Três meses após o início do ano letivo, no dia 2 de fevereiro, alunos de 76 das 176 escolas da rede municipal de Belo Horizonte ainda não receberam todos os seus livros didáticos. Diante da falta de exemplares, os estudantes têm realizado rodízio do material e reaproveitado obras do ano anterior. A prefeitura não informa o número de alunos impactados, e ainda afirma não ter uma previsão para que a situação seja normalizada.

"A verdade é que o estudante que ficou sem livro até agora foi prejudicado um trimestre inteiro", alerta a educadora Neide Resende, que atua com alunos do 1º ao 5º ano de uma escola da rede municipal na região do Barreiro. Segundo a profissional, o atraso também afetou o planejamento dos professores, e muitos, tiveram que utilizar xerox como alternativa para a falta dos livros.

"A gente sabe que não é a mesma coisa. O livro didático é colorido, e muito mais fácil de guardar. Em algumas escolas, os diretores optaram por não deixar os alunos levar os livros para casa com o objetivo de evitar a perda", conta.

A prefeitura da capital atribuiu a responsabilidade da falta deste material ao Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Governo Federal. Por sua vez, o FNDE afirma que os exemplares são distribuídos de acordo com as projeções do censo escolar, disponibilizado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Essas projeções, conforme o órgão, são realizadas de acordo com "os dados declarados pelas próprias escolas".  

O FNDE garante, ainda, que a prefeitura teve duas oportunidades para solicitar mais livros. "O prazo para pedido de reserva técnica foi de 8 a 20 de março e de 5 a 20 de abril", informou em nota. Nestes dois períodos, a Secretaria de Educação de Belo Horizonte formalizou o pedido de 39.837 livros. Questionada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação não informou qual o motivo de não ter feito todos os pedidos no primeiro período de solicitações.

"A prefeitura poderia ter se precavido com relação a esse problema, encontrando alguma forma para atualizar esses dados. Se você tem, por exemplo, quatro turmas de primeiro ano em 2023, para 2024 você tem que pedir a quantidade de livros para quatro turmas de segundo ano. É colocar o número real de estudantes", aponta a professora.

A profissional ainda sugere que o problema poderia ser solucionado caso a secretaria autorizasse as escolas a utilizar o recurso disponível no caixa de cada unidade da rede de ensino fundamental para a compra desses livros. "Não é o ideal, mas se faltam um ou dois livros, é melhor comprar esse material do que deixar o estudante passar por esse constrangimento. Só que isso é proibido pela secretaria", completa.

Pais preocupados com aprendizagem dos filhos

Conforme mostrou a reportagem de O TEMPO, pais e responsáveis por estudantes estão preocupados com a falta dos livros didáticos, e com os impactos dessa escassez no processo de aprendizagem dos alunos. Essa, inclusive, é a situação de crianças do segundo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Monsenhor Artur de Oliveira, no bairro Caiçaras, região Noroeste de Belo Horizonte. Eles ainda não receberam os livros didáticos. Os estudantes iniciaram a semana de provas, na última segunda-feira (24), sem previsão para o recebimento do material.  

"Essa semana agora chegou o cronograma de prova final da primeira etapa, que será encerrada essa semana com provas finais. Não tem um livro didático para estudar", disse a mãe de um dos alunos. Por receio de alguma intimidação ao filho, ela pediu para não ser identificada.

Conforme a responsável pelo estudante, foi feito contato com a escola e os responsáveis não souberam informar quando os livros estarão disponíveis. "As atividades deles estão coladas nos cadernos, algumas em xerox. Livro mesmo, nada", denunciou a mãe.

Outro lado

A prefeitura garante que o planejamento pedagógico não foi afetado com a falta desse material. "É importante esclarecer que o livro didático não é a única estratégia pedagógica utilizada em sala de aula. Em casos de eventuais de atrasos na entrega dos livros, o corpo docente está atento para utilizar também outras ações, de modo que não haja prejuízo na aprendizagem", disse em nota.

Relação dos pais com a escola

No entanto, para a professora Neide Resende, além de alterar o planejamento dos profissionais e o processo de aprendizagem dos estudantes, o atraso na entrega do material compromete também o relacionamento da escola com os pais e responsáveis.

"Se você fala que o livro é importante, o pai questiona porque ele está em falta. Agora, se você fala que tem outras alternativas, ele também questiona o gasto com a compra deles. A verdade é que, a partir do momento que você adota o livro didático como instrumento de trabalho do professor, não ter ele é um problema", explica.  

Livros enviados, mas sem previsão para entrega

Por meio de nota, o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) afirmou que os exemplares solicitados no período de 8 a 20 de março já foram postados nos Correios durante a primeira quinzena de abril. Já os pedidos feitos entre os dias 5 e 20 de abril devem ser enviados nesta semana.