“A literatura tem o poder de abrir horizontes, despertar consciências e reconstruir trajetórias”, afirma o livro Bullying social e as reinserções, lançado na tarde dessa sexta-feira (5/9) por detentos do Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP), em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A obra integra a nona edição do projeto Mentes Literárias – da Magia dos Livros à Arte da Escrita, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aposta na leitura e na escrita como caminhos para a reintegração social. O evento contou com a presença de autoridades, professores e familiares, e foi marcado pela entrega simbólica dos livros e pelos autógrafos dos 30 autores. 

No total, 60 detentos participaram da iniciativa, sendo metade em rodas de leitura e metade na escrita de duas obras autorais: Resgate familiar e prisão e Bullying social e reinserção. O projeto também garante remição de pena pela leitura, conforme a Resolução 391/2021 do CNJ. O realizador do projeto, conselheiro do CNJ e desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), José Edivaldo Rotondano, destacou que a proposta ajuda a romper preconceitos. “O fato de alguém estar preso já é um estigma. Queremos mostrar que essas pessoas têm direito à educação, ao trabalho e à cultura. A pena já é suficiente, não pode haver desumanização”, explicou. 

Segundo o professor Everaldo Carvalho, responsável pelas rodas de leitura, a educação é a chave para transformação dentro e fora do cárcere. “Quando eles percebem que a leitura abre possibilidades, entendem que podem trilhar outros caminhos. O livro é uma ferramenta de ressignificação de histórias”, afirmou. Em um dos momentos mais simbólicos do encontro, ao ver os presos entrarem sem algemas, o professor perguntou: “Quem tirou a algema de vocês?”. A resposta foi imediata: “A educação”. 

Para os familiares, o lançamento foi um momento de emoção e orgulho. Rosinei Dias, de 58 anos, mãe de um dos autores, disse estar feliz e emocionada pelo filho estar trilhando esse novo caminho.  “Eu estou doente, mas por dentro meu coração está batendo por ver meu filho desse jeito. Ele já me contou um pedacinho do livro, com lembranças da infância, e estou ansiosa para ler. Para mim, ele é um vencedor”, contou a mãe de Jackson Felipe de Souza, de 36 anos. 

A juíza Bárbara Nardy, da comarca de Ribeirão das Neves, reforçou que a reintegração precisa ser trabalhada desde o início do cumprimento da pena. “A porta de saída deve ser construída desde o primeiro dia na prisão. A literatura amplia a mente e mostra que é possível escolher outros caminhos”, disse. 

O editor dos livros, Alex Giostri, responsável por acompanhar os escritos, destacou o impacto humano da experiência. “Todo dia me marca. Se um dia, (esse  trabalho) deixar de me marcar, não posso mais ficar. O sistema prisional tem a característica cultural de coisificar pessoas. Quem trabalha aqui não pode normalizar isso. Se normalizar, perde a empatia”, afirmou. 

Entre os relatos dos detentos, a escrita apareceu como forma de reconexão com a família. Henrique Rodrigues, de 35 anos, um dos autores, contou que utilizou o texto para resgatar a relação com as filhas. “No começo, dissemos a elas que eu estava viajando a trabalho. Mas com o tempo, a saudade se transformou em perguntas e lágrimas. Quando soube disso, meu coração se quebrou. Percebi que não adiantava elas saberem que tinham pai sem a minha presença”, relatou. 

Ele também agradeceu o acolhimento recebido no projeto. “O olhar direto, o gesto de apertar as mãos e a sinceridade dos educadores fizeram diferença. Isso é uma maneira de eu honrar minha família, minhas filhas e minha esposa. Só tenho a agradecer”, afirmou. 

O encerramento ficou por conta do jornalista Cláudio Silva, que também já esteve preso e disse ter encontrado na leitura a chave para sua transformação. Durante o período em que cumpriu pena, dedicou-se a ler a todos os livros disponíveis na unidade. Quando a biblioteca se esgotou, leu a Bíblia três vezes e até o dicionário. “Entendi que lá fora eu precisava ser alguém educado o suficiente para conversar com qualquer um, independentemente da minha cor, raça ou condição financeira. A educação abre e fecha qualquer porta em qualquer lugar”, afirmou. 

Hoje, já formado e atuando como jornalista, teólogo e empresário, Cláudio reforça que a literatura foi essencial para reescrever sua história. “O caminho que vocês escolheram é o melhor possível, porque, de fato, a educação liberta”, concluiu.