Durante cinco meses, o aposentado José Faustino de Brito, 67, ficou incomodado com uma dor na garganta que mal o deixava ingerir líquidos. Quando resolveu procurar um médico, teve um diagnóstico nada animador: um câncer, em estágio avançado. É essa demora para investigar o problema que dificulta as chances de cura e tratamento. Mas o descuido não é uma realidade apenas de Brito: 60% dos brasileiros descobre a doença já em fase adiantada. 

O aposentado é morador do bairro Jardim Leblon, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, e só procurou tratamento médico há dois meses. Desde então, está internado na Santa Casa da capital para tratar o câncer na garganta. “Comecei a sentir uma dorzinha e, depois, foi aumentando. Nem água eu conseguia engolir. Engolia, e a água voltava. Comida voltava do mesmo jeito”, contou Brito. 

A maioria dos pacientes com câncer do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais descobre a doença em fase avançada, nos estágios 3 e 4, conforme denunciaram especialistas em oncologia, gestores públicos e representantes de organizações de classe que participaram do 1º Fórum Sudeste de Políticas de Saúde em Oncologia, que aconteceu em Belo Horizonte no último dia 13, promovido pela ONG Instituto Oncoguia.

“A gente tem 600 mil novos casos de câncer todo ano no país e sabemos que 60% desses casos são descobertos em estágio avançado”, afirmou a presidente e fundadora do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, citando dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). 

Prognóstico

No Hospital do Câncer de Muriaé, na Zona da Mata, de cada dez pacientes com câncer que chegam, oito estão em estágio avançado da doença. De acordo com o diretor administrativo da instituição, Sérgio Dias Henriques, 82% dos casos de câncer de pulmão e 52% dos de colorretal já chegam diagnosticados nas fases 3 ou 4 da doença, os estágios mais graves. Segundo ele, o problema piora diante da dificuldade do paciente em ter acesso ao diagnóstico precoce.

Segundo Henriques, 80% dos pacientes com câncer de boca também já chegam no estágio avançado, como é o caso de Brito. “Achei que fosse outra coisa. Eu vim para a Santa Casa pensando que ia ficar só por uns dois dias e voltaria em breve para casa”, relatou o paciente.

A sobrinha dele, Magda Brito, 43, conta que o tio sempre fumou e bebeu a vida toda. “Ele achava que era uma inflamaçãozinha comum, que ia melhorar, e não se cuidou”, lamenta.

Demora para marcar consultas e exames agrava quadro clinico

Para a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, a descoberta tardia do câncer, sobretudo em atendimentos pelo SUS, passa pela dificuldade de acesso ao exame e ao especialista. “Há muita falta de transparência nos processos. Muitas vezes, o paciente fica esperando na fila, mas sem saber o lugar em que ele está. Não sabe quanto tempo vai demorar para ser atendido. Às vezes, demora seis meses para fazer uma tomografia, ou seis meses para conseguir fazer uma biópsia, que é o exame que faz o diagnóstico do tipo específico de câncer”, esclarece Luciana.

Ainda de acordo com presidente do Oncoguia, as maiores reclamações dos secretários municipais de Minas são por não garantir o transporte do paciente para outras cidades e de não terem verba suficiente para cobrir algum exame que o paciente precisa fazer.

Cuidados

Em cenário de demora no atendimento, a melhor forma de a pessoa descobrir o câncer em seu estágio inicial – onde as chances de curar a doença são maiores – é conhecendo o próprio corpo, ensina o gerente de atenção primária da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, o médico Fabiano Gonçalves. 

“Muitas vezes, quando a gente faz um diagnóstico de um câncer, existia ali um nódulo, um machucado, uma alteração qualquer do corpo que permaneceu durante meses, sem que aquele paciente se desse conta disso”, disse Fabiano. Ao notar qualquer mudança, é recomendado alertar o serviço de saúde. 

E, antes mesmo do diagnóstico precoce, segundo o médico, é importante se prevenir. “Hábitos de vida saudável previnem diversos tipos de câncer. A atividade física, por exemplo, está relacionada à menor quantidade de câncer de mama ou de intestino. Também não se deve fumar. A gente sempre pensa em câncer de pulmão, mas não fumar previne outros tipos de câncer que estão associados ao tabagismo”, orienta Gonçalves.

Baixo salário: Faltam profissionais

A escassez de oncologistas em Minas dificulta ainda mais um diagnóstico precoce do câncer. O Hospital do Câncer de Muriaé ficou quase dois anos procurando um profissional.

Estado diz que não controla fila de espera

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que o fluxo de referência para acesso a diagnóstico e consultas de câncer é norteado pela Programação Pactuada Integrada (PPI), do SUS, e regulado pelas secretarias municipais de Saúde. 

“Cabe ressaltar que os Consórcios Intermunicipais de Saúde se configuram como um importante instrumento para planejamento local e regional em saúde, e desempenham uma importante oferta de serviços assistenciais, em especial consultas e exames”, informou a SES.

Minas Gerais, ressaltou a secretaria, oferece atendimento para a população na assistência e na prevenção ao câncer de mama e de colo do útero em 26 Centros Estaduais de Atenção Especializada (CEAE) e no Centro de Especialidades Médicas (CEM).