O relatório final da CPI da Assembleia Legislativa de Minas que apura o rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, foi concluído e pede o indiciamento da Mineradora Vale e de 13 dirigentes e engenheiros da empresa e de auditores da Tüv Süd. Os deputados pedem que sejam adotadas medidas judiciais necessárias.
Entre os crimes apontados estão 270 homicídios simples, lesão corporal, danos simples e qualificados e danos à fauna. A CPI também concluiu que houve prática de crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos, segundo o relatório.
Para os deputados, todos os crimes foram praticados com dolo eventual, pois os responsáveis conheciam os riscos, tinham consciência da realidade e contribuíram para o resultado.
Entre os apontados como responsáveis pelo rompimento da barragem está o presidente da Vale na época, Fábio Schvartsman. O relatório foi lido pelo relator da CPI, André Quintão (PT), e depois as 110 recomendações foram aprovadas por unanimidade.
O documento
O relatório de 340 páginas foi resumido em 20 páginas para leitura em plenário. Foram 149 depoimentos tomados e 220 requerimentos, além de 17 reuniões ordinárias e 14 extraordinárias, durante seis meses.
O relatório será encaminhado à Mesa da Assembleia Legislativa para publicação e também será enviado aos órgãos aos quais serão feitas as recomendações para as devidas providências, nos âmbitos estadual e federal.
Cópias do relatório serão entregues aos moradores de Brumadinho no dia 25 deste mês.
De acordo com o documento, "fica evidente que a mineradora sabia dos riscos de a estrutura se romper e, mesmo assim, deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a tragédia".
Outra ação da mineradora que resultou no rompimento da barragem, segundo os deputados, foi a Vale utilizar, para garantir a continuação da operação da mina, um laudo que atestava estabilidade da barragem, mesmo que o fator de segurança estivesse bem abaixo do recomendado pelos órgãos internacionais, medidas que a mineradora já havia adotado em outras barragens.
A Vale, ainda de acordo com o relatório, detonou explosivos no segundo semestre do ano passado, contrariando as recomendações de auditorias feitas em junho e setembro de 2018. "A manutenção de funcionários em prédios administrativos situados abaixo da barragem foi outro indicativo de que a Vale não prezou sequer pela segurança de seus empregados", conclui o relatório.
Caso a Vale tivesse notificado a Agência Nacional de Mineração (ANM) da real situação da barragem, os deputados acreditam que os prédios da área administrativa da mina de Córrego do Feijão teriam sido interditados, por se situarem abaixo da estrutura.
Mudanças
A CPI vai criar um grupo de trabalho para acompanhar o cumprimento das solicitações, como pagamento de indenizações por danos morais e materiais e danos à fauna. O relatório também pede mudanças na legislação de barragens.
Para os deputados, a Vale sabia que a barragem funcionava com fator insuficiente para garantir a segurança. "Houve cegueira deliberada da empresa, de funcionários e colaboradores por não tomarem as providências necessárias", conclui o relatório. "A Vale preferiu o lucro, o que motivou que os responsáveis pela redução dos riscos agissem com descaso", concluíram os deputados da CPI.
Os passaportes de algumas pessoas citadas devem ser recolhidos para que elas não deixem o país e para que haja garantia da aplicação da lei penal, segundo o relatório.
Justiça
Parentes de vítimas acompanham a leitura do relatório. Várias fotos de mortos e desaparecidos foram espalhadas no piso do saguão onde fica o Plenarinho IV, onde aconteceu a audiência.
A professora Juliana Fonseca, que perdeu seis parentes e 52 pessoas do seu convívio no rompimento da barragem, acompanhou mais de 30 reuniões da CPI e disse que vai lutar por Justiça.
Posicionamento
Em nota, a mineradora Vale informou que "respeitosamente discorda" da sugestão de indiciamento de funcionários e executivos da companhia. Para a empresa, o relatório recomenda os indiciamentos de forma verticalizada "com base em cargos ocupados em todos os níveis da empresa". "A Vale considera fundamental que haja uma conclusão pericial, técnica e científica sobre as causas do rompimento da barragem B1 antes que sejam apontadas responsabilidades. A Vale e seus empregados permanecerão colaborando ativamente com todas as autoridades competentes e com órgãos que apuram as circunstâncias do rompimento", finalizou a nota.
Já a Tüv Süd, procurada, informou que não vai se posicionar. "Por conta das investigações em curso, a Tüv Süd não comentará sobre o relatório. A empresa reitera que tem cooperado com as autoridades para o esclarecimento das circunstâncias do colapso da barragem", finalizou.
Ambas as empresas não responderam aos questionamentos de qual seria a situação dentro das companhias dos funcionários que constam na lista de possíveis indiciados.
Investigação
A Polícia Civil respondeu à demanda da reportagem na manhã desta sexta-feira (13). A corporação informou que as investigações relacionadas ao rompimento da barragem de Brumadinho já se encontram em estágio avançado, restando poucas diligências para serem realizadas. O órgão ainda afirmou que o relatório da CPI apresentado e aprovado na ALMG tem papel relevante para auxiliar na elucidação do episódio ocorrido em Brumadinho.
Atualizada às 8h52, em 13 de setembro de 2019.