Primeiro a Páscoa, então o Dia das Mães e, depois, as festas juninas: a pandemia de coronavírus está obrigando que as comemorações aconteçam de um jeito diferente neste ano. Agora, atinge o Arraial de Belo Horizonte, a maior festa junina do Sudeste.

Após a edição histórica de 2019, que reuniu cerca de 100 mil pessoas na Praça da Estação, a festa corre o risco de não acontecer em 2020, depois de 41 anos do evento. É uma mudança que já afeta os planos de grupos quadrilheiros e a renda de quem contava com trabalho na festa.  

Organizado pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), que também cuida do Carnaval de BH, o arraial é um dos eventos que a prefeitura suspendeu por tempo indeterminado — ou seja, não foram cancelados, mas não têm mais data para acontecer. Tradicionalmente, a competição de grupos de quadrilha da capital acontece entre o final de junho e o início de julho. Quadrilheiros não acreditam que ela tenha chance de ocorrer na data prevista e, mesmo se for retomada nos meses seguintes, adiantam que não vai ser como estava planejado.

“Depois de tanto sofrimento na pandemia, não queremos colocar um grupo contra o outro em uma competição, enquanto fazemos o que mais amamos na vida, que é dançar quadrilha”, reflete Jadison Nantes, presidente da União Junina Mineira (UJM) e líder do grupo de quadrilhas São Gererê. Os quadrilheiros concordaram que, havendo comemoração junina atrasada, ela não vai ser nos moldes habituais de uma competição de grupos: eles vão se apresentar amistosamente com coreografias antigas e guardar para 2021 as novidades que estavam planejadas. 

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A competição costuma ser acirrada, à la escolas de samba do Carnaval carioca: em 2019, as quatro primeiras colocadas tiveram diferença de décimos na pontuação acima de 99, em 100. “Os grupos são muito bem preparados. A gente termina um ano pensando no outro, igual Carnaval”, diz Danilo Martins, diretor de comunicação do grupo Feijão Queimado, terceiro colocado de 2019. 

Com tanta atenção a cada detalhe, ainda que as previsões científicas se provassem erradas e a pandemia fosse extinta em um par de meses, os quadrilheiros afirmam que não haveria tempo hábil para se apresentar adequadamente no início de julho. Os ensaios precisariam estar a todo vapor, sem falar na confecção dos figurinos, que levam meses para ficar completos.

“Começamos a fazer ensaios só aos domingos, depois no final de semana todo e, faltando três meses para a competição, ensaiamos todos os dias”, explica Rômulo Santos, presidente do grupo Pipoca Doce, o grande vencedor de 2019, com uma homenagem a Santos Dumont. Neste ano, o tema da apresentação seria Aleijadinho.

Grupos de quadrilha tentam adaptar o clima junino à internet

Enquanto músicos estão tentando pegar o jeito das lives para continuar se apresentando de alguma forma, migrar para o digital não é uma opção fácil para as quadrilhas. “Nosso grupo faz reuniões por vídeo, mas os ensaios são muito presenciais, não conseguimos fazer online. Precisamos de, no mínimo, oito casais para fazer um ensaio”, diz Rômulo. Hoje, o grupo conta com cerca de 70 dançarinos. 

De qualquer forma, a festa de São João não vai parar completamente. A União Junina Mineira tem conduzido lives semanais no Instagram com líderes de grupos de quadrilha, que relembram a história da festa em Minas. O grupo Feijão Queimado, fundado em 1980 e que comemoraria 40 anos na Praça da Estação neste ano, também estuda alternativas para celebrar virtualmente. 

“Não vamos deixar passar em branco, vamos realizar algo para o público não perder a comemoração. Estamos estudando as tecnologias de transmissão e pensando em apresentações virtuais e bate-papos com nosso coreógrafo, nosso diretor artístico e com a presidente-fundadora, contando nossa história”, diz Danilo Martins, diretor de comunicação do grupo. 

Eles têm investido em conversar com o público pelo Instagram. A analista de vendas Ana Paula Mesquita, 28, é uma das dançarinas da quadrilha e usou a rede social do grupo para ensinar a fazer uma maquiagem de festa junina. “Vai ser triste não ter arraial, porque seria lindo neste ano”, lamenta.  

Trabalhos temporários gerados pela festa junina já estão sendo afetados

A costureira Erlane Ribeiro, 44, dedica três meses de trabalho à confecção dos figurinos do grupo de quadrilha Feijão Queimado, especialmente aos 24 vestidos. “Cada um leva em torno de sete metros de tecido, mais 20 a 30 metros para os babados e acabamento”, lista. Ela também aluga roupas para festa o ano inteiro, mas, agora que não conta com esse serviço ou com o Arraial de Belo Horizonte, tem se dedicado a produzir máscaras de pano.

O arraial rendia uma média de R$ 12 mil a Erlane durante os três meses, e ela passava a contar com uma média de oito pessoas ajudando no ateliê, em vez de uma. São oportunidades que não vai ser capaz de oferecer neste ano.

Quem dança a quadrilha não recebe por isso, mas o arraial gera uma série de trabalhos temporários indiretamente. Jadison Nantes, da União Junina Mineira (UJM), estima que pelo menos duas costureiras são necessárias para cada grupo — em 2019, 40 deles participaram do arraial, e a expectativa para este ano era um ligeiro aumento. Só o Feijão Queimado contabiliza gerar 20 vagas, entre serralheiros para montar os cenários e costureiras. 

As lojas do bairro Barro Preto, reduto da moda na capital, também sofrem, pontua Nantes: “Costuma haver um aquecimento do Barro Preto, porque é uma compra muito grande de tecidos”. Para ele, outro segmento afetado é o da locação de ônibus, mobilizados pelos grupos durante semanas depois do Arraial de Belo Horizonte para locomoção a mais festas em BH e em outras cidades. 

Sem falar nas perdas do próprio arraial: em 2019, ele movimentou R$ 3,65 milhões, enquanto o investimento realizado pela prefeitura foi de cerca de R$ 2,24 milhões. Além da quadrilha, o evento teve shows gratuitos de artistas como Luan Santana e Naiara Azevedo e barracas de comida. 

Os grupos também se preocupam em como vão honrar os compromissos que realizaram nos últimos meses. A prefeitura oferece um auxílio de custo — no ano passado, ele chegou a R$ 13,5 mil para cada um. A esta altura, alguns grupos já iniciaram os gastos com serviços como montagem de figurinos, mas a Belotur afirma que ainda não tem informações sobre o auxílio deste ano. 

Ainda que lamentem suspensão, recado dos quadrilheiros é: "Fique em casa"

“É importante ficar em casa. Por mais que doa no peito do quadrilheiro ter que adiar o São João, temos fé em Deus que isso vai passar em breve e vamos festejar”, reforça Danilo Martins, diretor de marketing do grupo Feijão Queimado. Ator, ele mesmo anda afastado do trabalho. Já Rômulo Santos, presidente do grupo Pipoca Doce, é motoboy e continua tendo que sair às ruas durante a pandemia. 

A maior parte dos grupos de quadrilha foi formada em bairros periféricos, como o Fogo de Palha (fundado no Alto Vera Cruz, em 2003) e o Pipoca Doce (iniciado na Vila Leonina, em 2007). Para Juan Borges, diretor do Fogo de Palha, as quadrilhas abrem oportunidades: “No meu grupo, há pessoas que não conheciam Minas fora da região metropolitana de BH e acabaram conhecendo Ouro Branco, Pousa Alegre e outras cidades nas festas juninas. Os grupos também são uma chance de aprender a ter disciplina, comprometimento e respeito com quem está à frente”.  

Nas periferias, elabora Danilo Martins, está uma lição para passar pela pandemia: “O povo pobre passa dificuldade, mas sorri e não deixa a peteca cair. A alegria de dentro do brasileiro é do povo da periferia”. 

Saiba quais eventos culturais estão suspensos em Belo Horizonte

Outros três eventos culturais do calendário oficial da cidade estão suspensos por tempo indeterminado pela prefeitura, em função da pandemia:

  • 11ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQ): estava programada para os dias 27 a 31 de maio e a estimativa de investimento era de R$ 650 mil, com um público previsto de 80 mil pessoas;
  • 6ª edição da Virada Cultural de Belo Horizonte: estava agendada para os dias 25 e 26 de julho e a estimativa de investimento era de R$2 milhões, com um público previsto de 500 mil pessoas;
  • 15ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT): estava agendada para o segundo semestre, e a estimativa do investimento era de R$ 2,7 milhões, com um público previsto de 40 mil pessoas. 

A Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação Municipal de Cultura afirmam estar avaliando novos formatos para realizar os eventos, mas ainda não divulgam detalhes.