Belo Horizonte registrou alagamentos em cinco avenidas durante o último período chuvoso de 2023/2024 – que abrange outubro a março. No entanto, o número representa uma redução de 77% nas ocorrências de inundações comparado ao período chuvoso anterior (2022/2023), quando 22 alagamentos foram registrados na capital. Conhecidas pelos alagamentos em momentos de chuvas fortes, as avenidas Vilarinho, na região de Venda Nova, e Tereza Cristina, na região Oeste, não registraram casos extremos durante o período. Os dados foram divulgados pela prefeitura na manhã desta quinta-feira (11 de abril), que garante ainda novas obras para diminuir ainda mais as enchentes.

As ocorrências registradas pela prefeitura ocorreram nas avenidas Heráclito Mourão de Miranda (2), na região da Pampulha, Prudente de Morais, na região Centro-Sul, Vilarinho, em Venda Nova, e Tereza Cristina, na região Oeste. Além disso, também houve redução no número de bloqueios de vias, que passou de 42 no último período chuvoso para 13, entre outubro do ano passado e março de 2024. Segundo a PBH, os dados refletem um trabalho contínuo, que envolve investimentos em grandes obras de contenção de enchentes, intervenções em áreas de risco geológico e trabalhos de zeladoria. 

"A resiliência da cidade não está restrita a ações isoladas. Temos ações de limpeza urbana, intervenções nas vias públicas, manutenção de sistemas de drenagem, limpezas de córregos e galerias, ações de sinalização de trânsito e intervenção e bloqueios de vias em situação de risco. Essa atuação conjunta ressalta um fator que é muito importante, que é a ação sistêmica e a gestão do risco de desastres", afirmou o subsecretário de proteção e Defesa Civil de Belo Horizonte, coronel Waldir Figueiredo. 

Foram 81 dias com chuvas entre outubro e março deste ano, com um volume médio de 1.514 milímetros de água. A Defesa Civil destaca 24 eventos extremos, que é quando o volume de chuva ultrapassa os 70 milímetros em um período de 24 horas. As ocorrências de maior destaque envolveram o córrego Ferrugem, na divisa de Belo Horizonte e Contagem, onde caíram 109,2 milímetros em 1° de janeiro deste ano e 108,6 milímetros em 20 de março. 

Segundo balanço da administração municipal, a capital não registrou mortes ou desabrigados. Ao todo, 232 pessoas ficaram desalojadas — quando a pessoa é obrigada a abandonar, temporária ou definitivamente, sua habitação. "Essas mil famílias foram mapeadas pela Urbel, que tem métodos próprios de monitoramento. Geralmente, pessoas em áreas de alto risco são retiradas dessas áreas, para que seja feita uma intervenção ou um reparo no imóvel para diminuir o risco", afirma Waldir Figueiredo.

Também houve queda de 28% no número de atendimentos da Defesa Civil. Conforme os dados, ao todo, foram 2.641 atendimentos no período chuvoso. A maior parte das ocorrências estavam relacionadas à vistorias em imóveis particulares nas regionais Pampulha, Centro-Sul e Venda Nova. 

Obras impedem inundações e trazem 'alívio' para moradores

Conhecidas pelos alagamentos em momentos de chuvas fortes, as avenidas Vilarinho, na região de Venda Nova, e Tereza Cristina, na região Oeste, de Belo Horizonte, passaram ilesas pelo período chuvoso 2023/2024 em Belo Horizonte. Nenhuma grande enchente foi registrada nas duas vias de outubro de 2023 até 31 de março deste ano. Ambas as vias foram alvos de obras de contenção de água das chuvas. No caso da avenida Vilarinho, a obra já está totalmente concluída. Já na avenida Tereza Cristina, a bacia B5 ainda está em fase de acabamento, mas já está em operação.

Quem frequenta a avenida Vilarinho, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, reconhece que a situação está melhor do que em outros tempos. Apesar de ainda sofrerem com alagamentos, comerciantes e moradores admitem que a situação já esteve pior, com perda de pertences e situações de risco de vida. A costureira Claudia Márcia, de 56 anos, mora há 40 anos às margens da avenida Vilarinho, bem perto de onde foi construída a bacia de contenção, no encontro com a avenida Pedro I. A mulher já vivenciou diversas enchentes na região. Em uma delas, em 1998, relembra, viveu momentos de pânico.

"Eu estava com meu pai acamado. E a água começou a subir muito rápido. Tivemos que sair pela janela, pois não tinha como abrir a porta. As moças da padaria vieram me ajudar a retirá-lo", relata. Na ocasião, ela lembra que chegou a perder tudo que tinha em casa. "Geladeira, fogão, cama, os remédios do meu pai, tudo por água abaixo", lamenta.

Após ter ficado presa em casa devido às inundações, Claudia diz que a última enchente que de fato causou danos mais sérios foi em 2019. Apesar de afirmar que ainda há alagamentos no local, ela admite que a situação melhorou com a bacia de contenção na avenida Vilarinho. "Antes a água subia dois metros. Hoje, sobe só um", resume.

Às margens da avenida Vilarinho também está a loja de materiais de construção da empresária Amanda Paula Vieira, de 45 anos. Ela tem o comércio no local há 30 anos e também admite alívio com a redução na quantidade de inundações na região. A mulher conta que, por causa das enchentes, já teve a loja invadida pela água. "Teve uma vez em que a água subiu bastante, e a porta de contenção não segurou. A gente perdeu uns R$ 15 mil. Tem uns dois anos. Dentro da loja, ficou um metro (altura da água). Mas aqui fora, chegou a 1,80m", recorda.

Mesmo com o alívio, Amanda ainda se queixa de alguns alagamentos que tem no local, quando a bacia de contenção da Vilarinho transborda. A expectativa da mulher é que as outras obras na região (Bacia Vilarinho 2 e Lagoa do Nado) acabem de vez com o problema. "Ainda inunda. Há dois meses, a gente teve aqui uma inundação em que a água chegou a meio metro. Se essas obras estivessem concluídas, com certeza não teria mais (alagamento)", afirma.

A mesma esperança é compartilhada pelo comerciante Cláudio Augusto da Silva, de 64 anos. Proprietário de um topa-tudo que fica praticamente na esquina com a avenida Vilarinho, o homem já teve toda a sua loja devastada por uma enchente que atingiu o local. "Foi há uns três anos atrás. Eu cheguei aqui de madrugada. A loja estava totalmente vazia e foi vigiada pelos clientes. A água chegou a uns dois metros dentro da loja. Meus bolsões, minhas caixas de isopor, foram parar na estação (Vilarinho). Minhas televisões ficaram estragadas. Perdi muitas", recorda.

O homem comemora a redução das enchentes no local e afirma que, além das obras, um fator climático que ele percebeu pode ter ajudado. "Pelo que eu vi, está chovendo menos aqui", ressalta

Redução das inundações pode estar ligada ao volume das chuvas, avalia engenheiro 

O alívio na queda de 77% no número de alagamentos na capital pode estar relacionado, no entanto, ao menor volume de chuva que atingiu Belo Horizonte quando comparados os últimos dois anos. O engenheiro e pesquisador em recursos hídricos da UFMG, Deyvid Rosa, calculou que, entre outubro de 2023 e março de 2024, uma acumulado de chuva de 1.290 mm de água atingiu a região Centro-Sul. Já no mesmo período de 2022/2023, o volume de água foi de 1.571 mm. “Ou seja, em termos de precipitação total, choveu 18% menos nesta estação localizada na regional Centro-Sul”, informou, usando dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). 

A comparação também vale para eventos de chuvas intensas. Neste período chuvoso, Belo Horizonte teve sete dias com mais de 40 mm de chuva (considerada forte). No último monitoramento, foram 11 dias. O cientista avalia que os dados da quantidade de precipitações deveriam ter sido considerados pela prefeitura. “Há um indicativo geral de que choveu menos no último período chuvoso que acabou de terminar. É preciso considerar essa diferença de volume de água e de eventos intensos para dizer se houve redução real na ocorrência de inundações”, avaliou Rosa.

Especialista defende trabalho contínuo 

Para o arquiteto e urbanista Sérgio Myssior a redução no número de vias alagadas em Belo Horizonte é resultado de uma abordagem integrada adotada pela prefeitura. “Estudos mundiais e da própria PBH indicam que haverá aumento de frequência nos eventos climáticos, com chuvas mais fortes e concentradas. Diante disso, percebo que o poder público tem se dedicado a tratar o problema das chuvas de uma forma mais articulada, com frente em estrutura, aumentando dispositivos de macrodrenagem e microdrenagem, distribuídos em todo o perímetro urbano. Associado a isso está a limpeza urbana e as ações em áreas de risco e encostas”, avalia. 

Myssior ressalta, no entanto, que a ocorrência de cinco alagamentos mostra que ainda há trabalho a ser feito. “Não significa que está tudo maravilhoso, mostra que a PBH entendeu que precisa de um trabalho conjunto de políticas urbanas, meio ambiente, estrutura e defesa civil. Uma articulação que está dando resultado, mas muito ainda precisa ser feito. O descarte de resíduos urbanos é algo que ainda precisa ser pensado para evitar que chuvas arrastem sacos de lixos para bueiros e causem entupimento e, em seguida, enchentes”, pontua. 

O especialista defende ainda trabalho contínuo independente da gestão pública em exercício. “Não existe solução imediata, o caminho é jornada de ações de curto, médio e longo prazo. Isso tem que ser seguido independente da gestão pública, porque o tempo de exercício é menor do que o tempo necessário para isso. A melhor estratégia é garantir que as ações conjuntas tenham continuidade independente da administração pública. Essas mudanças de gestão não deveriam impactar nisso. Outra questão é envolver a população no dia a dia do planejamento, fiscalização e monitoramento de ações”, finaliza.