Em cada país, uma história de exploração, lutas e desenvolvimento. Celeiro da diversidade, a América Latina também convive com desigualdades e diversos problemas sociais. E o estudo da UFMG apontou que tudo isso reflete na expectativa de vida: entre as cidades do continente, as diferenças chegam a até 14 anos. Enquanto David, no Panamá, convive com índices europeus – a média de vida das mulheres é de 82,7 anos –, Juliaca, no Peru, chega a 74,4 anos. Para os homens, as disparidades são ainda maiores.
A pesquisadora Amélia Friche, que é coautora do levantamento, lembrou que mesmo em um mesmo país, as disparidades podem chegar a oito anos. “Em relação à mortalidade proporcional por grupos de causas, observamos diferenças marcadas entre e dentro dos países. Por exemplo, encontramos cidades onde as mortes violentas contribuíram com cerca de 20% do total de mortes no período estudado, enquanto outras cidades tiveram proporções próximas de 1% de mortes violentas", argumentou. Ao todo, foram analisadas 363 cidades da Colômbia, México, Chile, Peru, Brasil, Argentina, Costa Rica, Panamá e El Salvador – foram utilizados dados de 2010 a 2016.
No Brasil, as dez manchas urbanas com melhor expectativa estão localizadas nas regiões Sul e Sudeste, como Belo Horizonte, e na outra ponta estão cidades no Norte e Nordeste. Um dos exemplos mais emblemáticos é Porto Seguro, na Bahia, onde mais de 20% das mortes anuais são causadas pela violência – o município é o décimo pior para se viver em toda a América Latina para os homens, com idade de 67,7 anos. "Encontramos expectativas de vida baixas semelhantes às da Índia, e altas como na Alemanha", complementou.
Já a professora Heloísa Soares lembrou que mesmo nas cidades desenvolvidas da região, ainda há ilhas de pobreza que possuem péssimos indicadores sociais. "Essa desigualdade não está ligada apenas à renda, saúde e educação, mas também nas formas de morar, no acesso à terra, no índice de regularização urbanística e na distribuição desigual de áreas verdes e parques, além da própria quantidade de tempo que as pessoas ficam no transporte coletivo", enfatizou.
E também nas regiões com piores números, como o Nordeste, a especialista pontuou que existem áreas nos municípios que contam com urbanização até mais bem cuidada que no Sudeste e Sul. "Essa generalização é ruim, porque ela acaba estigmatizando, embora a gente entenda isso. Há algumas décadas, se usava a expressão Belíndia, que é quando tem uma Bélgica e uma Índia em um mesmo território", explicou.
Para o professor da UNA e especialista em políticas públicas, Carlos Barbosa, outro fator que influencia nos indicadores é a garantia do direito à cidade. "Qual é o direito que as pessoas têm de usar a cidade depois das 21h em algumas regiões? A partir do momento que a cidade passa a ser um campo em que a subjetividade se encontra para exercer a liberdade, de ser o que é e realmente se tornar um espaço público, logicamente temos ali o resultado de políticas públicas adequadas", alegou.
A partir do momento que essas ações são implementadas de forma adequada, conforme Barbosa, o cidadão passa a ter uma melhor qualidade de vida. "Me locomover sem perigo de ser assaltado, uso o meu direito de moradia porque tenho a minha casa e saneamento básico, me colocar como pessoa e não como instrumento da vontade de outros. Enquanto a cidade não for pensada dessa forma, e sim para os automóveis, um grupo economicamente majoritário a outro, não teremos resultado na expectativa de vida", frisou.
Pandemia já afeta indicadores sociais
Segundo país com mais mortes provocadas pela Covid-19, que já ultrapassam 518.000 vítimas, o Brasil já perdeu pelo menos dois anos na expectativa de vida por conta da pandemia. É o que apontou uma estimativa realizada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard. Com isso, a média dos brasileiros caiu de 76,7 anos para 74,8 em 2020, retornando ao mesmo patamar de 2013.
A doença sem controle interrompe ainda um ciclo de crescimento de 75 anos no país, iniciado em 1945, quando a expectativa de vida não passava de 45 anos. O estudo realizado na América Latina e liderado pela UFMG no país utilizou indicadores anteriores à disseminação do vírus no mundo. Nos Estados Unidos, a população perdeu pelo menos 1,13 anos.
Porém, os pesquisadores alertam que o panorama pode ser muito pior por conta da subnotificação e a falta de testes para a Covid-19. Porém, eles desenharam um cenário alternativo, em que foram incrementados 90% dos óbitos causados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que inclui a doença, e chegaram a uma perda na expectativa de vida que ultrapassa dois anos e meio.
Além dessa situação atípica de mortes que afetou os indicadores sociais, o professor Carlos Barbosa acrescentou que a pandemia trouxe graves reflexos nas políticas públicas que melhoraram as condições de vida nas últimas décadas. "Nesse momento, a política de saúde ser uma prioridade, mas não podemos esquecer que ela precisa estar atrelada a outras questões e infelizmente no Brasil, em virtude dessa falta de recursos para se exercer as políticas de maneira adequada, se concentra em determinados ramos e momentos".
De acordo com o especialista, é necessário que, no fim da pandemia, os governos realizem uma análise do que foi feito e precisa ser feito. "Na educação, por exemplo, vamos vivenciar as consequências por longos anos. Mesmo de uma maneira indireta, aquilo que foi conquistado de uma certa forma acabou se perdendo, em pequena ou grande quantidade, mas acabou tendo uma perda. A segurança, infraestrutura", exemplificou.