Tragédia

Bombeiros trabalharam 1.020 horas em dois meses de buscas em Brumadinho

Militares atuaram 17 horas por dia em resgate mesmo em cenário de atraso de salários e sem 13°

Por Pedro Ferreira
Publicado em 31 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Após mais de dois meses de buscas por desaparecidos no rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, bombeiros militares de Minas Gerais completaram, na última segunda-feira, 1.020 horas de trabalho na cidade, uma média de 17 por dia. Tudo isso mesmo com atraso no pagamento de salários e sem terem recebido o 13º salário relativo a 2018. O tempo dedicado ao resgate na cidade por dia é mais que o dobro da jornada de um trabalhador comum, que, conforme prevê a CLT, atua oito horas diárias.

O capitão da corporação Leonard Farah, 34, que acaba de embarcar em missão para Moçambique, na África, ainda não conseguiu se desligar um só minuto das buscas após 66 dias de atuação da equipe na cidade. “Na primeira semana, fiquei dez dias seguidos e, depois, comecei a fazer um revezamento a cada semana”, contou o militar, que é especialista em resgate em barragens.

“Mudou totalmente minha rotina com a família. Vejo meus dois filhos muito pouco. Nos dias em que estou em casa, eles estão na aula, e minha mulher, trabalhando”, conta.

O capitão diz que inclusive estava em período de férias quando a barragem da Vale se rompeu e foi convocado pelo comando dos bombeiros. Segundo Farah, apenas nos dez primeiros dias de buscas, ele perdeu quatro quilos.

Sem descanso. O militar diz que, mesmo quando está de folga, “a cabeça está focada na operação”. “A gente quer saber o que as equipes estão fazendo lá, se encontraram algum corpo, se a área foi bem vasculhada, se eles tiveram problemas com máquinas ou se os cães estão dando a respostas”, detalha Farah, lembrando que a mulher sempre o alerta para se desconectar um pouco das notícias da cidade para ajudá-lo a relaxar um pouco.

“Mas é muito difícil”, afirma o capitão dos bombeiros. “Até mesmo no convívio social não é algo tranquilo. Em um momento de distração, como uma festa ou um churrasco, quando a gente quer esquecer um pouco, as pessoas perguntam sobre a operação, as dificuldades. Então, a gente nunca se desliga mesmo”, completa.

O capitão diz que todos trabalham com a esperança de encontrar todos os desaparecidos na tragédia.

Tragédia. A lama de rejeitos de minério de ferro de Córrego do Feijão, em Brumadinho, deixou, até o momento, 217 pessoas mortas e 87 desaparecidos, de acordo com o Corpo de Bombeiros.

Jornada. Os bombeiros acordam às 5h, que é o horário da chamada para recomeço dos trabalhos, e encerram as atividades às 20h.

Escala. Eles trabalham sete dias direto e folgam sete para recarregar as energias.

Efetivo. Ao todo, 1.850 bombeiros atuaram em Brumadinho. Desses, 850 são de outros Estados. Eles não têm a jornada tão árdua quanto os militares de Minas.

Desgastes são físicos e mentais

Além do desgaste físicos, os bombeiros envolvidos nas buscas em Brumadinho são afetados psicologicamente diante da pressão que sofrem pelos parentes dos desaparecidos nas tragédias. “As famílias expressam para os militares a angústia e o sofrimento que estão vivendo”, conta o porta-voz dos bombeiros de Minas, tenente Pedro Aihara.

Muitos militares tiveram problemas de saúde trabalhando na lama tóxica. A partir do quinto dia de buscas, eles passaram a usar máscaras por causa do cheiro dos corpos em decomposição. “Uma das preocupações da corporação é com a segurança dos militares, tanto fisiológica quanto psíquica”, diz Aihara.

Segundo o militar, no primeiro dia de operação, um posto avançado de atendimento médico aos bombeiros foi montado no local de buscas para garantir que nenhum agente tivesse problemas. “Às vezes, o militar pode apresentar algum sintoma de estresse pós-traumático, e já há uma equipe pronta para lidar com ele”, diz o tenente, lembrando que alguns agentes foram afastados das atividades, mas que não houve acidentes graves.

“São grandes distâncias que temos que percorrer a pé, um deslocamento extremamente exaustivo. Dependendo das condições da lama, o militar tem que literalmente nadar”, explica Pedro Aihara, ressaltando que ainda há o desgaste técnico-profissional, já que é preciso fazer um planejamento de inteligência antes para conhecer os locais de acesso e as condições mais adequadas. “Um trabalho muito meticuloso”. conclui.

Militar comemorou aniversário no local

Muitos militares abriram mão de momentos de convívio familiar e do lazer e desmarcaram compromissos para salvar vidas e procurar pelos desaparecidos. “Não foram poucas as histórias de militares que perderam aniversário de filho, da esposa, porque estavam lá. Eu mesmo fiz meu aniversário de 26 anos no local. Deixei de estar com os meus amigos para estar lá. A gente teve situação de militar que estava lá e o filho estava na iminência de nascer”, conta o tenente Aihara.

Um dos que não puderam participar do aniversário do filho foi o comandante do capitão Leonardo Farah. “O primeiro jogo de futebol do meu menino de 11 anos eu também perdi por estar em Brumadinho”, disse Farah.

Ainda assim, o capitão conta que a cobrança dos superiores não é maior do que a feita por eles mesmos enquanto atuam. “Cada dia que se passa, a gente pode não encontrar um desaparecido. A última esperança das famílias é que essas pessoas sejam localizadas. Se a gente desistir, quem é que vai fazer isso?”, questiona.

O tenente Filipe Rocha, 28, o primeiro a chegar com sua equipe ao mar de lama da Vale, conta que já foi preparado para jornadas extenuantes ainda no curso de formação.

“Independentemente da questão de salário e do afastamento familiar, temos muito prazer em trabalhar sabendo que estamos fazendo algo útil. Para quem gosta, isso aqui (as buscas) é só um cisco, não pesa tanto. O que pesa mais é ver a tristeza das pessoas e, às vezes, não poder dar uma resposta ideal, de uma forma mais confortável”, lamenta o tenente.

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