Ao mesmo tempo em que pipocam denúncias de superlotação de presídios em Minas Gerais, detentos que já deveriam ter sido liberados - seja por progressão para o regime aberto ou por conquista de liberdade provisória - são mantidos encarcerados. Segundo relatório feito pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, alguns presos têm sido mantidos por meses nas cadeias lotadas sem necessidade.
Segundo o documento, que foi enviado ao governo do Estado com denúncias de torturas e flagrantes abusos de autoridade dentro do sistema prisional mineiro, há diversos relatos de alvarás de soltura concedidos há meses e não cumpridos, além de pessoas no regime fechado que poderiam estar no semiaberto e no aberto, mas enfrentam um cenário de progressões vencidas.
O mesmo relatório mostra que algumas unidades prisionais, como o presídio Jacy de Assis, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e o presídio Inspetor Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, têm celas que comportam mais de três vezes a sua capacidade, com pessoas vivendo “em condições subumanas, de completa insalubridade, em celas escuras, sem ventilação e sem acesso à água potável”.
Para o advogado criminalista Gregório Antônio, essa realidade traduz uma relação de falta de gerência do Estado, de interesse, de descaso e até de ‘maldade’, em que o preso e, muitas vezes, pobre, não tem voz. “Temos várias notícias nesse sentido, do chamado excesso de execução, quando o preso tem direito a algum benefício e não desfruta dele. Trata-se de prisão ilegal, já foi mais do que debatido, mas a situação não muda”, diz ele.
O cenário traz à tona uma realidade contraditória: ao mesmo tempo em que os presos que já poderiam ter saído das cadeias continuam nesses espaços contribuindo para a superlotação, eles permanecem detidos justamente por conta da superlotação, em um ciclo sem fim, como expõe Gregório Antônio. O que ocorre é que, segundo o especialista, quando um preso recebe a progressão do regime para o semiaberto, ele precisa ser transferido para uma cadeia que conte com essa estrutura. É aí que vem à tona o problema da superlotação: muitas vezes, não há mais vagas para receber esses presos, forçando-os a esperarem em uma situação que já não deveria ser a deles. Além disso, questiona Gregório Antônio, os detentos, que transgrediram leis, acabam sendo vítimas justamente da transgressão da lei. “Está na lei, mas o Estado não cumpre”, enfatiza.
O advogado criminalista ainda aponta que quando uma pessoa está presa sem necessidade, ela corre vários riscos, inclusive o de morte em uma possível rebelião. “Se algo estoura no presídio, esse detento pode morrer dentro do sistema prisional em regime no qual não deveria estar”, destaca.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB), Willian Santos, a situação é reflexo de um sistema sem estrutura. “A lei de execuções penais diz que as pessoas têm esse direito à progressão de pena, o que é conquistado com bom comportamento, por exemplo. O problema é que muitas pessoas não têm condições de pagar um advogado e dependem da defensoria pública. Os defensores, por melhor que desempenhem suas funções, estão sobrecarregados e acabam não conseguindo acompanhar o processo na velocidade ideal. O mesmo Estado que prende, acusa é o mesmo que solta. Só que falta estrutura para isso e seguimos um regime de encarceramento sem ter onde colocar essas pessoas”, afirma.
Um cenário que agrava a situação de superlotação das unidades prisionais. “Nesta semana, enquanto o Ceresp da Gameleira estava impedido de receber presos, uma pessoa que estava no regime semiaberto atrasou para se apresentar e acabou tendo a pena regredida para regime fechado. Só que não havia presídio com espaço para colocá-lo e o deixaram na delegacia do Alípio de Melo, em BH, em uma situação terrível por três dias. Lá estava lotado, os detentos estavam apreensivos e um policial chegou, inclusive, a reagir às reclamações deles com spray de pimenta. A família me ligou pedindo apoio. Ele agora foi encaminhado para um presídio, mas não adianta porque todos os lugares estão lotados”, diz Santos.
Indenização
Quando um detento fica no sistema prisional além do tempo em que a lei determinou ou quando não muda de regime no período em que deveria, cabe indenização por danos morais, segundo Gregório Antônio. No entanto, diz ele, esse é um processo que costuma se arrastar por anos. No fim, o Estado acaba tendo que pagar o detento, tirando dinheiro dos cofres públicos. Cada caso é analisado individualmente, mas há resoluções que determinam valores próximos aos R$ 100 mil, como explica o advogado criminalista.
“Todas as pessoas que se sentiram violadas no sistema prisional podem e devem entrar com um processo por dano moral. O Estado vai até as últimas instâncias, então é uma ação demorada, mas o Estado precisa ser responsabilizado”, afirma.
O que diz a Sejusp
Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) afirma que o não cumprimento de alvarás de soltura apenas acontece se o custodiado tiver algum impedimento.
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A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informa que o não cumprimento de alvarás de soltura no âmbito do sistema prisional somente ocorre se o custodiado tiver algum impedimento por outra ação penal. Em alguns casos, o preso recebe alvará de soltura, contudo, durante a checagem de informações por meio dos sistemas da Polícia Penal e da Polícia Civil, é constatado que o preso possui impedimentos por outra ação criminal.
A reportagem também procurou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e aguarda retorno.