Engana-se quem pensa que a única vítima do suicídio é a pessoa que, diante de um sofrimento intenso, decide dar fim à própria vida. Quem conheceu um suicida nos últimos 12 meses tem até 3,7 vezes mais chances de cometer autoextermínio do que um indivíduo que não perdeu ninguém dessa maneira. O dado, de um estudo realizado nos Estados Unidos pelos pesquisadores Alex Crosby e Jeffrey Sacks, reforça a necessidade de acolher os “sobreviventes de suicídio”, termo adotado por especialistas para descrever quem luta contra a dor da ausência de quem se matou.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, a pesquisadora Julie Cerel, da Universidade de Kentucky (EUA), descobriu que cada caso de autoextermínio impacta até 135 pessoas, entre familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho e conhecidos. Isso quer dizer que, diante dos 2.027 suicídios notificados no ano passado em Minas, 273.645 pessoas podem ter sofrido algum dano psicológico.
“Cuidar dos enlutados também é uma forma de prevenir o suicídio”, garante a psicóloga Vívian Zicker, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio (Abeps) e mediadora do Grupo de Apoio a Enlutados por Suicídio (Gaes), projeto de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG.
Ela esclarece que o luto por suicídio desperta sentimentos que uma perda por morte natural e até por acidente não é capaz de provocar. “Familiares e amigos ficam em frangalhos, sentem vergonha, raiva, culpa. São cercados de ‘porquês’. Questionam: ‘E se eu tivesse percebido?’, ‘E se eu tivesse ajudado?’. Como é um assunto muito estigmatizado, o luto é cercado de culpa”, detalha.
A especialista salienta que a busca por acolhimento e acompanhamento psicológico pode ser o melhor caminho para se livrar da culpa e passar a sentir apenas saudade de quem partiu. Foi o que fez o agitador cultural Túlio Damascena, de 45 anos, ao perder o filho Sartre, que tirou a própria vida aos 17. Atualmente, ele participa de reuniões semanais do grupo de apoio mediado por Vívian.
“Foi um trauma muito grande, pesadíssimo. Tive acompanhamento psicológico por muito tempo. Buscar apoio dos amigos e familiares foi importante. Mas a primeira coisa a fazer é se perdoar”, aconselha.
Suicídios estão ligados a transtornos mentais
O primeiro passo para lidar com o luto pelo suicídio é entender que a pessoa não tirou a própria vida simplesmente porque quis. “Ninguém em situação de bem-estar acorda em um dia e decide se matar. Todo suicídio está ligado a um transtorno mental. Quem suicidou estava doente. Costumo dizer que é como um câncer que deu metástase. A doença se espalhou a ponto de a pessoa não ter escolha”, esclarece a psicóloga Vívian Zicker.
Esse entendimento ajudou o agitador cultural Túlio Damascena, de 45 anos, a enfrentar o luto pelo suicídio do filho, de 17. “O suicídio é multifatorial, então não tem um único caminho. Sartre morreu porque ele estava doente, e a doença dele era a depressão. Ele queria acabar com a dor que ele estava sentindo”, comenta.
CVV disponibiliza apoio
Em 2022, o Centro de Valorização da Vida (CVV) registrou 461,9 mil telefonemas de Minas – média de 1.265 chamadas por dia. O serviço de apoio emocional e prevenção ao suicídio é grátis, feito pelo 188. Segundo o voluntário do serviço Luiz Augusto Souza, falar com alguém sobre o que se sente pode ajudar a aliviar a dor. “É uma oportunidade de reflexão e de pensar em alternativas”.