Benício, Antônio e Dante acabaram de chegar ao mundo, mas não a um mundo qualquer. Nascidos em um dos períodos mais turbulentos da história, os bebês trazem ares de esperança - mas também de desafio - ao dia a dia das mães, que precisam dar seus primeiros passos na criação enquanto estão isoladas pela pandemia.

Um levantamento feito pela BBC News no ano passado apontou que o período entre março e maio é o que mais concentra o nascimento de brasileiros no ano. Em 2020, no entanto, os meses são bastante atípicos no mundo inteiro.

No dia 7 de março, quando Benício nasceu, a mãe, a tatuadora Luiza Alvernaz, 31, nem imaginava que estava a uma semana de entrar em isolamento. “O parto foi todo dentro do planejado, com fotógrafa, doula, meu marido, minha mãe, do jeito que sempre sonhei. Só que nos primeiros dias eu não quis receber ninguém, por cuidado mesmo, e na semana seguinte eu já estava impedida pela pandemia”, relatou.

Um mês depois, em 7 de abril, foi a vez de Antônio chegar. A gerente hoteleira Natalia Araújo, de 31 anos, precisou mudar os planos para o parto. “Tinha planejado um parto normal, mas com o avanço da pandemia e as notícias de outros países de que os hospitais não estavam aceitando acompanhante no quarto, tive muito medo de ficar sozinha em um momento tão sonhado. Após muita conversa com minha obstetra, acabei optando por uma cesárea agendada, e tive uma experiência positiva, com meu marido 100% do tempo ao meu lado”, conta.

O parto do pequeno Dante, nascido em 27 de abril, foi uma experiência diferente. Daniela Alves, 39, optou por dar à luz em casa. “Além de todos os sentimentos que já estao presentes no final da gravidez, tive que pensar em parir na maior pandemia do século, tive que trabalhar muito, eu queria um parto domiciliar, então tive que deixar tudo com as condições necessárias para uma experiência ainda mais segura”, detalha a pedagoga, que já era mãe de Bento, de 4 anos.

Desafios

O período da gestação, além da expectativa, costuma ser marcado por planejamentos, pela organização mínima para o cuidado com o bebê que está para chegar. A doula Lena Bezerra viu a rotina de suas clientes se transformar com a pandemia e percebeu o susto que as mudanças impostas causaram inicialmente. “Os desafios delas têm sido descobrir a força interna, perceber que não temos controle de nada, que a realidade está aí e não pode ser alterada e que precisamos seguir os protocolos”, observa.

A mudança de planos foi inevitável para as três mães e se refletiu desde o parto até a lida diária com o novo membro da família. Conhecer os parentes também tem sido uma experiência diferente. “Há duas semanas, em um domingo ensolarado e já meio cansados do isolamento, colocamos o Antônio no bebê conforto, no carro, e fomos dar uma volta. Passamos na casa de alguns parentes para que eles vissem o pequeno pela janela do carro. Eles do lado de fora, de máscara e distantes, e nós dentro do carro, devidamente protegidos. Chamamos esse passeio de drive-thru de neném!”, brincou Natalia.

Daniela também usou o “drive-thru de neném” para apresentar Dante aos familiares. “Apesar de ter acalmado o coração, acaba deixando eles [os familiares] mais apreensivos, porque todo mundo fica querendo pegar, cheirar o neném, mas foi interessante, diferente, foi o que conseguimos fazer nesse momento”, relata.

Luiza, Natalia e Daniela concordam que o contato físico com familiares está entre as restrições que mais causam impactos nesta fase de criação dos bebês. “O puerpério é um periodo muito complicado, é um misto de sentimentos em que uma rede de apoio ajuda muito, alguém pra ir à sua casa, dar colo, conversar, e isso eu não pude ter”, relata Luiza. Ela está na casa da mãe, no interior do Estado. “Optamos por passar o isolamento no meio do mato”, brinca.

Cuidados

A psicóloga clínica Zaine Martins aponta o puerpério, ou seja, o primeiro mês pós-parto, como um momento já de desafios para as mães em qualquer contexto. No período de pandemia, o isolamento aumenta a solidão dessa mulher, o que pode agravar sintomas de ansiedade e até mesmo físicos. “Nós somos de uma cultura na qual esses primeiros cuidados são compartilhados, e não podendo compartilhar, com todas as oscilações hormonais do puerpério, a mãe pode ter sintomas de ansiedade e até evoluir pra depressão pós-parto”, alerta.

Para amenizar essa vivência, a especialista indica a manutenção do contato virtual por videochamadas. “Dá a sensação de proximidade, mostrar a um parente que esteja distante um momento de banho, de mamada, por exemplo, de compartilhar dicas de cuidados, dá uma sensação maior de acolhimento”, orienta.

Especialista em cuidado materno infantil, a enfermeira Paula Vereza dá dicas de como manter cuidados essenciais com o bebê durante o período de isolamento. “É importante circular pela casa com o bebê, deixá-lo dormir durante o dia em outros espaços que não sejam o quartinho dele, tudo para criar hábitos. E ainda: sempre deixar o ar circular, porque nesse tempo de frio, costumamos fechar as janelas e portas, mas isso pode ser perigoso pela concentração de gás carbônico, que é tóxico. O ar precisa circular”, informa.

Futuro

Ao mesmo tempo que trazem uma série de novos desafios às famílias, os bebês são sinônimo de renascimento, de esperança, de alento. Para o futuro, as mães planejam mostrar a importância que eles tiveram em um momento como este. “Quero muito falar pro Dante que ele nasceu em um momento desafiador que ele foi um sinônimo de esperança, de novos ares, novos tempos”, revela Daniela.

Benício e Antônio também receberão relatos parecidos no futuro, mas por enquanto, continuam levando mais vida e aprendizado ao dia a dia das novas mamães, que não poderiam esperar um primeiro dia das mães mais atípico “Quero contar que ele vem de uma geração de esperança, que ele foi amado, desejado, esperado mesmo à distância”, pretende Luiza. Nas palavras de Natália, o pequeno Antônio vai aprender desde cedo a importância de “fazer alguns sacrifícios adaptações para deixar todos em segurança”.