Oito meses depois de conquistar o regime semiaberto domiciliar e deixar a prisão, o goleiro Bruno Fernandes, 35 – condenado a 20 anos e nove meses de prisão pelo sequestro e assassinato da modelo Eliza Samudio, em junho de 2010 –, disse, em entrevista exclusiva a O TEMPO, que seu principal desejo é retornar aos gramados. Porém, ele enfrenta resistência por parte de clubes e torcedores e já pensa em outros projetos. “Pode ser que eu abra alguma coisa para mim, uma fábrica de alguma coisa. Pode ser que eu faça parceria com alguma luva. Sempre joguei futebol, mas existem outras opções. Posso crescer em outras áreas. Sou ser humano, nós somos inteligentes, e posso tirar alguns projetos que eu tenho na gaveta”, explicou.
O plano de Bruno é ir para Cabo Frio, no Rio de Janeiro, onde ele passou as festas de fim de ano, com autorização da Justiça, e onde disse ter sido bem recebido. A transferência é analisada judicialmente pela defesa. “Vou tentar voltar para o futebol para cumprir o que eu prometi para a minha mãe, para realizar um sonho de criança”, disse o goleiro, ressaltando que o futebol é a única coisa que ele sabe fazer na vida. “Prometi para a minha mãe que eu voltaria a jogar para ela sentir orgulho do filho que ela criou. Quero continuar no meio do futebol. Se não for como atleta, pode ser que seja em outra área”, completou Bruno, que se refere à avó como mãe. Ela morreu em 2018.
Assista à entrevista com o jogador:
Rejeição
A volta para os campos, pelo menos por agora, parece um sonho distante. Apenas neste ano, foram duas propostas feitas e retiradas. Em janeiro, a repercussão ruim gerada pela possível contratação fez o Operário de Várzea Grande, de Mato Grosso, desistir de Bruno – antes havia sido o Fluminense de Feira de Santana, da Bahia. “Não comprem ingresso, não paguem para ver feminicida”, dizia uma das faixas usadas em um protesto contra a contratação em Mato Grosso. “Feminicida não pode ser exemplo”, gritavam as manifestantes.
“Minha filha Bruna, de 14 anos, me ligou chorando: ‘Ô pai, o que está acontecendo?’. Aí, eu tive que fazer uma reflexão, uma escolha, e eu disse: ‘Peraí! Se a minha vida como atleta profissional, em vez de trazer alegria, está começando a trazer tristeza para minha família, então é hora de pensar em alguma coisa para isso não acontecer”, contou.
“A própria sociedade, que cobra a ressocialização de quem cumpre pena, não dá oportunidade de trabalhar”, reclamou o goleiro, que cogita fazer um curso na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e fazer uma prova para terminar o segundo grau. “Quero continuar no meio do futebol. Se não for como jogador, pode ser em outra área”, disse ele. “Quero ser um exemplo de superação, um exemplo de que todo ser humano é maior que seu próprio erro”, ressaltou.
O goleiro garante que o desejo de retorno ao futebol nada tem a ver com fama. “Não tenho vergonha de exercer qualquer profissão. Acho que a pior vergonha na minha vida foi vestir aquele uniforme ridículo da Seap, sabe?”, completou Bruno, falando sobre a roupa utilizada no sistema penitenciário mineiro.
Retomada
Enquanto não toma uma decisão sobre o futuro, Bruno se diz impotente para retomar a vida profissional. Desempregado, ele divide o tempo entre os cuidados da filha de 2 anos, exercícios na academia com a mulher, Ingrid Calheiros, e treinos em campos de Varginha.
Pelo menos três vezes por semana, ele faz treinamentos em gramados da cidade, entre eles no modesto campo do Clube do Servidor Público de Varginha, às margens de uma rodovia. O treinador dele, José Alexandre Júnior, 52, o professor, como Bruno o chama, conta que conheceu o goleiro por meio de um dirigente do Poços de Caldas, no Sul de Minas. “Ele me procurou para treinar o Bruno, e tive o primeiro contato com ele”, conta José Alexandre, que faz um trabalho voluntário com jovens, entre eles um ex-dependente químico. “A Justiça liberou o Bruno. A sociedade fala muito na recuperação das pessoas, mas ninguém estende a mão. Para empurrar alguém para o buraco, aí, sim, tem um punhado de gente. Bruno é um cara carente, que precisa de amizades”, concluiu o treinador, que fornece todo o material para os treinos.
‘A sociedade não aceita essa volta ao futebol’
Sociólogo, especialista em segurança pública e professor da PUC Minas, Luís Flávio Sapori acredita que a ressocialização por meio de outra profissão, que não o futebol, longe dos holofotes, será mais fácil para Bruno. “Nenhuma sociedade aceita com facilidade a volta ao convívio social daquele que cumpriu uma pena por crime de maior grau de violência, de crueldade. Ele era um jogador famoso, uma referência. Certamente, a projeção dele no futebol com essa retomada da atividade vai ter rejeição, estigmatização”, avalia.
Ainda de acordo com o especialista, a reinserção de Bruno seria mais fácil de uma forma anônima, assim como fez o ator Guilherme de Pádua, condenado pela morte da atriz Daniela Perez, na década de 1990.
Hoje, segundo Sapori, a agenda política da segurança pública no Brasil é pautada pelo tema violência contra a mulher. Segundo ele, Bruno passou a ser um ícone do movimento feminista e da violência contra a mulher, mas num sentido negativo. “Bruno tende a assumir esse protagonismo negativo. E se ele não tiver consciência disso, vai dar com os burros n’água”, alerta. “Ele precisa perceber que ele vai ter que se reconstituir como cidadão, como pai, como marido. O futebol está fechando as portas para ele, mas isso não quer dizer que outras portas não vão se abrir”, conclui.
Saiba mais
Revelações
A edição de O TEMPO desta segunda-feira (2) trouxe a primeira parte da entrevista feita com o goleiro Bruno Fernandes, em Varginha, no Sul de Minas.
Versão
Ele alega que o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, condenado por ter sido o executor do assassinado e da ocultação do cadáver de Eliza, não matou a modelo. Segundo ele, Bola foi envolvido no inquérito por conta de uma rixa que ele tinha com o delegado do caso na época.
Acordo
Bruno alega ainda que, na época do júri, houve um combinado secreto entre sua defesa, promotoria e Justiça para que ele confessasse o crime e apontasse outros envolvidos em troca de uma sentença menor.