Pandemia

Coronavírus: Iniciativas ajudam a salvar vidas de moradores de rua de BH

Ações levam comida e atenção a pessoas necessitadas e, sem pretensão, mobilizam a comunidade na capital

Por Thaís Mota, Gabriel Moraes e Lorena K. Martins
Publicado em 06 de maio de 2020 | 06:00
 
 
 
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A pandemia tem levado muitas pessoas a enxergarem o mundo de uma outra forma. E a partir desse novo olhar trazido pelas mudanças provocadas pelo novo coronavírus é que surgiu o projeto “Pandemia do Bem”, que distribui café da manhã a moradores de rua de Belo Horizonte aos domingos.

De iniciativa do contador Randolfo Moreira Bastos, 41, a ideia surgiu ao passar pela rua Itambé, no bairro Floresta, região centro-sul, durante uma corrida. “Eu estava correndo e fui fazer uma rota diferente quando, de repente, eu passei nessa rua. E aí me veio aquele choque de realidade porque eu estava no conforto da minha casa enquanto tinha tanta gente na rua. É muito fácil ficar de quarentena quando se tem tudo e foi aí que eu vi que tinha que fazer alguma coisa”.

Nesse mesmo dia, ele foi até uma padaria e comprou 50 lanches para distribuir aos moradores de rua que passam o dia na região. No entanto, o café da manhã não deu para todo mundo. “Ao final da distribuição, muita gente ficou sem receber e alguns choraram, outros falaram que sempre acabava quando era sua vez, e aí vi que eu precisava fazer mais”.

Já na semana seguinte, Bastos juntamente com alguns colegas de trabalho arrecadaram doações e conseguiram distribuir 150 cafés da manhã. E no domingo (3), quando o projeto completou 15 dias, já foram 500 lanches. Além dos amigos, a família também comprou a ideia do contador e ajuda na distribuição dos lanches.

Inclusive, a filha Maria Clara Moreira Bastos Oliveira e Silva, 8, foi quem desenhou a logomarca do projeto Pandemia do Bem. Ela conta que desenhou e coloriu pessoas se ajudando e do papel a ilustração ganhou vida em camisas e também nas redes sociais da iniciativa.“Eu primeiro comecei a desenhar uma pessoa ajudando a outra e depois eu fiz uma mão dando comidas e o mundo. E depois só adicionei as pessoas e fui colorindo”.

Para doações ou mais informações sobre o projeto, basta entrar em contato pelo Instagram.

Solidariedade sem fim

Ainda durante a distribuição do café da manhã, por volta de 10h30, pela equipe do Pandemia do Bem, outro grupo também chegou à rua Itambé, dessa vez para a distribuição de água e marmitas com almoço para a população de rua.

A campanha batizada de “Covid Sem Fome” é de um projeto da Fraternidade Espírita Chico Xavier. Segundo uma das integrantes do grupo, Caroline Cavalcante Nascimento, a instituição já fazia diversas atividades de caridade e, diante da pandemia de coronavírus, iniciou também um projeto para garantir alimentação aos moradores de rua. “Esse projeto surgiu da necessidade que observamos diante da pandemia atual de atender a população em situação de rua e também famílias em vulnerabilidade social”, conta

São aproximadamente 250 marmitex distribuídos semanalmente na região central de Belo Horizonte, além de cestas básicas para famílias cadastradas pela fraternidade espírita no Morro das Pedras e em cidades da região metropolitana. As refeições são produzidas todos os domingos na sede do grupo.

Para financiar a iniciativa, a campanha “Covid Sem Fome” está com uma vaquinha online e também recebe doações de macarrão, água e embalagem em alumínio para marmitex na sede das Obras Sociais Chico Xavier (rua Padre Eustáquio, 1742). Mais informações podem ser encontradas nas redes sociais do grupo (https://www.instagram.com/obras_chicoxavier/ e https://web.facebook.com/ObrasChicoXavier/.

Necessidades que vão além

Mais que alimento e água, muitos dos moradores de rua que aguardam diariamente pela ajuda no entorno do Albergue Municipal Tia Branca, no bairro Floresta, buscam também um emprego para deixarem a situação de rua.

Ao notar a presença da reportagem, Farlei Magno, 41, se aproximou e contou que a ajuda é sempre muito bem-vinda, mas que eles precisam também de auxílio para a recolocação no mercado de trabalho. Desempregado há quase quatro anos e há dois anos,  em situação de rua, após se separar da esposa, ele busca uma oportunidade para começar uma vida nova. 

“Eu sou motorista de ônibus e de caminhão e não estou conseguindo emprego. Eu às vezes saio para entregar currículos, mas você chega nas empresas e as portas estão fechadas e a gente fica aqui no albergue porque também é difícil pra conseguir moradia”, relata.

Ele acredita que um curso profissionalizante poderia ajudar muitas das pessoas que buscam por um emprego. “A gente precisa de um curso profissionalizante até para poder não ter tanto tempo ocioso. O lanche ajuda a gente bastante, mas eu quero trabalho, eu quero mudar de vida”, contou.

Em situação semelhante, Ângelo Marcos, 41, também busca um emprego. Ele está morando na rua há quatro meses, também após uma separação. “Eu estava morando em Barbacena, trabalhando em um frigorífico, mas aí me separei e vim para cá, mas não consegui emprego”. 

Mas, ele é otimista, além de ser grato ao lanche que recebe todos os domingos está feliz porque, mesmo em meio à pandemia, segue com saúde. “Medo todos temos, mas não tem o que fazer. E tá bom porque pelo menos estou bem e com saúde”.

Já o paulista Daniel Alves da Silva, 33, é meio nômade e conta que vive só desde os 13 anos. Além de Belo Horizonte, já viveu em várias outras cidades do país e, recentemente, retornou à capital mineira vindo do Espírito Santo, onde passou o último verão vendendo picolé na praia.

Ele também se aproximou da reportagem para contar, orgulhoso, que já foi entrevistado pelo jornal O Tempo no ano passado. Na época, ele fazia parte de um programa de Educação Para Jovens e Adultos (EJA), mas abandonou temporariamente os estudos para ir para o Espírito Santo. 

“No momento, eu não estou estudando, mas quando acabar essa pandemia eu vou fazer minha matrícula de novo do Colégio Imaculada Conceição e vou voltar a estudar”, contou. Ele sonha em concluir os estudos.

Silva afirma que, por conta de conflitos com a família de Arujá (SP), acabou na rua. E, durante todos esses anos, já trabalhou algumas vezes, mas não consegue sentir que pertence a lugar algum. “Eu não consegui criar raízes em nenhum lugar. Então, eu sempre viajo para um lugar ou outro, e acabo na rua de novo. E Belo Horizonte é um lugar muito bom e eu já me acostumei aqui. Tem uns quatro anos que eu venho aqui sempre”, relatou.

Questionado sobre o que há de especial em Belo Horizonte, ele não titubeia: “Ah, o povo é muito acolhedor, muito gente boa”. 

Albergue Tia Branca

O Albergue Municipal Tia Branca oferece 400 vagas para acolhimento de pernoite a homens adultos. No local, as pessoas em situação de rua recebem alimentação, pernoite e atendimento assistencial. No entanto, durante o dia não podem permanecer no local e acabam ficando no entorno. A rua Itambé é um dos pontos onde a maioria deles fica e também local em que vários projetos sociais realizam suas ações de auxílio à população.

Por causa da pandemia de coronavírus, as atividades coletivas que poderiam causar aglomeração de pessoas foram suspensas no abrigo, bem como a utilização de áreas comuns durante o dia.

Domingo do Bem

Um projeto que se iniciou no começo do isolamento social em Belo Horizonte cresce a cada final de semana. O "Domingo do bem" distribuiu lanches e cobertores a moradores de rua da Savassi, região Centro-Sul da capital. A ideia partiu da fotógrafa Ana Slika, de 36 anos.

"Esse projeto começou há cinco semanas. Como de costume, sempre que ia à padaria eu fazia um kit de pão com mortadela e suco e dava para os andarilhos. Mas um dia eu acordei e resolvi fazer mais. Comprei 50 pães, mortadela e 50 sucos, e distribuí a eles junto com um amigo", contou.

A partir daí, mais pessoas pediram para ajudar. "Eu coloquei a iniciativa nas redes sociais, e, no dia seguinte, pessoas que eu nem imaginava se ofereceram para participar também. Passei a distribuir 500 lanches por domingo, conseguimos água e acrescentamos ração para os cachorros dos moradores", disse.

"Já temos dinheiro para mais três domingos como esse. No próximo, vamos distribuir 600 cobertores, e temos o objetivo de também oferecer remédio para pulga e carrapato para os cães deles", concluiu.

Restaurante Dorsé

O restaurante Dorsé, que fica no bairro Floresta, é um dos vários estabelecimentos na cidade que está fechado sem realizar as atividades por causa do isolamento necessário e recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde para conter o avanço do novo coronavírus.  Essa situação tem trazido enormes consequências às pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, principalmente nas grandes cidades brasileiras. Para que esse cenário sofra menos impactos em Belo Horizonte, o chef e amigos próximos criaram a Lancho do Bem, uma iniciativa colaborativa que leva comida e afeto para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social. 
 
O restaurante já tinha o costume de doar marmitas para moradores de rua. E me preocupei que, com o fechamento dos estabelecimentos, aonde essas pessoas vulneráveis iriam pedir comida”, disse Elmo Barra, do Dorsé. 

Com a ajuda de uma rede de apoiadores, a iniciativa visa arrecadar insumos para a produção e distribuição dos lanches aos desabrigados. As ações acontecem de duas a três vezes por semana, em diversos pontos da cidade. São distribuídos de 100 a 200 lanches em cada ação. 

“A casa está fechada, mas a cozinha está pronta e disponível. Conversei com uma amiga que trabalha como jornalista de gastronomia e dois dias depois já doamos mais de 100 lanches com ajuda de fornecedores próximos que doaram carne, pão e suco”, contou ele. “Não importa a quantidade de lanches que vamos conseguir produzir em um dia. Se for 20 ou 200 lanches, uma ou dez pessoas, a gente vai sair da mesma forma”, esclarece.

O menu é elaborado pelo chef Elmo Barra e o menu é feito de acordo com os insumos recebidos de doação - pães, vegetais, carnes etc. Muitos ingredientes que estão na dispensa do restaurante, que está fechado por causa da pandemia, também são base para a criação dos lanches. “O retorno é gratificante. Elaboro as comidas para satisfazer qualquer pessoa. Tem carinho, cuidado e respeito pelo alimento que será  servido. Uma das receitas mais especiais foi um pão de queijo que fiz, de Piedade do Rio Grande. É uma receita de família, feita pelo meu pai, e foi muito especial compartilhar isso com tanta gente na cidade”, disse ele. 

Desde o lançamento da iniciativa, já foram mais de 500 lanches e kits de higiene. A medida que vão acontecendo mais ações, os volumes das doações aumentaram, possibilitando uma maior produção e o alcance de mais pessoas necessitadas. 

Todos os produtores recebidos de doação passam por uma triagem e são higienizados individualmente. Durante a entrega, a equipe de voluntários também higieniza as mãos dos receptores com álcool 70%.

Como ajudar: No Instagram @lanchodobem estamos arrecadando doações de insumos para a produção dos lanches que é o foco da ação. Toda doação é bem vinda, principalmente de descartáveis, álcool gel e produtos de higiene

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