Combate à fome

'As pessoas precisam comer todos os dias', diz ONG sobre vales de R$ 100

Associação Brasileira de Supermercados (Abras) anunciou campanha de doação de cartões de compra a populações vulneráveis

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 20 de abril de 2021 | 16:51
 
 
 
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Nesta quarta-feira, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) anunciou que reunirá doações para distribuir cartões de R$ 100 reais para pessoas em situação de vulnerabilidade social. É um valor singelo, mas que pode ajudar, na perspectiva de ONGs que apoiam o projeto e pessoas que têm passado por dificuldades para colocar comida na mesa.

Para Valéria de Oliveira, 50, moradora do aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, receber R$ 100, “ou qualquer quantia”, como diz, ajudaria a segurar as pontas em casa. A família da faxineira tem se virado com duas cestas básicas, entregues pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) mensalmente, e com o dinheiro de eventuais bicos de Valéria e do esposo, que era segurança autônomo e perdeu o trabalho. Antes da pandemia, ela fazia faxinas de segunda a sexta-feira, mas, agora, fica semanas sem trabalhar, já que apenas duas de suas antigas empregadoras a mantiveram trabalhando alguns dias por mês. Em um mês habitual, Valéria levanta R$ 300. 

“Recebo as cestas da prefeitura porque minhas duas meninas, de 11 e 13 anos, estudam na rede municipal. As cestas ajudam, é lógico, mas não são suficientes, porque criança come verdura, biscoito, fruta, legume. De vez em quando, minhas patroas me dão algum alimento, um arroz, uma carne que sobrou. Elas são aposentadas, têm salário fixo, só que as coisas no supermercado subiram demais”, conta Valéria. A maioria de suas empregadoras antigas era idosa, porém, mesmo com a vacinação entre o grupo avançando, os trabalhos não voltaram.

Além de cuidar da família em casa, Valéria ainda precisa ajudar a mãe, de 79 anos, que mora próximo a ela, vive com um salário mínimo e paga aluguel. “Eu graças a Deus não pago aluguel, moro num barracão aqui. Mas há um ano não pago água nem luz”, relata. 

Em todo o Brasil, cerca de 25,3 milhões de lares vivem em situação de insegurança alimentar, ou seja, não têm acesso pleno a comida em quantidade e qualidade o suficiente sem comprometer outros gastos. Dessas famílias, 3,1 milhões estão em situação de insegurança grave, isto é, dormem passando fome. Em Minas, a insegurança alimentar atinge 2,2 milhões de lares e 230 mil estão em insegurança grave, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A informação, a mais recente do instituto, corresponde ao cenário de até 2018, mas há indícios de que a situação piorou durante a pandemia. 

“É muito capaz que o dado (do IBGE) tenha mais que duplicado, com a pandemia. Imagine só ter alimentos para comer nos próximos dois, três dias”, pontua o oficial do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) das Nações Unidas, Igor Carneiro, que apoia a iniciativa da Abras.  Um levantamento do Instituto Data Favela, em parceria com a Locomotiva – Pesquisa e Estratégia – e com a Central Única das Favelas (Cufa), por exemplo, revela que quase 70% dos moradores de aglomerados não têm dinheiro para comprar comida durante a crise sanitária. 

Para a fundadora da associação cultural A Rebeldia, Danusa Carvalho, que atua no Aglomerado da Serra e na ONG Ação da Cidadania, o dinheiro virá em boa hora às famílias que mais precisam, contudo a logística do projeto ainda precisa ser afinada. “É uma atitude muito relevante. Mas a minha pergunta é se os supermercados vão fazer promoção de produtos para quem tem o cartão, porque apresentar esse cartão no caixa deve ser diferente do que eu apresentar meu, por exemplo”, diz. 

“É possível resolver o problema da fome no Brasil. Em 2014, saímos do mapa da fome, mas precisamos de menos de quatro anos para retornar a ele. A fome existia antes da pandemia e vai continuar existindo depois, por isso a ação de combate tem que ser contínua. A solução para a fome é emprego, oportunidade, educação e saúde, mas enquanto isso não chega, e todos nós, brasileiros, sabemos como isso demora a chegar, especialmente para as populações mais vulneráveis, as pessoas precisam comer todos os dias”, elabora o CEO da ONG Ação da Cidadania, Rodrigo "Kiko"​ Afonso, outro parceiro do programa da associação de supermercados.

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