Começa nesta terça-feira (26/8) o julgamento do casal de veterinários Marcelo Simões Dayrell e Francielle Fernanda Quirino dos Santos. O casal — que chegou a ser preso pela Polícia Civil — era proprietário da clínica Animed, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles foram denunciados, em 2019, por supostamente congelar animais mortos para continuar cobrando diárias na clínica e, até mesmo, de extrair sangue dos pets clandestinamente para vender

A audiência de instrução do caso está marcada para acontecer às 14h30 no Fórum de Nova Lima. O procedimento, que é considerado o pontapé inicial do julgamento, poderá durar vários dias segundo a defesa das vítimas. Isso porque a Justiça fará a oitiva de um grande número de testemunhas e tutores dos animais afetados pela clínica. 

O TEMPO conversou nesta segunda-feira (25/8) com o médico David Pires Barreto, morador da cidade de Lagoa da Prata, na região Central de Minas Gerais, que é um dos tutores de animais que denunciaram os maus tratos que teriam ocorrido na clínica Animed. Ele conta que sua cadelinha da raça Beagle, chamada Malu, foi atropelada na cidade e levada até a clínica de Nova Lima após indicação de terceiros. 

Após o pet passar por duas cirurgias no hospital veterinário da Grande BH, o tutor percebeu que o estado de saúde da cadelinha piorou gradativamente. "Os exames de sangue tinham sinais de hemorragia aguda e infecções e, apesar disso, ele insistia muito que precisava operar. Depois de uns dez a 12 dias internada, recebi uma ligação anônima no celular que dizia que eu estava sendo vítima de estelionato, que o veterinário tinha operado ela duas vezes e deixado parafusos soltos e queria abrir ela novamente", conta. 

Assustado, Barreto teria ligado para Dayrell e afirmado que ele estaria proibido de operar a Malu novamente, o que teria sido desrespeitado pelo veterinário, que fez a cirurgia na cadelinha supostamente para "corrigir" os erros médicos cometidos por ele. "Tirei ela da clínica e levei para outra, na Pampulha. Ela chorou muito no caminho e, depois, soube que ela estava com muita dor pois o veterinário a operou escondido de mim naquele dia. E, três dias depois, a Malu não resistiu e acabou morrendo na outra clínica", relembra o tutor. 

A reportagem procurou o advogado dos veterinários Marcelo Dayrell e Francielle Quirino, mas, até a publicação, ele ainda não se manifestou sobre o início do julgamento do casal. O posicionamento será incluído assim que for recebido. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também foi procurado, mas não respondeu sobre o início do julgamento do caso. 

Parte dos crimes prescreveram

Em março deste ano, uma decisão proferida pela 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude de Nova Lima extinguiu a "punibilidade dos réus" em uma série de crimes, que acabaram prescrevendo após quase seis anos sem definição da Justiça. O Código Penal prevê que crimes com pena máxima inferior a 2 anos deixam de valer após quatro anos sem julgamento. 

Com isso, o casal e outros oito suspeitos, além da clínica dos veterinários, conseguiram se livrar da acusação de 11 crimes de maus tratos; quatro crimes de infração de medida sanitária preventiva e 13 de exercício ilegal da arte farmacêutica. "Lamentavelmente, operou-se o instituto da prescrição, eis que, entre a data de todos os fatos acima mencionados e o efetivo recebimento da denúncia, transcorreu, conforme dito alhures, o prazo de quatro anos", escreveu a juíza juíza Anna Paula Vianna Franco em sua decisão. 

Entretanto, conforme a advogada de parte das vítimas, Renata Alves Passos, os réus ainda responderão por outros crimes mais graves que têm penas superiores, como estelionato e organização criminosa. Ainda segundo a defensora dos tutores, a extinção da punição só ocorreu porque os crimes aconteceram antes da Lei Sansão, criada pelo deputado federal Fred Costa (PRD) em 2020 e que elevou para 2 a 5 anos de prisão a pena para o crime de maus-tratos. 

Procurado, o deputado federal Fred Costa destacou que acompanhou o caso na época, auxiliando inclusive na coleta de provas para o caso. "É lamentável que profissionais que têm por função zelar, cuidar e salvar a vida dos animais, tenham sido protagonistas em um caso de maus-tratos. Quando você leva seu pet a um centro médico veterinário, espera que ali tenha um cuidado máximo com o seu animal. Praticar maus-tratos em um local desses é ainda mais grave do que o abominável crime praticado por qualquer cidadão", criticou, em março deste ano, o parlamentar.

Veterinários seguem atendendo em BH 

Apesar de terem sido presos na época da investigação e, até mesmo, chegarem a ser condenados pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), em 2021, atualmente o casal segue atuando em uma clínica veterinária localizada no bairro São Bento, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Segundo a advogada Renata Alves Passos, que representa algumas vítimas, eles não estariam cometendo nenhum crime por atenderem no local, uma vez que conseguiram recuperar os seus registros como veterinários.

"Mas a população tem o direito de saber a quem eles vão confiar os seus animais de estimação. Digo isso pois eles estão atendendo com nomes diferentes dos que usavam na época dos crimes", argumenta. Os veterinários, que eram conhecidos como Marcelo Dayrell e Francielle Quirino, agora estariam atendendo no local sob os nomes de Marcelo Simões e Fernanda Quirino.

Procurado em março deste ano,  o advogado Frederico Thadeu Torres, que representa os veterinários, afirmou em nota que, recentemente, o CRMV analisou parte das denúncias e entendeu que não havia qualquer empecilho para atuação deles. "O Conselho Regional de Medicina Veterinária analisou algumas dessas denúncias (...) e entendeu que não há qualquer empecilho para que Marcelo e Francielle continuem a ter o direito de trabalhar e exercer com orgulho a honrosa profissão de médicos veterinários", argumentou.