A chegada da primavera e do verão, estações em que há o aumento da temperatura e também uma maior incidência de chuva, serve de alerta para os acidentes com escorpiões. Isso porque, neste período do ano, além do aumento da população destes animais peçonhentos, há uma mudança de hábito deles que os deixam mais expostos à população, o que provoca um maior número de ataques.

De janeiro a agosto deste ano, o Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Minas Gerais, que funciona no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, atendeu 1.051 casos de escorpianismo - quadro clínico de envenenamento provocado por escorpião. São pelo menos quatro atendimentos por dia na unidade que é referência no Estado. A média, no entanto, tende a ser maior nos últimos meses do ano devido a maior quantidade de escorpiões e a essas mudanças de hábitos, que os deixam mais ativos.  

“Essa semana a minha neta encontrou um escorpião enorme no banheiro. Ainda bem que não picou ninguém, mas a gente fica com medo, principalmente nessa época do ano”, relata a empregada doméstica Maria da Glória, de 58 anos, moradora do bairro Cabana do Pai Tomás, na região Oeste de Belo Horizonte.

A empregada doméstica, inclusive, já foi vítima de ataques desses animais peçonhentos em três ocasiões. Ela precisou ser hospitalizada, e hoje convive com medo já que a região onde mora tem uma grande incidência de picadas de escorpião. “É uma dor insuportável, só quem já foi picado sabe descrever. Hoje eu fico com medo, atenta ao apagador, ao ralo do banheiro. Quando a gente menos espera eles aparecem”, relata.  

Aumento no número de casos 

De acordo com o levantamento da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), que é responsável pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Minas Gerais do Hospital João XXIII, em 2021, durante as estações da primavera e do verão, que compreende o período entre 23 de setembro a 21 março, foram 866 pacientes vítimas de escorpianismo atendidos na unidade. A quantidade representa um aumento de 39% em relação aos atendimentos realizados durante o outono e inverno, quando 620 pacientes procuraram o hospital entre 21 de março e 23 de setembro.

Em agosto as fêmeas começam a sair dos esconderijos em busca dos alimentos para se reproduzir. Isso justifica também o aumento desses ataques”, afirma a bióloga Fernanda Raggi, que também é professora no Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH. Segundo a bióloga, a primavera é o período de reprodução dos escorpiões. No entanto, como a época do verão é favorável ao seu desenvolvimento, alguns filhotes ainda podem nascer e acelerar seu desenvolvimento, provocando o aumento da população destes animais. “Como o óvulo da fêmea se desenvolve sem ser fecundado por um macho, os filhotes podem continuar a nascer após o período de agosto a setembro, e a gente vê uma maior quantidade desses escorpiões até os meses de dezembro e janeiro, ou seja, no verão”, detalha.

Ainda segundo a bióloga, nos períodos mais quentes do ano, há uma maior proliferação de baratas, principal alimento dos escorpiões. “O verão tem uma maior incidência de chuva, que gera também mais lixo. Isso aumenta a quantidade de pragas urbanas, como as baratas. Então, os escorpiões saem em busca desse alimento. Ou seja, além das fêmeas, que saíram dos esconderijos durante a primavera, tem os filhotes que nasceram e que também buscam algo para comer”, explica.

Infestação  

O balconista Janair de Oliveira, de 62 anos, também é morador do bairro Cabana, na região Oeste de Belo Horizonte. A região, segundo ele, é tomada por esses animais peçonhentos. Somente neste ano, o balconista recolheu 15 escorpiões dentro de sua casa. “Todo canto a gente encontra um. Eu já passei gasolina com água, espalhei areia, tudo para evitar que eles entrem. Diminui, mas ainda são muitos”, conta.   

O balconista Janair de Oliveira, de 62 anos, recolheu 15 escorpiões em sua casa só neste ano
O balconista Janair de Oliveira, de 62 anos, recolheu 15 escorpiões em sua casa só neste ano. Foto: Videopress Produtora

A situação é a mesma na casa da aposentada Maria Souza, de 76 anos. Os escorpiões são encontrados principalmente no banheiro. “Meu filho foi tomar banho esses dias e quase foi picado por um. A gente foi tentar matar e ele fugiu pelo ralo”, relata. Segundo a aposentada, ela e seu filho sempre tentam matar o animal quando o encontram dentro de casa. “A gente tentar matar com o chinelo mesmo. Pisamos neles, o importante é não deixar fugir”, acrescenta.  

Explicação da biologia 

Para a bióloga Fernanda Raggi, antes de se preocupar em matar um escorpião, a população precisa prevenir, evitando que esses animais entrem no ambiente doméstico. “O primeiro passo é sempre a prevenção. Importante vedar rodapés, portas, colocar telas nas aberturas dos ralos e das pias. Além dessas medidas, evitar deixar roupas e lençóis no chão, além de manter armários e gavetas fechadas”, orienta. 

A especialista recomenda que se evite ter contato com os animais. No entanto, se possível, eles devem ser retirados de casa com uma vassoura ou armazenados em um pote e levados para uma unidade de saúde. “Importante não tocar no escorpião. Isso porque, a gente não sabe qual o tipo de escorpião, por isso, tem que se manter distante”, acrescenta.  

O que diz a Prefeitura de Belo Horizonte

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que, para evitar a infestação de escorpiões, agentes de combate a endemias (ACE) realizam vistorias com frequência para avaliar os locais em que há o aparecimento desses animais peçonhentos. Essas ações são realizadas como rotina e em atendimento às demandas da população. Conforme a prefeitura, as vistorias podem ser solicitadas no Portal de Serviços ou por meio do PBH APP (aplicativo da prefeitura da capital).

“A orientação é manter os locais sempre limpos, livres de entulhos, restos de alimentos ou outros materiais que possam servir de abrigo para escorpiões e outros animais sinantrópicos, como caixas de gordura e esgoto mal vedadas e frestas em paredes”, detalha, em nota.

A recomendação da prefeitura é de que o munícipe acione a Zoonozes caso encontre algum escorpião em ambiente doméstico. “A captura envolve cuidados e não se deve tocar no escorpião. Caso a pessoa se sinta segura, ela pode colocar um recipiente, como balde, em cima do escorpião, deixar um peso em cima e acionar a zoonoses da regional, que irá ao local capturá-lo”, completa.

Quando procurar por atendimento?  

De acordo com o coordenador da toxicologia do Hospital João XXIII, Adebal de Andrade Filho, a pessoa vítima de ataque de escorpião deve procurar atendimento médico imediatamente, já que o veneno deste animal pode resultar em problemas no pulmão e no coração, podendo matar. Essa recomendação é ainda mais importante quando a vítima for uma criança ou um idoso.

“É extremamente necessário que se procure uma unidade de saúde de imediato. O quadro, geralmente, evolui nas duas primeiras horas após o acidente. Então, é neste tempo que a equipe médica pode avaliar o paciente e fazer o encaminhamento mais adequado”, destaca Adebal Filho.  

Conforme o especialista, o tratamento pode ser feito com alguns anti-inflamatórios, que ajudam a diminuir os edemas pulmonares e as alterações no coração. “Casa caso é avaliado de forma individual. É o médico que vai definir se o tratamento será com anti-inflamatórios ou com o soro antiescorpiônico. Por isso é importante procurar uma unidade de saúde para que se avalie os sintomas, qual o tipo de escorpião e até mesmo o resultado dos exames médicos”, completa. 

A orientação é para que a vítima de escorpianismo leve ao hospital uma foto do escorpião. Conforme o Adebal Filho, a identificação do animal também é importante na definição do tratamento. Ele destaca que em Belo Horizonte e na região metropolitana são cinco espécies mais comuns. No entanto, a Tityus Serrulatus, popularmente conhecida como escorpião amarelo e que possui a toxina mais potente, é a mais comum e responsável por 95% dos casos que procuram a unidade de saúde. 
Escorpião amarelo é responsável por 95% dos casos atendidos pelo Hospital João XXIII
Escorpião amarelo é responsável por 95% dos casos atendidos pelo Hospital João XXIII. Foto: Natália Nascimento / Divulgação Hospital João XXIII

“Se a pessoa não viu o escorpião depois do acidente ou não sabe qual o animal responsável pela picada, se foi uma aranha ou uma lacraia, por exemplo, ela deve procurar o hospital mesmo assim, e o quanto antes. É a equipe médica que vai ajudar, a partir dos sintomas e dos resultados dos exames, dizer o que pode ter ocorrido”, orienta Adebal Filho. 

Os sintomas mais comuns nestes acidentes são dor imediata, vermelhidão e inchaço leve por acúmulo de líquido, piloereção (pelos em pé) e sudorese (suor) localizadas. As vítimas também podem apresentar náuseas e vômitos, além de arritmias e taquicardia.

“A pessoa que apresentar algum desses sintomas, pode entrar em contato com o setor de toxicologia. A mesma equipe que atende presencialmente, orienta quem liga e pede alguma informação”, destaca. O serviço funciona 24h, de segunda a domingo. O contato pode ser feito pelos telefones: (31) 3224-4000, 3239-9308 e 0800 722 6001. 

O que fazer após ser picado por escorpião?  

  • Lave o local com água e sabão; 
  • Não use garrote, não corte ou perfure ao redor da lesão; 
  • Mantenha-se o mais calmo possível; 
  • Procure atendimento médico imediatamente; 
  • Se possível, leve o animal ou foto dele para identificação. 

Como evitar que um escorpião entre em casa?  

  • Manter a tampa dos ralos internos na posição fechada (abrir apenas para limpeza e enquanto estiver em uso); 
  • Colocar telas milimétricas nos ralos na área externa; 
  • Vedar frestas nos muros, paredes e pisos; 
  • Vedar a soleira das portas com rodinho ou rolinhos de areia; 
  • Não acumular entulho ou materiais de construção; 
  • Verificar se os espelhos de luz e pontos de fiação elétrica não apresentam frestas e vãos; 
  • Acondicionar o lixo em recipientes fechados; 
  • Manter a limpeza de jardins, sem acúmulo de folhas; 
  • Providenciar a limpeza e corte do mato em terrenos.