Oito votos favoráveis e quatro contrários. O placar da votação da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho de Política Ambiental (Copam), que deu o aval para a instalação da Tamisa S.A. na serra do Curral, levantou questionamentos sobre a isonomia do processo de análise da viabilidade de empreendimentos no Estado. 
 
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) garante que é respeitada a paridade entre poder público e sociedade civil. Mas, na prática, dos 12 participantes, quatro são ligados ao governo do Estado, dois ao governo federal e dois, que seriam da sociedade civil, são entidades representantes do setor empresarial.
 
“Como podemos esperar que uma entidade que deveria representar a empresa possa barrar um empreendimento dela? Então, eles entram na cota da sociedade civil, mas não estão do mesmo lado”, reclama o ambientalista e membro da ONG Abrace a Serra da Moeda, Cleverson Ulisses Vidigal, sobre a participação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra). 
 
Participante de várias reuniões e votações do Copam, ele garante que essa falta de representatividade seria uma constante nas últimas votações: “Nós temos a Superintendência de Projetos Prioritários (Supri) para onde são encaminhados os empreendimentos vistos como importantes pelo governo. Nesses casos, o que tem ocorrido é que todas as secretarias têm votado favoravelmente, aí já são quatro votos garantidos. Os outros dois são do setor diretamente envolvido. Onde está a isonomia disso?”, questiona Vidigal, que complementa: “O governo tem votado completamente em linha com a Fiemg nas últimas reuniões”. 
 
Questionamento muito parecido com o feito pelo ativista e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Júlio Grilo. “Estamos questionando como um projeto desse porte e com os impactos previstos é aprovado na serra, mas vamos às causas. Nosso processo de licenciamento é completamente falho e em muitos sentidos. Não leva em conta a sustentabilidade do empreendimento. O que temos visto é que os interesses das mineradoras, que acabam sendo vistos como uma possibilidade de aumento de arrecadação do Estado, são prioridades, por mais absurdos que sejam os projetos”, diz. 
 
Ainda segundo Grilo, no processo de votação, nem sempre há espaço para debate sobre a decisão. O escolhido para representar determinados órgãos, muitas vezes, é apenas o porta-voz de uma decisão tomada em outras instâncias. “O governo às vezes coloca os próprios representantes em situações constrangedoras porque a orientação vem de cima para baixo. É para votar conforme a orientação do governo e pronto. Mesmo que ele discorde. Se votar contrário à ideia do governo, está fora”, diz. 
 
A Semad disse que em todas as câmaras técnicas é respeitada a paridade entre poder público e sociedade civil, sendo assegurada a participação dos setores produtivo, técnico-científico e de defesa do meio ambiente. 
 

Entenda como funciona a votação do Copam

A Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho de Política Ambiental (Copam), que aprovou no final do mês passado o empreendimento de instalação da Tamisa S.A. na serra do Curral, é um dos colegiados mais recentes do conselho. A CMI foi criada em um decreto assinado pelo então governador Fernando Pimentel (PT) em 23 de fevereiro de 2016. À época, foi determinado que caberia a esse colegiado deliberar sobre processos de licenciamento ambientais para “atividades minerárias e suas respectivas áreas operacionais, exploração e extração de gás natural e petróleo, atividades não minerárias relacionadas à sua operação e demais atividades correlatas”.
 
Antes de 2016, os processos de licenciamentos ambientais eram deliberados pelas Unidades Regionais Colegiadas do conselho. 
 
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, para que um processo de licenciamento ambiental seja levado à apreciação do Copam, há a elaboração de parecer que abrange a análise de aspectos técnicos e legais do processo, podendo este ser pelo deferimento ou pelo indeferimento.
 
“Desta forma, quando o processo é pautado junto ao conselho, são disponibilizados o parecer do órgão ambiental, bem como outros documentos e estudos necessários à compreensão da matéria, para apreciação dos Conselheiros do Copam em suas unidades colegiadas. A disponibilização da documentação é realizada com antecedência de dez dias à realização da reunião, nos termos do Regimento Interno do Copam”, explica a assessoria.
 
A composição da câmara também é determinada por decreto. O conselho é composto por representantes de diversos grupos. Entre o governo estão escolhidos das secretarias de Estado de Governo (Segov), Desenvolvimento Econômico (Sede) e Desenvolvimento Social (Sedese). Também possuem representantes na Câmara de Atividades Minerárias a  Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Mineração (ANM). Indicados como representantes da sociedade civil estão o Sindicato das Indústrias Extrativistas de Minas Gerais (Sindiextra), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Fundação Relictos, a Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promutuca), Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) e Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes).
 
Cada órgão tem direito a indicar um representante titular e outros dois suplentes. Na votação do último dia 25, oito votos favoráveis foram contabilizados ao projeto da Tamisa e quatro contrários. 
 

Quem é quem na votação da CMI do Copam?

 
1 - Secretaria de Estado de Governo - Representada por Verônica Ildefonso Cunha Coutinho - Voto favorável 
 
Verônica Ildefonso chegou ao governo de Minas ainda em 2012, nomeada na Secretaria de Defesa Social. Em abril de 2014 ela foi aprovada em um concurso público para o Executivo. Desde então, passou por diversas secretarias. Atualmente ela é analista de gestão e políticas públicas em desenvolvimento na diretoria de acompanhamento de emendas da Segov. 
 
2 - Secretaria de Desenvolvimento Econômico Estadual - Representada por Maria Eugênia de Monteiro de Castro e Silva - Voto favorável
 
Atualmente diretora de mineração ligada à Superintendência de Política Minerária, Enérgica e Logística, Maria Eugênia tem anos de trabalho e estudo no tema. Ela é formada em Engenharia de Minas pela UFMG, tem mestrado e doutorado na área de Tecnologia Mineral em Engenharia Metalúrgica e de Minas também pela universidade federal mineira. Ela atuou como pesquisadora na Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) por mais de 30 anos. Segundo a atualização mais recente do currículo de Maria Eugênia, feita em 2019, ela também atuou como “consultora em tecnologia mineral”.
 
3 - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social - Representada por Joana Moraes Rebelo Horta - Voto favorável
 
Joana Moraes foi nomeada na Sedese em janeiro de 2019. Na CMI ela foi escolhida como a representante titular em outubro de 2020. Recentemente, Joana Horta participou de eventos em que se apresentou como assessora de gabinete da pasta. 
 
4 - Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig) - Representada por Paulo Eugênio de Oliveira - Voto favorável
 
Paulo Eugênio atualmente é gestor de Meio Ambiente na companhia de desenvolvimento. 
 
5 - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - Representado por Pedro Paulo Ribeiro Mendes de Assis Fonseca - Voto contrário
 
Pedro Paulo Fonseca atualmente é superintendente do Ibama em Minas Gerais. Ele foi nomeado como substituto do cargo, mas como a função está vaga, ele responde pela superintendência mineira do órgão.
 
6 - Agência Nacional de Mineração (ANM) - Representada por Claudinei Oliveira Cruz - Voto favorável
 
Claudinei Oliveira da Cruz atualmente é o chefe da Divulgação de Fiscalização de Barragens de Mineração de Minas Gerais. Ele é formado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Engenharia de Minas. Possui pós-graduações em Gestão de Riscos de Desastres e Continuidade de Negócios e em Engenharia de Barragens. Também é especialista em segurança de barragens. Anteriormente passou pela Superintendência da ANM no Maranhão. Já trabalhou também como Analista Ambiental e na análise de licenciamento ambiental de minerações. 
 
7 - Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) - Representado por Denise Bernardes Couto - Voto favorável
 
Apesar de votar como representante do Sindiextra, Denise Bernardes Couto é advogada da Fiemg desde 2008. Advogada de Meio Ambiente e também especialista no tema, ela também atua em Relações Institucionais e Governamentais. Entre as atividades atribuídas à ela estão “representação da entidade no Copam atuando em defesa do setor produtivo mineiro nas questões de meio ambiente, relacionamento com órgãos ambientais do Estado de Minas Gerais; atendimento à demanda interna e externa de consultas da área de Meio Ambiente, análise de documentos contratuais, emissão de pareceres e garantia da segurança jurídica das ações administrativas, operacionais e técnicas de natureza ambiental; e elaboração e aplicação de conteúdos de palestras sobre legislação ambiental”. 
 
8 - Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) - Representada por Thiago Rodrigues Cavalcanti - Voto favorável
 
Thiago Cavalcanti é advogado com experiência nas áreas de Direito Ambiental e Agrário, com “ênfase em licenciamento ambiental, legislação ambiental, legislação florestal, áreas protegidas, biodiversidade e medidas compensatórias”. Atualmente ele é o coordenador do Núcleo Jurídico da Gerência de Meio Ambiente da Fiemg, além de secretário executivo do Conselho de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da federação. Ele representa a entidade em diversos conselhos ambientais.
 
9 - Fundação Relictos - Representada por José Ângelo Paganini - Voto contrário
 
Arquiteto e presidente da Fundação Relictos, José  ngelo Paganini é especialista em Engenharia Sanitária e Ambiental. Com a maior parte da vida profissional dedicada à Usiminas, ele atua em três vertentes na fundação: Educação Ambiental, Políticas Públicas e Defesa do Ambiente.
 
10 - Promutuca - Representada por Tobias Tiago Pinto Vieira - Voto contrário
 
Formado em Engenharia Ambiental, Tobias Vieira é pós-graduado em Gestão de Recursos Hídricos. Ele é coordenador da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paracatu.
 
11 - Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) - Representada por Carlos Orsini Nunes de Lima - Voto favorável
 
Carlos de Lima possui empresas no ramo da mineração com sede em Belo Horizonte. No ramo há 50 anos, ele tem experiências em Engenharia de Minas, Siderurgia, Energia e Indústria, além de saneamento básico com abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, engenharia ambiental, entre outros.
 
12 - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) - Representada por Valter Vilela Cunha - Voto contrário
 
Dono de empresa de engenharia, Valter Vilela Cunha já foi gestor de metas da Copasa. Ele também integra comitês de bacias hidrográficas, como a do Rio das Velhas. 
 

Respostas

A reportagem procurou os votantes na reunião para que se posicionassem. Veja abaixo o retorno de cada um.
 
Verônica Ildefonso Cunha Coutinho - Segov
 
“Como é de conhecimento público, as manifestações no âmbito do Copam são votos  institucionais, daí sermos apenas representantes da Pasta a qual estamos vinculados”. 
 
Thiago Rodrigues Cavalcanti - Fiemg
 
“A FIEMG informa que seu voto se baseou no Parecer de 234 páginas elaborado, ao longo de 02 anos, pela equipe técnica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento – SEMAD, órgão competente pela análise técnica e jurídica do processo de licenciamento ambiental, que sugeriu a aprovação do projeto. Além disso, se baseou nas anuências prévias favoráveis emitidas pelo IPHAN, órgão federal responsável pelo tombamento da Serra do Curral, IEPHA, órgão estadual responsável pela proteção do patrimônio cultural, IEF, órgão estadual responsável pela gestão das Unidades de Conservação, Prefeitura de Nova Lima, órgão responsável pelo ordenamento territorial do local onde o empreendimento irá se instalar, e em Termo de Compromisso firmado pela empresa com a COPASA, órgão responsável pela adutora do Sistema Rio das Velhas. Por fim, ressalta-se que, até o momento da reunião, três liminares requeridas na justiça visando a retirada de pauta do processo não foram concedidas pelo Poder Judiciário. A FIEMG salienta, ainda, que seu voto se baseou exclusivamente nos documentos do processo, nas decisões judiciais proferidas, bem como nas manifestações técnica e jurídica dos órgãos públicos competentes.”
 
Valter Vilela Cunha - Abes

"1- Risco para o abastecimento de água de grande parte de BH e da RMBH caso a adutora de água tratada da COPASA, proveniente da captação feita no Rio das Velhas em Bela Fama/Nova Lima, seja afetada pelas vibrações ou pelo rompimento de uma das 3 bacias de contenção localizadas perto da adutora. Qualquer problema com a adutora fará com que parcela significativa da população ficará sem água até a recuperação da mesma.

2-Danos ambientais pela supressão de mata atlântica . O IBAMA não foi ouvido neste licenciamento.

3- Risco de dano ao monumento natural constituído pela Serra do Curral.

4-Danos imediatos à população circunvizinha , especialmente de Sabará e de Belo Horizonte , envolvendo acidentes pelo transporte dos minérios , poeira e riscos decorrentes das explosões e vibrações. Os municípios não foram ouvidos por não terem sido incluídos na área diretamente afetada , já que a mineração estará em Nova Lima,

5- Os Conselhos Consultivos dos Parque Estadual da Baleia e do Parque Estadual da Serra do Rola Moça indeferiram a anuência para a mineração.

6- Processo de tombamento da Serra do Curral em andamento."

Jose Ângelo Paganini - Fundação Relictos

"A justificativa do meu voto contrario à mineração na Serra do Curral encontra-se detalhada no Parecer de Vista que apresentei na reunião da CMI. Este parecer esta disponível no site do COPAM/CMI para consulta publica".