Pouco mais de seis meses desde a tragédia que matou 248 pessoas e destruiu a vida de grande parte dos moradores de Brumadinho, na região metropolitana da capital, com o rompimento da barragem de minério da Vale na mina de Córrego de Feijão há quem queira se aproveitar da situação. Estimativas da Polícia Civil apontam que, desde janeiro, houve uma corrida de pelo menos 5.000 “novos” moradores para a cidade. Em 2018, a cidade tinha uma estimativa de pouco menos de 40 mil habitantes. 

A “nova população” é formada, muitas vezes, por pessoas interessadas nas ajudas emergenciais e indenizações pagas pela tragédia, mesmo que não tenham sido afetadas. 

A revelação foi feita ontem pela delegada titular da cidade, Ana Paula Gontijo, ao detalhar a maior tentativa de golpe já registrada até o momento – um vereador da vizinha Mário Campos e o irmão dele foram presos suspeitos de tentar receber da Vale uma indenização de R$ 800 mil como se fossem vítimas pelo rompimento. Josimar Silva Cardoso (PDT), 29, conhecido como Preto do Bela Vista, se passou por arrendatário de um sítio na região e ainda pleiteou a ajuda emergencial mensal de um salário mínimo como morador. 

“Os casos de estelionato aumentaram demais na cidade. A população aumentou em 5.000 pessoas depois do rompimento. Aliás, tudo em Brumadinho aumentou. Desde transferência de veículos, pedidos de transferência de título de eleitor, de apartamento e emissão de carteira de identidade. Até as infrações de trânsito aumentaram. As pessoas acham que vai ser fácil conseguir (indenização) e não vão ser descobertas. Falsificam contratos, declarações”, disse a delegada. 

De acordo com a Polícia Civil, até o momento, 81 pessoas estão no alvo de investigações pelo crime de estelionato. Dessas, 31 foram presas em flagrante, e outras 50 pessoas continuam investigadas por possíveis tentativas de fraudes nos auxílios pagos pela Vale. Até ontem, 22 vítimas não tinham sido encontradas no que restou da mina.

Entre as artimanhas dos aproveitadores há um caso especial. Uma mulher inventou que teve uma filha levada pela lama, mas acabou descoberta porque errou várias vezes a grafia do nome da criança. Em outro golpe, 12 famílias alegavam viver na mesma residência quando, na verdade, apenas uma pessoa residia no imóvel. 

O maior desfalque, até então, aconteceu em março quando a candidata a deputada distrital em Brasília Ana Maria Vieira Santiago, de 57 anos, foi presa pela Polícia Civil depois de ter requisitado dois auxílios à Vale alegando ser detentora de uma propriedade em Brumadinho, no bairro Parque da Cachoeira, destruído pela lama. Ela chegou a receber R$ 65 mil de doação da Vale e estava hospedada em um hotel pago pela empresa.

Outro lado.
Investigação. Procurada, a Vale informou que não comenta investigações de possíveis fraudes. A Prefeitura de Brumadinho também não quis comentar sobre o aumento da população. 

Segunda chance

Arrependidos. De acordo com a delegada Ana Paula Gontijo, a Vale abriu canal para que pessoas que se arrependeram de aplicar algum golpe devolvam os recursos. Ela diz que, com esse ato, penas podem ser atenuadas e a prisão em flagrante eliminada. Uma condenação por estelionato pode levar a 5 anos de reclusão e multa. 

Minoria. O promotor do Ministério Público André Starling afirma que os casos de fraude são minoria. “Em todo lugar existe fraude, até na Previdência. Não é por isso que não deva existir os pagamentos emergencias e as indenizações”. 

Mentira de parlamentar foi revelada

Segundo a Polícia Civil, o vereador de Mário Campos, Josimar Silva Cardoso (PDT), 29, conhecido como Preto do Bela Vista, e o irmão dele Wellington Silva Cardoso se juntaram para dar o golpe. O parlamentar disse ter arrendado um terreno para produzir hortaliças em Brumadinho, mas sua intenção, de acordo com a investigação, era receber indenização de R$ 800 mil da Vale, além do pagamento emergencial mensal de um salário mínimo. 

As investigações apontam que, no pedido de indenização, o vereador disse ter contrato de trabalho com o irmão e que pagaria a ele R$ 100 por dia. O documento foi apresentado no dia 5 de janeiro. Mas a polícia verificou que, na data, Wellington estava preso e só foi solto três dias depois.

O diretório mineiro do PDT, partido do vereador, emitiu uma nota condenando a atitude de Josimar. A sigla informou que serão tomadas medidas para que ele seja afastado.