Denúncias

Adolescentes são vítimas de transfobia em unidades socioeducativas de Minas

Audiência pública sobre o assunto foi realizada nesta sexta-feira (21), em Belo Horizonte

Por Rayllan Oliveira
Publicado em 21 de outubro de 2022 | 16:17
 
 
 
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Adolescentes que foram impedidos de acessar os serviços públicos de saúde e que se tornaram vítimas de transfobia nas unidades do sistema socioeducacional do Estado foram tema de uma audiência pública realizada nesta sexta-feira (21), em Belo Horizonte. A denúncia aponta que os servidores públicos que atuam nestas unidades teriam sido orientados a não encaminhar aos adolescentes transgêneros para o serviço ambulatorial do Hospital João Paulo II, que é referência nesta faixa etária. A audiência reuniu representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), da Subsecretaria de Estado de Atendimento Socieducativo (Suase) e de familiares das vítimas.

"A gente tem relatos de pessoas que se reconhecem como meninas trans, foram colocadas em unidades masculinas e foram submetidas a casos de violência sexual", contou o defensor público Paulo Cesar Azevedo. O defensor sugeriu ainda o reconhecimento da autodeclaração, o nome social, quando chegam às unidades e a capacitação dos profissionais.

A investigação apura também casos de violência psicológica. Conforme relatos, as vítimas foram constrangidas e orientadas por esses servidores a negarem ou a ocultar a transgeneridade. "A gente precisa levar a sério essas denúncias. Não é dúvida para ninguém que a vida de uma pessoa encarcerada é marcada por violências. Ela está privada de liberdade e a partir disso de uma série de outros direitos", completou a promotora de Justiça Mônica Sofia Pinto Henriques da Silva.

As denúncia chegaram a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) em julho deste ano. Em setembro, a DPMG, junto a Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva e a Coordenadoria Estratégica de Defesa e Promoção dos Direitos das Crianças e Adolescentes, instaurou um procedimento para apurar os relatos de violações e de transfobia. O processo é reconhecido como Procedimento Administrativo de Tutela Coletiva (PTAC). Os trabalhos são conduzidos pelo Juízo da Vara Infracional e da Juventude de Belo Horizonte, com acompanhamento da Defensoria Pública.

"Enquanto tenha a privação de liberdade, é preciso que tenha o direito à dignidade. É preciso que tudo seja feito pensando para aquele lugar. Os adolescentes precisam enxergar outra coisa diferente a morte e a prisão", disse Cristiane de Freitas Cunha Grillo, professora do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Grillo sugere uma mudança completa no modelo do sistema socioeducacional. "É preciso ir além, ter um plano ao desencarceramento. O fim da privação de liberdade. O que nós presenciamos hoje, muitas vezes desrespeita o ECA e assemelha à tortura ", exemplificou.

Além de esclarecimentos sobre as denúncias, a audiência pública foi realizada com o objetivo de definir estratégias para a solução das demandas e dos problemas já identificados. "Isso precisa ser debatido. A gente percebe na fala comum uma desconsideração do adolescente. É comum que as pessoas falem, por exemplo, que aos 18 anos ele decide quem ele é. E não é assim, o fato de serem adolescentes não tira direitos. Crianças e adolescentes têm direitos de participação e precisam ser ouvidas", pontuou a Coordenadora dos Direitos das Crianças e Adolescentes da DPMG, Daniele Bellettato Nesrala.

Durante a audiência, um adolescente de um dos centros socioeducativos de Belo Horizonte manifestou sua indignação quando ao procedimento de revista íntima. "Não é necessário a gente ter que ficar agachando. Isso é constrangedor", disse. O adolescente sugeriu o uso da tecnologia para substituir o procedimento atual. "Acho que assim dá pra levar", completou. A sugestão foi completada no depoimento de outra adolescente, essa da  unidade São Jerônimo, no bairro Horto, na região Leste da capital. "A gente precisa de mais tecnologias, temos tantas por aí", apontou.

A audiência foi a primeira de uma série de reuniões que deverão ocorrer durante todo o andamento da investigação. A expectativa do promotor de Justiça e coordenador de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação, Allender Barreto Lima da Silva, é de que estes encontros ajudem a desenvolver um modelo eficaz na capital e que este possa ser implementado posteriormente em outros cidades mineiras. "A gente pensa em fazer as adequações aqui e fomentar um política pública adequada no socioeducativo para, quem sabe, reproduzir isso em Minas Gerais", disse.

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