Família acolhedora

Ação garante lar temporário para crianças e adolescentes em BH

Desafio é recrutar mais voluntários e dar maior agilidade ao processo

Por Pedro Nascimento
Publicado em 21 de julho de 2021 | 08:46
 
 
 
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 A chegada de dois irmãos, de 5 e 2 anos, ao apartamento da Camila Rosa, 30, e do marido Dionatan Marques, 33, que vivem na região do Barreiro, em Belo Horizonte, encheu o lar de alegria e esperança. A dupla, que está há três meses vivendo com eles, aos poucos se ambienta com a casa nova, onde fazem companhia aos filhos do casal, de 12 e 6 anos.

“O desejo surgiu da vontade de poder fazer o bem, de fazer diferente e fazer a diferença”, explica Dionatan. Mas não se trata de uma adoção, apenas um lar temporário, até que as crianças encontrem um destino definitivo. O casal e os irmãos fazem parte do programa Família Acolhedora, promovido pela Providens, ação social da Arquidiocese de BH, em parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

O serviço oferece acolhimento familiar temporário a crianças e adolescentes que foram afastados de suas casas por medida de proteção. Geralmente, são vítimas de abuso, violência ou mesmo de abandono. A iniciativa funciona em Belo Horizonte desde 2009 e tem como premissa o atendimento em ambiente familiar, garantindo uma convivência longe dos abrigos até que a criança ou o adolescente possa retornar à sua família de origem ou casa de avós, tios ou outros parentes ou ainda seja encaminhado à adoção.

Pelo Estatuto da Criança do Adolescente (ECA), esse destino deveria ser o principal caminho após a retirada da criança do lar, mas, por falta de famílias cadastradas e pela dificuldade de encaixar o perfil da criança com o lar para onde será levado, a maioria acaba ficando em abrigos. Ao todo, segundo a Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, há 70 famílias aptas a participar do programa atualmente, e 39 crianças e adolescentes em acolhimento. Mas ainda, na capital, são 359 menores em abrigos.

A coordenadora do programa na Subsecretaria de Assistência Social da Prefeitura de BH, Valéria Cardoso, acredita que o número de voluntários não é baixo, considerando que, em outras capitais do país, esse serviço nem sequer existe, mas revela que a pandemia impôs dificuldades para o recrutamento de novos participantes. “Hoje temos uma fila de 40 famílias que querem participar, mas, por conta da pandemia, os processos acabaram sofrendo alterações e precisaram migrar para o online”, disse.

Dionatan e Carol participam desde 2017 e estão no segundo acolhimento. Na primeira vez, eles receberam uma bebê de apenas 1 ano, que foi adotada por outro casal após 12 meses de convívio. “Foi tudo muito novo, não sabíamos muito sobre a criança, e a família toda se mobilizou tentando acolhêla de verdade”, explica Dionatan. “Era uma criança bem nova, mas que já tinha sua bagagem, então a gente teve que trazê-la para o nosso cotidiano, mas sempre permitindo que ela nos trouxesse um pouco da sua rotina dela, com relação ao que gosta e o que não gosta”, completa.

Cortar laços afetivos é o mais difícil

Participar do Família Acolhedora não é tarefa simples. Além de uma estrutura adequada para receber as crianças, os inscritos passam por um processo de capacitação de dez etapas, que inclui visitas e conversas com psicólogos. Mesmo após a aprovação, eles ainda são acompanhados semanalmente pelas equipes que cuidam do programa. Mas o principal desafio, segundo a coordenadora do programa na Prefeitura de BH, Valéria Cardoso, é encontrar pessoas que estejam dispostas a cortar o vínculo afetivo ao fim do acolhimento.

“Todo o trabalho é focado no retorno às famílias de origem dessas crianças. E muitas vezes, cortar esse laço é algo que as pessoas simplesmente não conseguem, por isso algumas famílias deixam o programa após passar pelo primeiro acolhimento”, conta a coordenadora. (PN)

Minientrevista

José H. Rezende, juiz titular da Vara de Infância e da Juventude de Belo Horizonte 

Hoje, como funciona o encaminhamento dessas crianças para o Família Acolhedora?

Em Belo Horizonte, nós temos um certo cuidado ao fazer esse encaminhamento, pois existem muitas nuances que podem afetar a criança. A nossa prática é de encaminhar crianças com idade a partir de 6 anos, pois ali já existe uma maturidade emocional mais estabelecida para entender que esse não é um destino definitivo. Um bebê, por exemplo, vai associar quem estiver por perto como mãe e pai, e cortar esse laço pode ser prejudicial.

E quais as exceções?

Quando não há perspectiva de uma solução imediata ou em situações de abandono, por exemplo, em que não há como fazer essa volta para a família de origem ou extensiva, aí sim podemos acolher nas famílias temporárias crianças mais novas e bebês, mas para isso devemos ter o cuidado sobre como anda esse processo de desvinculação familiar na Justiça.

E qual o principal desafio do programa nos dias de hoje?

Celeridade. Num cenário ideal, a criança ficaria pouco tempo na família acolhedora, e menos tempo ainda institucionalizada. Esse tempo célere é importante até para evitar a criação de vínculos. 

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