Cartão de vacina

Especialistas discordam de liberdade de vacinação em escolas defendida por Zema

Infectologistas alertam que fala pode estimular a não imunização com futuros impactos, como a reinserção de vírus já erradicados no país, como o sarampo

Por Raíssa Oliveira
Publicado em 05 de fevereiro de 2024 | 15:30
 
 
 
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Infectologistas criticaram nesta segunda-feira (5 de fevereiro) a “liberdade de escolha” dos pais de alunos matriculados na rede estadual de educação para apresentar o cartão de vacinação nas escolas comemorada nesse domingo (04) pelo governador Romeu Zema (Novo). A declaração dele foi publicada nas redes sociais e gerou debate entre especialistas, que argumentam possível violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, ainda segundo eles, a fala pode estimular a não imunização com futuros impactos, como a reinserção de vírus já erradicados no país, como o sarampo. 

O vídeo, compartilhado nas redes do governador, foi feito para marcar o início do ano letivo nas escolas da rede estadual, nesta segunda-feira (5). “Em Minas, todo aluno, independente de ter ou não vacinado, terá acesso às escolas”, disse o governador. O médico infectologista, Carlos Starling, avalia, entretanto, que a abertura dessa possibilidade de não vacinar os estudantes fere o artigo do ECA, que prevê que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. “Essa desobrigação na pré-matrícula não tem nada a ver com o direito à educação. Na realidade é uma atitude que deseduca a população e descredibiliza a ciência”, critica.  

O especialista reforça que há evidências científicas que comprovam a eficácia das vacinas. “Temos evidências científicas incontestáveis, basta lembrarmos o que vivemos em 2020 e 2021 (na pandemia da Covid) e o que vivemos em 2022 e 2023 após as vacinas, quando nossa vida voltou praticamente ao normal. As vacinas funcionam e salvam vidas”, garante. Nos dois primeiros anos citados, 56.659 pessoas morreram em função de complicações da doença em Minas Gerais. Já em 2022 e 2023, após avanço da imunização, o número caiu para 9.222 vítimas, uma redução de 83% na comparação entre os períodos.  

Para a infectologista Luana Araújo, a atitude pode deixar os pequenos “à própria sorte”, sem garantir o direito à vacinação. “Isso é o fim do mundo, deveria funcionar como case para as pessoas compreenderem quem tem a saúde pública como foco, o bem-estar da população como foco e quem tem o seu próprio bem-estar e a sua própria manutenção de status como foco. Está errado”, reforça.  

Apesar da afirmação do governador ter ocorrido agora, o próprio governo de Minas, por meio das secretarias de Estado de Saúde e de Educação, explica que nunca foi obrigatória a apresentação do cartão de vacinação na rede estadual de ensino para que estudantes possam se matricular e iniciarem suas atividades escolares. Atualmente, a apresentação do cartão de vacinação para os estudantes com até 10 anos é solicitada como forma de sensibilização aos responsáveis sobre a importância dos cuidados com a saúde da criança.  

Reinserção de doenças já erradicadas  

 A possibilidade de baixa cobertura vacinal preocupa os especialistas, que alertam para o risco de reinserção de vírus graves erradicados no país, como sarampo e poliomielite. A médica Luana Araújo cita o surto de sarampo enfrentado por países da Europa. “As pessoas consideram que o sarampo não é uma doença problemática, mas ele é ainda uma das doenças infecciosas de criança que mais mata no mundo, e é importante que a gente tenha uma cobertura mínima de 95% da população porque o sarampo é um vírus extremamente transmissível. A Europa saiu de 97% para 92% e enfrenta surtos horrorosos de sarampo neste momento”, conta.  

 A especialista alerta para o risco de mortes evitáveis caso o vírus volte a circular no país. “Se houver a reintrodução desse vírus a gente vai ter perdas que são completamente evitáveis. E a gente está falando de crianças”, avalia. 

 O infectologista Carlos Starling ressalta ainda que as crianças não vacinadas podem colocar em risco também a saúde de pessoas mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos. “Quanto mais crianças não vacinadas, maior o risco de novas epidemias. Lembrando que as crianças infectadas levam para casa esse vírus e acabam transmitindo para pessoas mais idosas e vulneráveis, acarretando em casos clínicos graves os quais, na maioria, serão absorvidos pelo serviço público. Vamos gastar mais com uma minoria que não quer cumprir obrigações legais e de proteção coletiva”, finaliza.  

O governo de Minas reforça que a imunização de crianças, adolescentes e adultos, em Minas Gerais, é recomendada em consonância com calendário nacional de vacinação, sendo que diferentes imunizantes estão disponíveis gratuitamente. O Executivo ressalta que foram investidos mais de R$ 260 milhões em ações de imunização extramuros no Estado. “Destaque para R$ 100 milhões repassados aos municípios para a compra de vacimóveis (vans adaptadas para funcionarem como unidades itinerantes de vacinação)”, esclarece. 

A reportagem questionou o governo de Minas sobre a taxa de cobertura vacinal em Minas em crianças e adolescentes em idade escolar, mas não obteve retorno. O Ministério da Saúde também foi procurado sobre o assunto, mas até a publicação dessa matéria não havia se pronunciado. A reportagem será atualizada tão logo os posicionamentos sejam enviados.  

O que diz a lei? 

Pais têm a opção de vacinar, ou não, seus filhos? Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), quando os imunizantes forem recomendados pelas autoridades sanitárias do país, os responsáveis por crianças e adolescentes não podem sobrepor suas vontades a respeito das vacinas ao bem-estar e ao direito garantido pela Constituição de os pequenos ficarem protegidos. 

Ainda conforme a legislação, em casos de não vacinação por questões filosóficas, religiosas, morais ou existenciais, o que vale é a obrigação legal imposta a todos os residentes no país. Ou seja, a imunização seria obrigatória.

Em Belo Horizonte

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou, apesar de não existir exigência de vacinação para que as crianças possam ingressar na rede municipal de ensino, cartão de vacinas e a cópia desse documento devem ser apresentados no momento da matrículo. Isso para que, segundo o Executivo, as equipes de Saúde, por meio do Programa Saúde na Escola (PSE), verifiquem as informações ao longo do ano e orientem sobre a importância da imunização.

"Cabe reforçar que a Secretaria Municipal de Saúde desenvolve estratégias para aumentar a cobertura vacinal de diversos imunizantes. Por isso, somente em 2023 foram mais de 52 mil aplicações de vacinas realizadas dentro das escolas municipais. Foram disponibilizadas doses contra a poliomielite, o sarampo, a rubéola, a caxumba, a varicela, a febre amarela, a meningite, a covid-19 e a gripe. É muito importante destacar que foram vacinados somente os alunos que apresentavam a autorização preenchida e assinada pelos pais, mães ou responsáveis legais", informou a PBH.

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