O presidente da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, Gabriel Azevedo (sem partido), enviou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) um pedido para barrar a construção de uma ciclovia na avenida Afonso Pena, na região Centro-Sul da capital. Conforme a análise do parlamentar, o relevo e o tráfego de veículos intenso na região inviabilizam o empreendimento. “A obra não vai ajudar o ciclista e ainda vai atrapalhar quem está de carro na avenida Afonso Pena, já que haverá a supressão de uma faixa da via para os carros e a criação de pontos de afunilamento e retenção de trânsito na mão da avenida, que ficará estrangulada”, informou Azevedo ao TCE. O documento foi enviado no dia 17 de janeiro. Ativistas defendem o projeto, enquanto pessoas que circulam pelo local demonstram preocupação. Especialista em trânsito ouvida pela reportagem considera que o projeto não garante a segurança dos ciclistas. 

Nesta quinta-feira (25 de janeiro), o tribunal explicou, por meio de nota, que recebeu a manifestação do vereador e iniciou a verificação dos requisitos para que o pedido se torne uma denúncia ou representação. As obras na avenida fazem parte do programa de requalificação do Centro de Belo Horizonte, o Centro de Todo Mundo. A previsão é que sejam gastos R$ 24,8 milhões de recursos próprios da prefeitura, e as obras serão entregues no segundo semestre de 2024. Os trabalhos foram iniciados no dia 12 de janeiro. A ideia é que a ciclovia tenha 4,94 quilômetros e se estenda desde a praça Rio Branco até a praça da Bandeira. 

“Pedalar numa cidade não tem de ser uma atividade para poucos. Tem de ser para qualquer um, e não apenas para atletas. E um traçado mais ameno é muito mais motivador do que uma vontade de manter uma linha reta a qualquer custo na principal avenida da cidade. Isso pode gerar o efeito contrário e constituir argumento para quem acha que ciclovias são um desperdício. Não são. Elas são fundamentais quando planejadas de um jeito que faz sentido”, explicou o presidente da Câmara de Belo Horizonte. Gabriel afirmou ainda que apresentou à PBH sugestões alternativas ao traçado.

O parlamentar defende que o traçado considere a rua professor Morais, a avenida Uruguai e a avenida Bandeirantes, como uma opção muito melhor. “Sempre me posicionei contra um traçado de ciclovia ao longo do trecho completo da avenida Afonso Pena (sobretudo no meio da via, onde defendo um VLT) e, por isso, apresentei sugestões alternativas ao traçado”, acrescentou.

Polêmica entre pessoas que circulam no local

O empreendimento causou polêmica também entre pessoas que frequentam diariamente a região. A vendedora Thamires Pereira, de 20 anos, trabalha em uma loja às margens da avenida. Ela teme que a construção da ciclovia possa piorar ainda mais o trânsito no local. “Eu acredito que pode piorar o trânsito e até o movimento dos pedestres”, diz. A jovem considera que a ciclovia pode não ter utilidade. “Acho que é um investimento muito grande em algo que não há certeza de que vai dar certo. Eu, por exemplo, teria muito medo de andar de bicicleta aqui, porque passa muito carro. Não é viável, por exemplo, para quem trabalha aqui e não terá utilidade porque a gente depende de transporte coletivo”, aponta.

O empresário Marcos Menezes, de 26 anos, tem uma opinião parecida. Ele cita o baixo movimento de ciclistas na avenida, principalmente no trecho após o Parque Municipal, onde há um declive acentuado. “Eu não vejo muitos ciclistas aqui, então penso que não vai ter muita utilização. Pode ser uma coisa mais para fim de semana e feriado, mas, para o dia a dia, acho que vai atrapalhar o trânsito. Belo Horizonte tem um relevo que não contribui para essa prática”, avalia.

A vendedora Eliane Torres, de 55 anos, que pedala nas horas vagas, também não concorda com a construção da ciclovia. “O trânsito já é muito intenso e vai complicar ainda mais a vida dos belo-horizontinos. Vai virar um caos, ainda mais para quem vem trabalhar aqui”, avalia. Ela declara que não teria coragem de pedalar na ciclovia.  “Eu jamais andaria aqui, gosto de pedalar na Pampulha. Aqui, o trânsito é caótico, e eu não tenho coragem de andar de bicicleta. Isto (o investimento) poderia ser investido em saúde ou educação, não em uma ciclovia inviável”, lamentou.

BH em Ciclo vê viabilidade na iniciativa

BH em Ciclo e entidades ligadas à mobilidade urbana se posicionaram a respeito da questão por meio de um documento publicado nas redes sociais. Os ativistas argumentam que a Prefeitura de Belo Horizonte realizou “estudos de tráfego, pesquisas de contagem classificada de veículos, pesquisa de velocidade média e diagnóstico dos sinistros de trânsito e das condições das calçadas e dos estacionamentos”. Eles asseguram também que “foram elaboradas avaliações técnicas e operacionais de cada uma das interseções semaforizadas das vias envolvidas e de cada ponto de ônibus para embasar as decisões sobre o projeto”. 

Em relação ao relevo da região, o grupo considera que 5% da avenida tem “uma declividade realmente desafiadora, conforme o mapa de declividades da cidade”. Além disso, os ativistas consideram que todo o resto do percurso apresenta uma “declividade considerada baixa e extremamente acessível para pedalar”. 

Preocupação com a segurança

A especialista em trânsito Roberta Torres considera que o trecho é íngreme para a construção de uma ciclovia. Além disso, Roberta defende que todo o investimento em modais que sejam individuais precisa ter o propósito de assegurar a segurança do usuário.

“Para os ciclistas é mais arriscado, já que a avenida é uma via arterial, e a velocidade máxima é de 60 km/h. É importante que, antes de fazer o investimento, a prefeitura abra o diálogo com os ciclistas, que são de fato os interessados, mas, principalmente, que o projeto vise não apenas à fluidez, mas à segurança dos ciclistas, que no caso são os mais vulneráveis”, explica. 

Silêncio da PBH

Questionada sobre o documento enviado pelo vereador Gabriel Azevedo ao TCE, a Prefeitura de Belo Horizonte não se posicionou. O Executivo municipal também não respondeu a outros questionamentos da reportagem, como a previsão de quantos ciclistas devem passar pela via, o porquê da definição desse trajeto ou quais foram os estudos sobre os impactos do empreendimento.