Em cinco dias, seis famílias vão ter que deixar as casas em que vivem na comunidade Quéias, localizada no Vale do Ingá, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A saída obrigatória de 44 pessoas de suas residências ocorre porque a Agência Nacional de Mineração (ANM) informou que a barragem B1-A da empresa Emicon Mineração e Terraplenagem entrou no nível 2 de alerta — quando as medidas de segurança não estão sendo tomadas pela empresa. Para alguns moradores, a história é uma repetição do passado. A trabalhadora rural Roseli Aparecida, de 30 anos, já precisou sair de casa por causa da mesma empresa e, atualmente, mora na comunidade em uma casa alugada pela Emicon. Nessa terça-feira (22), Roseli recebeu a notícia de que vai ter que deixar novamente seu lar. “Fiquei seis anos nessa casa achando que estava segura. A Defesa Civil veio e disse que agora entrou na mancha de risco. Tenho uma filha pequena, ela estuda em uma escola com acompanhamento psicológico. Não está preparada para mudar”, lamentou.
Odilon Sousa, de 49 anos, está na mesma situação de Roseli. Há seis anos, ele saiu de casa por causa de um alerta da Emicon. A esperança dele era de voltar para a casa que precisou abandonar às pressas, mas, agora, a mudança tem um endereço indefinido. “Em 15 de agosto de 2019, removeram minha família. Minha fonte de renda também está na área de risco. São 25 anos de serviço. Não posso simplesmente abandonar”, disse.
A prefeitura de Brumadinho informou que a barragem fica a 2 quilômetros da comunidade Quéias. Vinte e nove imóveis (entre casas, imóveis, sítios, entre outros) precisaram ser evacuados, e alguns dos imóveis estão vazios. O prefeito Gabriel Parreiras (PRD) informou que a Justiça realizou o bloqueio de R$ 17 milhões da mineradora. O chefe do Executivo municipal informou ainda que não há evidências de que há risco iminente de rompimento da barragem. A mudança do nível da segurança da estrutura aconteceu por causa de um atestado de segurança. “Sem essa documentação, a ANM não consegue atestar a segurança da estrutura. Como medida preventiva, o nível foi elevado”, explicou o prefeito.
No entanto, ele considera irresponsável ignorar qualquer tipo de risco. “Falar que não existe risco seria uma prepotência da minha parte. Mas dizer que existe seria irresponsável. Hoje, o maior dano é psicológico. Quando uma barragem sobe de nível em Brumadinho, todos se lembram de 2019. E isso é uma covardia com o nosso povo”, disse Parreiras. O Corpo de Bombeiros ajuda nas ações de remoção dos moradores, e o governo de Minas Gerais informou que acompanha a situação.
A decisão sobre a mudança de risco da B1-A aconteceu após a concordância do Ministério Público Federal e do Estado de Minas Gerais, da Defesa Civil, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e da prefeitura. A ANM também acionou o Acordo de Cooperação Técnica com a Defesa Civil de Minas Gerais e realizou sobrevoo conjunto na área da barragem e da Zona de Autossalvamento (ZAS) (área imediatamente abaixo de uma barragem).
Justiça multa sócios de empresa
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou, por meio de nota, que atua em conjunto com órgãos de fiscalização para garantir a segurança da população e a descaracterização das barragens da Emicon. Uma multa de R$ 5.000 por dia já foi aplicada aos sócios até o cumprimento integral das obrigações assumidas. “Já peticionamos perante o Poder Judiciário para que seja contratada empresa especializada, a ser indicada pela Feam ou ANM, que execute as obrigações pendentes a serem custeadas com os recursos da empresa já bloqueados pelo juízo.”
“A empresa nos trata com descaso”, diz presidente da associação de moradores
O presidente da associação de moradores da comunidade Quéias, localizada na região do Vale do Ingá, Francisco das Chagas, de 62 anos, relata indignação com a forma como a comunidade foi tratada pela mineradora. “O que a Emicon faz é um descaso. Eles não nos comunicaram nada. Tinha uma caminhonete com alto-falantes para avisos, mas sumiu daqui. Eles tinham que me chamar, me explicar o que estava acontecendo. Não fizeram”, criticou.
Francisco estima que a comunidade tenha cerca de 150 pessoas, entre residentes fixos e sitiantes, incluindo idosos, crianças e trabalhadores. “Mas o que mais falta é respeito. A Emicon nunca deu assistência de verdade”, disse.
O que diz o MPMG?
"Os órgãos públicos municipais, estaduais e federais de fiscalização estão empenhados e atuando em estreita cooperação para garantir que as barragens da Emicon não ofereçam quaisquer riscos à população e ao meio ambiente e sejam finalmente descaracterizadas.
A elevação recente do nível de emergência da barragem B1-A deveu-se, segundo a ANM, em razão da ausência de estudos conclusivos sobre a situação da estrutura. A ANM nos informou que determinou a contratação de empresa independente para realizar nova análise considerando todas as informações disponíveis. A ANM registrou, ainda, que não foram encontradas anomalias na barragem B1-A que indiquem risco iminente de ruptura.
Por parte do MPMG, estamos atuando diariamente em estreito diálogo com os representantes da empresa e órgãos públicos fiscalizadores, a fim de garantirmos uma providência célere que resulte na redução do nível de emergência.
Sem prejuízo, já peticionamos perante o Poder Judiciário para que seja contratada empresa especializada, a ser indicada pela FEAM ou ANM, que execute as obrigações pendentes a serem custeadas com os recursos da empresa já bloqueados pelo juízo. Pedimos, ainda, a aplicação de multa pessoal aos sócios e administradores até que as obrigações da empresa, assumidas em TAC firmado com o MPMG, sejam cumpridas. Pedimos, também, a aplicação à EMICON das penas de litigância de má-fé, sem prejuízo da apuração do crime de desobediência pelos sócios e administradores e apreensão de seus passaportes.
Segundo informações prestadas pela Defesa Civil de Brumadinho nesta data, seis famílias estão residindo na ZAS e já foram contactadas e devidamente informadas. A Defesa Civil está diligente no cumprimento das medidas cabíveis para o momento e tem reportado ao MPMG sobre a comunicação estabelecida com os moradores que ainda permanecem na ZAS, a fim de garantir sua pronta informação e evacuação planejada. O MPMG prestará todo o apoio necessário para a realocação das famílias."
O que diz o governo de Minas Gerais?
O Governo de Minas, por meio da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), informa que acompanha, juntamente com a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Ministério Público, a situação da Barragem B1A, localizada no município de Brumadinho, e segue em articulação com os órgãos fiscalizadores para garantir a segurança da população.
Em apoio à prefeitura da cidade, o CBMMG está realizando a remoção preventiva dos moradores da área de risco, primando pela segurança da comunidade.
Conheça a barragem que está em nível 2 de alerta
A B1-A é uma barragem de rejeito de minério com 37 metros de altura — o equivalente a um prédio de 12 andares — e 273 metros de comprimento de crista, quase três campos de futebol enfileirados. Ela está localizada perto da BR-381, a Fernão Dias, e ao lado de outro complexo minerário.
Método de construção
A barragem foi construída com o método de alteamento por linha de centro, utilizando terra e enrocamento como materiais principais. Esse método é considerado mais seguro que o de alteamento a montante, técnica usada nas estruturas que romperam em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, tragédias que mataram, respectivamente, 19 e 270 pessoas.
Imagem aérea registrada por drone mostra a Vila Quéias, localizada no Vale do Ingá, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nesta quinta-feira (24/7). Em até cinco dias, 44 pessoas terão que deixar suas casas após a Agência Nacional de Mineração (ANM) elevar… pic.twitter.com/uCgk2EreCQ
— O Tempo (@otempo) July 24, 2025
Diferentemente do alteamento a montante — proibido no Brasil desde 2022 por representar maior risco de instabilidade —, o método por linha de centro consiste em levantar a barragem verticalmente sobre a base inicial, sem deslocá-la em direção ao reservatório.
Apesar de não ser proibido, o método de alteamento por linha de centro está sujeito a exigências técnicas de estabilidade e segurança. Foi justamente a ausência de documentos que fizeram com que as autoridades elevassem o nível de alerta.
Operação e desativação
A barragem começou a operar em dezembro de 1996 e foi desativada em 2 de janeiro de 2014. Ao todo, armazena 914 mil metros cúbicos de rejeitos — um volume cerca de 12 vezes menor do que o da barragem B1 da mina Córrego do Feijão, que colapsou há cinco anos. Segundo a ANM, há pessoas vivendo permanentemente na área a jusante da estrutura, o que aumenta o nível de atenção das autoridades.
Mancha de inundação
Em caso de rompimento, os rejeitos da B1-A atingiriam a BR-381 (Fernão Dias), uma das principais rodovias do país, ligando Belo Horizonte a São Paulo. Também chegariam até o reservatório Rio Manso, o maior da Região Metropolitana de BH, que abastece cerca de 3,5 milhões de pessoas.
Os dados estão disponíveis no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração, da ANM.
Criação de comitê
Diante do cenário, a administração municipal criou uma Comissão Estratégica Municipal (CEM) para acompanhar a situação. O grupo será composto pelo prefeito, pela Defesa Civil e por representantes das secretarias de Segurança Pública, Planejamento, Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Obras, Saúde, Procuradoria-Geral, Governo e Reparação. Segundo a prefeitura, todas as pastas estão de plantão para atuação imediata, caso necessário.
A evacuação preventiva das famílias que vivem na ZAS segue em andamento, de forma humanizada e com o suporte da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos estaduais e federais. Ainda segundo a administração, não há, até o momento, indícios de ruptura iminente, e todas as ações adotadas têm caráter preventivo, conforme prevê o Artigo 42 da Resolução ANM nº 95/2022.