próximo das casas, seria, de fato, um canteiro de obras. "Estão fazendo a demolição da casa das pessoas e o trem passando no meio da obra. Claro que ia dar problema. Dona Natalice perdeu a sua perna e teve que se arrastar para pedir socorro. A gente vê que aqui não tem nenhuma segurança hoje para os funcionários que estão fazendo esse trabalho ou para os moradores, é um descaso e um abandono total", reclamou a parlamentar. 

Ainda segundo a deputada, ela chegou a entrar em contato com a MRS, que chegou a afirmar que iria ajudar a família de Natalice. Porém, nesta quinta-feira, a empresa de logística teria voltado atrás na decisão. 

"Minha mãe já tratava uma depressão, mas, agora, com essa situação dela ter perdido a perna, temos medo que a situação se agrave. Vez ou outra ela chora, fala que quer a perna dela. E nós, filhas, estamos sofrendo junto com ela", finalizou a filha da mulher ferida no acidente. 

O que dizem as empresas? 

Procurada pela reportagem, a Metrô BH, concessionária que administra o transporte sobre trilhos, alegou por nota que o acidente não estaria relacionado com a operação do trem de passageiros. 

"O incidente ocorreu em linha férrea distinta, sob a responsabilidade de outra concessionária. Quanto ao processo de remoção das residências, tudo está em estrita conformidade com os acordos formalizados. Informamos que os resíduos sólidos estão sendo gerenciados e contidos na área de projeção das edificações, onde é proibido o tráfego de pessoas e não interfere na operação das linhas férreas que circulam na região. Reiteramos, ainda, que os resíduos se encontram completamente distantes do local do acidente", escreveu a empresa. 

A MRS, empresa responsável pelo trem que atropelou a mulher, lamentou "profundamente o acidente". Segundo a empresa, o trem da empresa "trafegava em ferrovia sob concessão de outra concessionária". "Nos solidarizamos com a envolvida e sua família, e reforçamos nosso compromisso com a segurança ferroviária", destacou. 

"A VLI e MRS acompanham o caso de perto e avaliam formas de, conjuntamente, prestar auxílio de caráter humanitário à pessoa envolvida", destacou a empresa.

Em nota, a VLI, administradora da linha férrea, "lamentou" o ocorrido e reiterou "que os primeiros socorros foram prestados no local por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), e a pessoa foi prontamente socorrida".

"A empresa orienta a população a manter sempre distância segura da faixa de domínio. Para não se colocarem em situação de risco, pedestres não devem acessar a margem dos trilhos ou permanecer sobre eles, bem como devem realizar a travessia da linha apenas em locais autorizados e devidamente sinalizados", acrescentou a empresa.