Seis anos após sua chegada ao Brasil para atuar como médica em um município de Minas Gerais, a cubana Yurisel Brown Ciprian, de 35 anos, é uma entre os mais de cem médicos cubanos que assinam uma carta endereçada ao governo do Estado, na qual pedem para ajudar no combate à pandemia do coronavírus. Distanciados da medicina por um decreto que encerrou o programa Mais Médicos em novembro de 2018, esses trabalhadores permaneceram na região e, no documento, oferecem sua mão de obra e pedem para ser reincorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Escrita na sexta-feira da semana passada (24), a carta carrega a assinatura de 105 médicos cubanos que moram em Minas Gerais e se destina também a senadores, deputados e demais autoridades na área de saúde do governo estadual. Incentivados pela história dos cubanos no Pará, convocados pelo governador Helder Barbalho às pressas dada a calamidade pública causada pelo coronavírus, os médicos que estão em Minas Gerais pedem que seus registros sejam reativados para que possam voltar a trabalhar. “Neste momento de luta e crises em saúde mundial pela pandemia imperante, estamos totalmente cientes de que o nosso trabalho é cuidar da saúde do povo brasileiro”, escreveram.

Com assinatura na carta e participante de um grupo de WhatsApp onde há outros em condição semelhante à sua, a médica Yurisel Brown Ciprian explica que os profissionais cubanos já possuem experiência anterior com doenças tropicais e surtos, e, portanto, podem contribuir diretamente no socorro aos pacientes com sintomas. 

“Nós estamos à disposição para ajudar também, sabemos como está a situação do Brasil em relação ao coronavírus e temos experiência. Nós já trabalhamos aqui, conhecemos a população, conhecemos as doenças que são próprias do país e só estamos aguardando que nos chamem para trabalhar”, conta. Atualmente, Minas Gerais tem 1.649 casos do coronavírus, sendo que 71 mineiros morreram em decorrência de complicações da Covid-19.

Instalada no município de São Gotardo, no Alto Paranaíba, a médica mora com o marido, que é brasileiro, e há quase dois anos não atua na medicina – isso desde o cancelamento do programa Mais Médicos e a cassação do registro dos cubanos. Especializada na área de medicina da família e com mais de 11 anos de experiência, ela precisou aceitar um emprego distante de sua formação, como atendente em uma lanchonete, após ter sido afastada de seu posto.

“Quando vim para cá, trabalhei em uma UBS de São Gotardo, em um bairro periférico da cidade, e também trabalhei por um período curto em lugares mais distantes, na roça, direto na casa das pessoas. Quando acabou o programa (Mais Médicos), ficamos (os médicos cubanos) perdidos e sem saber o que fazer, fomos procurando outras coisas. Trabalhei como balconista em uma farmácia, mas os donos não tinham como manter tantos funcionários, e precisei sair. Agora sou atendendo em uma lanchonete”, detalha.

O elevado grau de especialização desses médicos está entre as justificativas dos profissionais cubanos para que sejam readmitidos para o SUS. “Queremos oferecer nossa experiência em emergência epidemiológica, como com o ebola, a malária, o H1N1, a dengue e a cólera, o que pode tornar-se fundamental para resguardar vidas humanas”, escrevem na carta. De acordo com o documento, muitos dos cubanos são especialistas em situações de emergência, terapia intensiva e até neonatologia – que é o cuidado direto com recém-nascidos. Além disso, boa parte deles, ainda segundo a carta, participou de cursos sobre estratégia em saúde da família e “vírus respiratórios emergentes”.

Os profissionais, aliás, apontam que uma medida provisória do governo federal abre brechas para que possam ser contratados, como aconteceu em Belém, no Pará, onde 86 conseguiram reativar seus registros para atuar no hospital de campanha da cidade. “Quando vimos que os médicos do Pará conseguiram, vimos que podíamos tentar aqui também”, conta Yurisel. Questionada se uma ação semelhante à adotada no Pará seria possível, a Secretaria de Governo de Minas Gerais ainda não respondeu.