Após ser denunciado por assédio moral e sexual contra uma servidora administrativa, o delegado regional de Curvelo, cidade da região Central de Minas Gerais, teve o seu afastamento do cargo publicado no Diário Oficial do Estado nesta quarta-feira (20/8). O delegado Henrique Cesar Falleiros é investigado pela Corregedoria da instituição após denúncias assédio sexual e moral contra a mulher, que ainda teria sido vítima de ameaças feitas pela esposa do delegado contra os filhos pequenos.
A reportagem de O TEMPO teve acesso ao depoimento da vítima, que foi ouvida pela delegada Alessandra Álvares Bueno após uma denúncia anônima ser enviada à Corregedoria. No documento, a mulher, que não será identificada, relata que atuava há mais de dez anos na Polícia Civil e que há cerca de três trabalhava junto do policial denunciado. Neste período, ela teria desenvolvido uma amizade, sendo que ela e o marido inclusive teriam passado a se encontrar com o delegado e sua esposa.
Entretanto, algum tempo depois, Falleiros teria passado a se aproximar muito dela no ambiente de trabalho, fazendo comentários incômodos, a chamando para ir em cafés e, até mesmo, a convidando para acompanhá-lo em viagens, situação em que ele teria chegado a dispensar a presença de um segundo agente da Polícia Civil que os acompanharia no trajeto.
"Durante as viagens e em outros momentos, sem contexto algum, em tom de brincadeira, ele (delegado) dizia 'O que vou fazer com você?'", detalhou a mulher no depoimento, onde ela relatou ainda que o superior sempre tecia elogios sobre sua "beleza e inteligência".
Um certo dia, a vítima teria chegado chorando no trabalho após discutir com o marido. Foi então que o delegado teria se aproveitado de sua fragilidade e, segundo a denúncia da mulher, abraçado e beijado a boca da servidora, o que teria sido imediatamente repelido por ela. Porém, a partir disso, "o clima" nunca mais teria sido o mesmo no ambiente de trabalho.
Os assédios morais, entretanto, teriam começado após ambos ficarem meses sem se ver, por causa das férias de ambos. Durante o período de descanso, Falleiros teria enviado uma mensagem para a mulher com um vídeo que dava a entender que estaria com saudades dela.
A mensagem em questão teria sido vista pela esposa do delegado, o que fez com que o agente chamasse a funcionária para conversar para relatar que foi colocado para fora de casa e que seu retorno estaria condicionado à saída dela da delegacia regional.
"(Ela) não concordou com a situação, uma vez que não poderia ser punida por um problema entre o delegado e sua esposa (...) o delegado sempre rebatia afirmando que era seu chefe e quem mandava nela era ele. Tal situação deixou a declarante com crise de ansiedade e que, por medo, sequer pediu licença médica", detalha o depoimento.
Esposa do delegado mandou foto dos filhos da vítima "enterrados"
Passado um tempo, a servidora da delegacia regional de Curvelo passou a receber ataques proferidos pela esposa do policial, incluindo ameaças veladas contra sua família. Segundo o relato à Corregedoria, a mulher e o marido dela teriam recebido mensagens da mulher do delegado em que ela afirmava que a vítima "tinha vários amantes na delegacia" e sugerindo que ele deveria matá-la.
Além disso, a mulher também recebeu uma foto de seus filhos enterrados na areia. A imagem, tirada por ela em uma praia, teria sido usada com "tom ameaçador", diante do contexto dos ataques recebidos pouco antes pelos pais dos meninos.
Procurada por O TEMPO, a defesa da servidora vítima de assédios, as advogadas Camila Augusta e Mariane Andréia Cardoso informaram, por nota, que irão se manifestar, por ora, apenas nos autos do processo, reforçando que confiam na "celeridade e seriedade da Justiça e da Corregedoria da Polícia Civil".
"De forma geral, é possível observar que em casos como esse, especialmente em que os crimes são praticados por pessoas poderosas, as vítimas se sentem, naturalmente, intimidadas. Então incentivamos que todas as vítimas tenham coragem para denunciar e implementar estratégias adequadas para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, afastando tentativas indevidas de interferência e/ou que levem à impunidade”, informaram as advogadas em nota.
A reportagem também tentou contato por telefone com o delegado regional, porém, nenhuma das ligações foram atendidas. O posicionamento do agente será incluído no texto assim que for recebido.
Casal está proibido de se aproximar ou mandar mensagens
Diante dos indícios apresentados no depoimento, após anuência da Corregedoria e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Justiça concedeu medidas protetivas à servidora administrativa. Com isso, Falleiros e sua esposa foram proibidos de se aproximarem a mais de 200 metros da mulher e de seus filhos.
O tribunal também determinou a proibição do casal de manter contato com a funcionária da delegacia "por qualquer meio de comunicação". "Intimem-se os requeridos do teor desta decisão, com urgência, advertindo-os de que o descumprimento da condição imposta acarretará a decretação de sua prisão preventiva", completou a juíza Rachel Cristina Silva Viégas, da Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Curvelo.
Procurada por O TEMPO, a Polícia Civil informou na terça-feira (19/8) que instaurou um procedimento disciplinar para apurar eventuais transgressões praticadas pelo delegado, e que "realiza todas as providências necessárias para garantir uma investigação célere e transparente".
"A instituição adota as medidas administrativas cabíveis visando garantir a segurança e a integridade da servidora envolvida. Diante da medida protetiva, os procedimentos cabíveis também serão adotados, com a devida notificação das partes", completou.
Lei Rafaella Drummond prevê demissão em casos de assédio
Em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou a chamada "Lei Rafaella Drummond", que tornou o assédio moral contra servidores públicos civis passível de demissão. A lei foi aprovada um ano e seis meses após a morte da escrivã que deu nome à legislação, encontrada morta aos 31 anos em Sá Forte, distrito de Antônio Carlos, no Campo das Vertentes. A policial civil suicidou após ser assediada sexualmente e moralmente pelo investigador Celso Trindade de Andrade na delegacia de Carandaí, Zona da Mata, onde ela trabalhava.
Questionada se a nova lei seria aplicada, a Polícia Civil informou apenas que denúncias sobre as práticas de atos que constituem assédio são "imediatamente investigadas pela Corregedoria-Geral de Polícia Civil (CGPC)", por meio de procedimentos disciplinares e criminais.
Além disso, a instituição alegou que conta, inclusive, com uma comissão que atua, especificamente, nas denúncias de assédio moral. "A instituição reforça o compromisso de respeito e valorização dos seus servidores, prezando por um ambiente de trabalho livre de todas as formas de assédio. Para tanto, promove campanhas permanentes de conscientização sobre o tema, divulga os canais de denúncia e investiga, com rigor, os casos noticiados pelos canais oficiais", completou.
Denúncias de assédio sexual e moral na Polícia Civil podem ser feitos por meio do Disque Ouvidoria (162), Disque Denúncia Unificado (181) e, ainda, no Setor de Atendimento às Partes (SAP) da Corregedoria-Geral, localizada na avenida João Pinheiro, 417, Boa Viagem, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.