O diretor-geral do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, Rodrigo Machado, foi afastado do cargo na manhã desta sexta-feira (18 de agosto). A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) confirmou oficialmente a saída do responsável pela gestão das unidades prisionais mineiras. De acordo com o órgão, Rodrigo entrará em férias-prêmio e um novo nome será indicado, ainda sem previsão. 

Nos bastidores, a informação é a de que a forma de trabalhar “linha-dura”, com acusações de maus-tratos a presos, teria motivado o cenário. Por outro lado, a Sejusp afirma que a gestão do policial foi destaque pela "boa condução dos protocolos" e "resultou em dados positivos para Minas Gerais, mesmo que boa parte dela tenha sido atravessando um grande desafio ocasionado pela pandemia da Covid-19". Em concordância, policiais penais lamentam a mudança e temem a contratação de um diretor técnico e não de carreira, e um possível colapso nos presídios do Estado. 

Machado está à frente do Depen-MG desde janeiro de 2019, quando foi nomeado para o cargo. Ao todo, ele soma 18 anos na carreira de policial penal no Sistema Prisional de Minas Gerais. Já foi agente de segurança penitenciário nos municípios de Governador Valadares, Ouro Preto, Itabira, João Monlevade, Nova Serrana, São Joaquim de Bicas e Belo Horizonte.

Em Ribeirão das Neves, exerceu o cargo de diretor-geral do Presídio Antônio Dutra Ladeira. E foi também diretor-interventor nos presídios de Curvelo e Caratinga; superintendente de Segurança Prisional; coordenador da Equipe de Prevenção e Qualidade da Corregedoria da extinta Secretaria de Estado de Defesa Social e superintendente de Articulação Institucional e Gestão de Vagas.

“Ele é alvo de várias investigações em função de uma direção voltada para a violência, com maus-tratos destinados a detentos. E estamos falando de seres humanos sofrendo vários tipos de situações. Diretores ligados a ele já foram investigados e dois deles chegaram a assumir a responsabilidade pela situação”, conta uma fonte em anonimato por receio de represálias. 

Uma das investigações direcionadas às unidades prisionais mineiras ocorridas durante a gestão dele é a Catira, feita pela Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), força-tarefa coordenada pela Polícia Federal e integrada pela Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal estadual e Polícia Penal federal, ocorrida em 2021. Segundo informações da Polícia Federal, na época, foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão e uma medida cautelar de afastamento de função pública em desfavor de sete investigados, dentre eles cinco servidores do Depen. Os servidores públicos investigados ocupavam cargos de direção. A investigação apurava supostos crimes de peculato e corrupção passiva/ativa por parte de servidores públicos, detentos, seus familiares e outros. 

Presidente da Associação Mineira dos Polícias Penais e Servidores Prisionais, Luiz Gelada lamenta a saída de Machado do cargo, o que classifica como uma perda para o sistema prisional mineiro. “Eu acabei de falar com ele pelo telefone, ele confirmou que saiu mesmo do cargo e que não pode se pronunciar até que seja publicada a exoneração dele. Mas o tempo em que ele esteve na direção tivemos muitos ganhos”, afirma. Ele acredita que a saída dele do cargo tenha sido fruto de perseguição. “Nós policiais penais estamos com a carreira fragilizada e ele nos representava enquanto um policial de carreira. Temos medo de quem vai assumir. Se colocarem alguém que não tem experiência na área, o sistema prisional pode entrar em colapso”, afirma. 

Já na avaliação do presidente do Sindicado dos Policiais Penais de Minas Gerais (SINDPPEN-MG), Jean Otoni, a segurança penal do Estado só tem a ganhar com a saída de Rodrigo Machado da gestão do Depen. De acordo com Otoni, os presidíos estavam abandonados. "O sistema prisional estava sem comando efetivo, ele (Rodrigo) não estava dando conta de gerir e manter a ordem. Os policiais penais enfrentaram situações caóticas sozinhos, sem serem ouvidos pelo diretor", critica. "Para se ter uma ideia, em Juiz de Fora, um preso atirou em outro dentro da cela. Em Caratinga, detentos morreram por fogo no presídio. Estava fora do controle. Quem vai ganhar com essa saída é a sociedade e a polícia penal do Estado", afirma. 

Série de denúncias

Para Maria Teresa dos Santos, coordenadora da Associação de Amigos e Familiares da Pessoa em Privação de Liberdade, a gestão de Rodrigo Machado foi a mais “dura” da história. “Ele já foi tarde, não sei como ficou tanto tempo. Conseguiu superar os maus-tratos de todos os outros diretores juntos. A tortura aumentou demais. Ninguém que entrar vai ser tão ruim quanto ele, tenho certeza”, avalia. “Ele endossava a violência e, caso algum subordinado não agisse da mesma forma, o exonerava. Quem não era aliado, saía, ficaram só os amigos”, continua. 

Segundo a coordenadora, o aumento dos aliados passou a ser um problema para o tratamento das denúncias, mesmo que elas aumentassem exponencialmente. “Os presos nunca apanharam tanto, nunca ficaram tanto tempo sem comida, sem receber visita dos familiares. E passou a não adiantar reclamar ou demandar. A ouvidoria, que sempre foi responsabilidade de um profissional de fora do departamento penitenciário, passou a ser feita por um agente do socioeducativo, não dava mais para confiar que seria levado a sério”.

Maria Teresa lembra do período em que Machado foi diretor-geral do Presídio Antonio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, em 2017. Lá, não demorou muito para que os presos realizassem um motim. À época, os detentos relataram agressões diárias, como chutes nos órgãos genitais e no estômago e tapas na cara. Eles botaram fogo no presídio exigindo a saída do diretor.

No ano passado, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apresentou uma denúncia em relatório de 280 páginas apontando formas de tratamento cruel e desumano em presídios de Minas Gerais, com quadro generalizado de práticas de tortura, espancamentos, afogamentos e violência psicológica. Os dados foram enviados para a  ouvidoria do Sistema Penitenciário e Socioeducativo do Estado. Só no primeiro trimestre do ano passado, foram 689 denúncias e 538 reclamações, totalizando 1.227 gritos de socorro. Ou seja, a cada dia, foram 13 relatos de problemas em presídios, quase um a cada duas horas.  

Segundo Gelada, parte das denúncias envolvendo o ex-diretor do Depen têm ligação com uma postura enérgica para tentar frear o avanço da criminalidade dentro das unidades prisionais. Ele explica que parte do quadro de dificuldade relatado pelos detentos tem ligação com a superlotação dos presídios e não com condutas de agentes. “O Estado não investe para abrir novas vagas. O diretor coordena um sistema com 15 mil policiais penais, então, denúncias de maus-tratos têm mais a ver com quem está coordenando cada unidade e não com o diretor”, afirma. 

A reportagem entrou em contato com a Polícia Federal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e tenta contato com Machado. Quando os retornos chegarem a matéria será atualizada.

O que diz a Sejusp na íntegra? 

"A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informa que o diretor-geral do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), Rodrigo Machado, entrará em férias-prêmio nos próximos dias. Não há, até o momento, definição sobre o novo nome para assumir o cargo.

Rodrigo Machado esteve por mais de quatro anos à frente do Depen-MG, e trouxe ao departamento a representatividade necessária aos policiais penais – sendo o primeiro Policial Penal a assumir a direção do sistema prisional mineiro. A sua gestão resultou em dados positivos para Minas Gerais, mesmo que boa parte dela tenha sido atravessando um grande desafio ocasionado pela pandemia da Covid-19 – quando Minas Gerais se destacou no cenário nacional pela boa condução dos protocolos. 

A Sejusp indicará um novo nome, certa de que o sistema prisional de Minas Gerais continuará avançando, com ampliação de vagas, mais trabalho e ensino aos custodiados e valorização dos seus profissionais."